”Broken noses carrying a bottle # 2”,
Juan Muñoz, 1999.
Rubrica "um blogue ao serviço do público".
Na FNAC de Santa Catarina, as Confissões Sexuais de um Anónimo Russo estão em promoção. Apenas €2,5 por um dos melhores livros eróticos publicados em Portugal, nos últimos anos.
Pausa para publicidade.
“Nerve's Guide to Sex Etiquette for Ladies and Gentlemen”, by Em & Lo.
A must read for anyone with working genitalia and a sense of common courtesy, “Sex Etiquette” is committed to saving readers from a lifetime of sexual faux-pas. This outrageously helpful handbook, which covers everything from cheek kiss to clean up, will teach you, among other things: a gentleman or lady never looks someone in the boobs or genitals while talking, even if that person's daring neckline or visible pantaloons line (V.P.L.) has a paralyzing effect on their thought process.
Disponível aqui.
Tal como o Pedro tinha dito, há mais uma novidade no Quartzo, Feldspato & Mica. E a novidade chama-se Sophie. É a partir de sexta-feira. Faltam, portanto, 3 dias, tantas e tantas horas, tantos e tantos minutos, e não sei quantos segundos.
O Porto é a nossa cidade, o Porto burguês e obscuramente canalha, com seus dias de veludo e outros a roerem-nos os ossos.
Bem-vindo ao Quartzo, Feldspato & Mica.
Regina Guimarães.
W. S. Adams era um velhote escocês de 84 anos que vivia nos subúrbios de Edimburgo. Morreu em Junho do ano passado. Quase ninguém sabia nada sobre ele. Mas parece que Adams era um dos maiores coleccionadores de livros da Escócia. A sua colecção, avaliada em mais de 100.000 libras, vai a leilão amanhã, 31 de Março. O catálogo é fabuloso.
O que fazia Stanley Kubrick quando não fazia filmes?
Tony takes me into a large room painted blue and filled with books.
"This used to be the cinema," he says.
"Is it the library now?" I ask.
"Look closer at the books," says Tony.
I do. "Bloody hell," I say. "Every book in this room is about Napoleon!"
"Look in the drawers," says Tony.
I do.
"It's all about Napoleon, too!" I say. "Everything in here is about Napoleon!"
Uma extraordinária visita de estudo aos arquivos privados de Kubrick, com o patrocínio do Guardian.
O que diz César, no DN de hoje.
São hoje esquecidas e atacadas as duas razões mais próprias da glória feminina, o encanto da virgindade e a grandeza da maternidade. O engano é tal que vemos mulheres apreciar como ganhos a perversão da maternidade pelo aborto, da virgindade pela libertinagem, da família pelo divórcio. Cedem à promiscuidade e pornografia, velhas obsessões varonis. A promoção da homossexualidade baralha até os dados da natureza.
Volta Brutus, estás perdoado.
Há um excelente comentário de Cláudia Caetano sobre este assunto.
QUATRO EPIGRAMAS DA ANTOLOGIA PALATINA
Epigrama nº 16
Ossos e um nome mudo, eis o que contém a sepultura
de Safo. Mas as palavras dela são imortais.
Pínito (séc. I d.C.)
Epigrama nº 28
Estrangeiro, esta é a sepultura de Anacreonte. Ao passar
diante, entra e faz-me uma libação: eu sou um amante do vinho.
Anónimo
Epigrama nº 33
Bebeste muito e morreste, Anacreonte. – Mas gozei muito.
E tu, que não bebeste, também virás para o Hades.
Juliano, prefeito do Egipto (séc. VI d.C.)
Epigrama nº 96
Bebe agora que estás junto de Zeus, ó Socrates. É bem verdade,
realmente, que o deus te declarou sábio e a sabedoria deus.
Dos Atenienses, tu só recebeste cicuta,
mas foram eles que pela tua boca e beberam.
Diógenes Laércio (séc. III a.C.)
Tradução de Albano Martins. Do Mundo Grego Outro Sol, Asa, 2002.
Se há um blogue que merece ser venerado por mais de 467.972.461 leitores, esse blogue só pode ser este.
Holy shit, Batman!
While Batman was always poised and in control of his emotions, Robin was a highly excitable young man. Throughout their exploits, Robin would often find some event, some comment, some thing, completely unbelievable. On these occassions, he would exclaim, "Holy (insert words here), Batman!"
Mais exercícios aqui.
Wislawa Szymborska já falava português há algum tempo. Milosz já fala. Falta Zbigniew Herbert.
O meu amigo Jagodes
Será preciso apresentar-vos o meu confrade José Jagodes? Creio que seria estultícia – como usa dizer o prof. Pamplinas Miragaia – ter tal procedimento.
Pois quem não conhece o famoso José Jagodes? O intelectual brilhante mas modesto, o aventureiro epicurista, o pensador profundo e o conhecido polemista - já terçando lanças com Edmundo Prates Carmelo, Sousa Trindade ou Perneco Ferreira, já trocando farpas com o até à altura imbatível Ronaldo da Silva, o único luso comentador que conseguiu, num lance famoso, polemizar consigo mesmo ao espelho mas que no confronto com o Dr. Jagodes teve de se calar pela primeira vez, enfiado e tartamudeando.
Foi, com efeito, esta personalidade ímpar que me remeteu da sua casa de Linda-a-Velha uma carta que vos vou confiar com todo o gosto:
“Caro amigo: Já disseste, e talvez com razão, que algumas das palavras que te tenho escrito provavelmente ajudarão a fazer a “pequena história” desta região chamada Portugal e do muito povo que nela reside e mesmo vive. Por isso, aqui vai um novo esboço...
Tu sabes, meu maroto, como eu sou respeitador das leis, dos costumes, dos bons hábitos tradicionais – principalmente quando me encontro no alto dos Pirinéus, no deserto do Kalahari ou na Antártida. Mas bem: sou o que se costuma chamar um bezerrão, pois não me meto com ninguém, pago os impostos regularmente e nem digo que o…tu sabes, é um canastrão de trinta diabos. No entanto, há dias fiquei zonzo, estupefacto, mal disposto, acanaviado, mesmo furioso e com vontade de largar um petardo nesta geringonça.
Então não foi o caso que me disseram, nos jornais e nos demais órgãos de lavagem ao bestunto nacional, que um muito digno senhor acompanhado de outro senhor mui digno tinha visto o processo em que estava enredado prescrever depois de nove (nove!) anos de demoras processuais? Ponho-me, não to nego, branco com a fúria! Demoras processuais? Porque não dar-lhe o seu vero nome: cumplicidade na desculpabilização? Porque não referir, com o direito que a Constituição nos garante, que os sujeitos que tinham a ver com este caso simplesmente se bandearam misticamente com os outros para que (alegadamente, como se diz com doce prudência) eles pudessem ter rapinado à vontadinha?
Então não há um organismo para aquilatar da competência ou do desleixo destes protagonistas do cancro que está a destruir a Nação?”.
Li e engoli em seco. Decerto como todos vós.
Tenho de ter cuidado nestes meus contactos com o Jagodes. Até pode calhar que ele tenha razão no que diz. Mas…confesso que me começo a preocupar: qualquer dia o meu amigo vai dentro e eu não quero ser arrolado de embrulho, ainda tenho muito que fazer. Vou ser prudente. Mesmo que me chamem um bocadinho medroso, quero lá saber! É que numa terra como a nossa, de gente de categoria, todo o cuidado é pouco.
E, francamente, se queremos boas leis podemos ir com o Jagodes para a Antártida. Ou para o cume dos Pirinéus. Ou, mesmo, para o deserto do Kalahari, rincão onde não há água ou viçosa vegetação mas onde os processos não costumam demorar a deslindar-se docemente nove arrastados anos.
Nicolau Saião
Dizer que se ouve “música clássica” para "relaxar" é o mesmo que dizer que não se ouve “música clássica” com ouvidos de ouvir.
José Manuel Bacelar, outro amigo dos gloriosos tempos do Jornal Universitário do Porto, foi o grande vencedor da 4ª edição do Prémio VISÃO de Fotojornalismo. Estamos muito orgulhosos.
Repórter da estação de rádio Antena 1, esta manhã (noticiário das 8h00), num café de Castelo de Paiva, “auscultando” a opinião de alguns "habitantes locais" sobre a decisão do Juiz Nuno Melo de arquivar o processo da Ponte de Entre-os-Rios.
REPÓRTER: O senhor, desculpe, concorda com a decisão do juiz de arquivar o processo de Entre-os-Rios?
HABITANTE LOCAL: Claro que concordo.
REPÓRTER: Concorda então com a tese de que a ponte caiu por causas naturais?
HABITANTE LOCAL: Claro que sim. Há muito tempo que sabíamos que mais dia menos dia a ponte ia cair. Toda a gente sabia isso. Só não via quem não queria…
Kenneth Arthur McIntyre nasceu em Boston, em 1931. Começou a tocar saxofone com 19 anos e em relativamente pouco tempo tornou-se um dos músicos mais versáteis da sua geração: tocava 16 instrumentos, alguns dos quais com grande virtuosismo. No princípio dos anos 60, passou a dedicar-se ao ensino da música em escolas públicas de Nova Iorque, tocando e gravando discos em part-time. Álbuns fundamentais como “Hindsight” (1974), “Home” (1975) e “Chasing The Sun” (1978) foram, digamos, gravados nas pausas entre os periodos lectivos. Nos anos 90 adoptou o nome de Makanda Ken McIntyre e em 2001 editou o seu ultimo disco, “A New Beginning”. Morreu em Junho de 2001. Ken McIntyre é talvez o maior artista esquecido da história do jazz.
Raul Silva
AGENDA
Quadros Técnicos Superiores. Exposição de Pintura de Jaime Braz, na Galeria-Bar SOUK, em Lisboa. Até 17 de Abril.
Rosmaninho e Alecrim, “teatro musical” pela Companhia da Esquina. Em cena no Teatro S. Francisco (Centro Cultural Franciscano, Largo da Luz, 11, Lisboa), a partir de 17 de Março. Um projecto da autoria de Guilherme Filipe e Jorge Gomes Ribeiro. Contactos para informações e marcações: Jorge Ribeiro – 968 242 214/ 914 306 562; daesquina@yahoo.com.br.
Nos dias 27 (21h45) e 28 de Março (16h30), a Mandrágora apresenta a peça O_Rosbife_ponto_come_se, de M. Almeida e Sousa, no Auditório Fernando Lopes Graça, no Parque Palmela, em Cascais. A entrada é livre em ambas as sessões.
Porque é preciso mudar o inferno, cheira mal, cortaram a água, as pessoas ganham pouco (...). Não queremos este inferno. Dêem-nos um pequeno paraíso humano. Boa tarde, como está?
Bem-vindo ao Quartzo, Feldspato & Mica.
Herberto Helder, Os Passos em Volta.
O nosso estimadíssimo colaborador Ruy Ventura informa-nos que a partir do próximo sábado, dia 27 de Março, e até 19 de Abril, vai estar ausente destas páginas, por "fortes motivos pessoais".
A gerência agradece o gesto e deseja que os "motivos pessoais" sejam muito bem sucedidos.
A dada altura decidi serrar a cabeça. Senti-me tão aliviada, tão contente! (...) A partir daí a cabeça só entra quando não pode deixar de ser - quando estou a engolir tinta ou a chorar a tinta...
Destas duas afirmações qual é a verdadeira?
a) O Porto é uma cidade que alberga um grande clube de futebol.
b) O Porto é um grande clube de futebol que alberga uma cidade.
É por aqui que elas se penduram ou Morangos silvestres
Não, não se refere ao filme de Bergman esta todavia doce evocação. Refere-se à primavera antecipada que já se sente por estes sítios. E, sentindo-se, lá fui eu dar um dos meus passeios ao campo dos arredores. Como os camponeses já me conhecem por esses caminhos vicinais, às vezes chego a casa ajoujado com pêras, maçãs, laranjas – fruta da época. Ontem, em casa do meu amigo Gracindo, hortelão moderno à antiga, veio para a mesa um jarro do tinto e um chouricito com pão do Reguengo. Não conhecem. Mas limpam-nos a alma e as papilas, estas especialidades. Abancámos, tratámos-lhes da saúde. E no fim, com o ar um pouco encabulado, o Gracindo trouxe uns morangos “que a minha mulher comprou no supermercado” para encerrar o repasto.
Falou-se disto e daquilo e, clarete, desaguou-se na política. E o Gracindo contou-me uma estorinha em que ele teve como interlocutor um homem público em visita ao meio rural: a dada altura o nosso hortelão, um pouco ourado com a tanga, perguntou-lhe naquela conversa a dois:” Mas vocês não têm vergonha pelo que um dia mais tarde outros dirão de vocês?”. A resposta que recebeu, em tom sarcástico, foi lapidar: “Olhe, esqueça...os que vierem mais tarde serão como nós...”.
Comentários para quê? Foi um “artista” lusitano em plena e magnífica actuação...
Nicolau Saião
Quem disse que a cultura portuguesa não chega ao Brasil?
A telenovela “Morangos com Açúcar” estreia no "país irmão", no dia 29, na cadeia de televisão Bandeirantes. E com pompa e circunstância.
As estatísticas mostram que as raparigas lêem mais do que os rapazes. Parece que não é muito bonito um rapaz ser surpreendido com um livro nas mãos quando podia estar com outra coisa. Mas já há soluções para inverter essa tendência.
To combat the adolescent perception that reading is something that men simply do not do, Michael Sullivan has listed several important practices teachers and librarians should observe while in the classroom.
Mais informações aqui e aqui.
E, no fim, o príncipe casa com o príncipe e vivem felizes para sempre. Ou talvez não. Depende da decisão dos tribunais.
Two parents are threatening legal action after their first-grade daughter brought home a book from school telling the story of one prince marrying another prince.
- Estou-me nas tintas para o teu poema! - gritou o homem baixo atarracado que nunca suportara versos.
Levantaram-se vozes contra ele:
- Por favor, cale-se!
- Senta-te, cretino embriagado! Se não percebes nada disso, deixa o pobre diabo ao menos ganhar umas coroas!
- Perdão! Perdão, senhores! - gritou um homem franzino, de cabelo comprido e cuidadosamente penteado. - Perdão, há aqui um mal entendido. Não se trata de ganhar dinheiro. O nosso amigo não se encontra em má situação. Não vos exige nada, pelo contrário: só tem o desejo de nos proporcionar um prazer. É o nosso primeiro poeta cósmico.
- Basta, basta! Por amor de Deus! Todos sabemos que és farmacêutico, mas o que é demais, é demais!
- Deixem falar o poeta!
- Que diabo, quem foi que nos trouxe hoje essa corja de poetas para nos estragar a festa?
Seguiu-se uma gargalhada geral. Mas o homem franzino, de cabelo comprido, o tal farmacêutico, não se deixou intimidar. Levantou-se e gritou com quanta força tinha:
- Meus senhores, peço-lhes que não ofendam a poesia! Os poetas são criaturas superiores, devemos respeitá-los!
- O quê? - gritou o homem baixo e correu, de braços abertos, à volta da mesa. - Respeitá-los porquê? A mim ninguém me mete respeito. Nem Deus todo-o-poderoso! Percebes? E o teu maluquinho não me interessa. Compreendes a língua sérvia, não compreendes? Pois não quero ouvir poemas, e basta!
Ivo Andric, A Velha Menina, trad. Ilse Losa e Manuela Delgado, Livros do Brasil, 2003.
Continua aqui.
Herman Sonny Blount, conhecido por Sun Ra, o fundador da chamada “improvisação colectiva”, nasceu em 1914, na cidade de Birmingham, no Alabama. As suas primeiras gravações foram realizadas em 1953, tendo então iniciado uma longa obra discográfica que inclui para cima de 130 títulos, entre álbuns, colectâneas, registos ao vivo, etc. “Jazz in Silhouette” foi editado em 1958 e é dedicado a um universo imaginário onde ocorrem estranhas viagens espaciais (“Saturn”) e se descobrem civilizações perdidas (“Ancient Aiethopia”). Nesse sentido, é talvez um dos discos mais fantásticos da história do Jazz.
Raul Silva
Quem me conhece já sabe com o que conta. Sou viciado em livrarias. Desde os alfarrabistas de rua e de vão de escada aos espaços existentes nas grandes superfícies e nos centros comerciais, só a muito custo consigo resistir à tentação dessa espécie de namoro, às vezes concretizado em casamento para toda a vida. A sedução exercida pelos livros é fortíssima. Nem que se trate de um livro amarelecido e meio rasgado existente numa obscura tabacaria de província. Já nos meus tempos de adolescente era assim: chegava a prescindir da bica e de outros prazeres para que o dinheiro da semanada chegasse para adquirir esta ou aquela pechincha existente na, felizmente desorganizada, livraria da minha terra. Quantos dias luminosos guardo na minha memória, luminosos exactamente porque olhei no momento certo para aquela montra ou para aquela prateleira, mesmo a tempo de resgatar do esquecimento este ou aquele volume que há tanto tempo procurava… Foi nestes momentos de plena alegria que me vieram às mãos tomos de Pascoaes, de Marcel Scipion, de Balzac, de Adélia Prado, Irene Lisboa, Stefan Zweig ou Jack London, e de muitos outros amigos que (assim espero) me acompanharão em toda a minha existência.
Por estes e por outros motivos sou um frequentador habitual das diversas lojas FNAC existentes no nosso país. A do Colombo, em Benfica, a da Rua de Santa Catarina, no Porto – são apenas algumas que costumo visitar sempre que o tempo me dá essa oportunidade. Tenho no entanto especial predilecção pela que hoje se instala nos Armazéns do Chiado. Ao intenso sabor dos livros, junta-se o forte odor da paisagem, sempre que o olhar se espraia para nascente e avista o casario de Lisboa a subir para o castelo de S. Jorge, sempre que a vista alcança, junto das torres da sé, uma nesga de Tejo atravessada por navios e cacilheiros.
Os encontros costumam ser demorados. Como afirmam aqueles que às vezes me acompanham, começam geralmente por uma espécie de bailado em torno das estantes (de poesia, portuguesa e estrangeira, de arte, de romance, de ensaio…), repetido as vezes necessárias até seduzir a obra que se deixará levar para bem longe dali, talvez para as serranias da Serra de São Mamede ou para as proximidades da Arrábida, que agora habito.
Tudo isto para vos contar a mais breve visita. Dia 8 de Março. À tarde. Ao descer a Rua Garrett tive logo uma sensação estranha. O movimento dos carros de luxo incomodou-me (a mim, que apenas conduzo “pandeiretas” – vulgo, utilitários -, como me disse há pouco tempo uma nova rica de província…). A este aliava-se a pedestre passeata de antigos ministros e governadores, aperaltados em fatos cinza, como convém, ou azul ferrete, para variar. Entrei na FNAC Chiado e o aparato de uma estação televisiva assustou-me. Ainda assim entrei e desci até aos territórios da poesia, pensando que se trataria apenas da passagem pela capital de algum magnata do petróleo ou da comunicação social, a que essa gente iria prestar tributo. Ouvi então uma frase inquietante, trocada entre dois rapazes com ar partidário: “Vais ver, pá… Ao lançar o segundo volume da sua autobiografia política, o homem vai é fazer-se candidato a presidente… É desta que vai ser tudo nosso!” Percebi a razão de todo o movimento. Sem mais delongas, fugi desse lugar que tanto aprecio, não fosse o demo tecê-las. Foi, de facto, uma visita brevíssima…
Em frente à Basílica dos Mártires fui abordado por uma jornalista, certamente estagiária: “Então, comprou o livro do professor?” Respondi sem demora: “Ó minha senhora, gosto muito de ler romances, bons romances, mesmo que sejam de figuras desconhecidas. Mas, sinceramente, ficção política não me agrada. Costuma dar-me azia…” Voltei para trás e entrei na Bertrand. Cesare Pavese esperava-me. Sem demora, comprei o seu “Ofício de Viver”… e consolei-me com boa literatura.
Ruy Ventura
Amigos do peito
E desta vez foi-se o René Laloux. Anteontem. Autor de “O planeta selvagem” e “Les maitres du temps”(vai assim porque não teve versão cá no país), ambos a partir de romances do Stefan Wul. Depois fez o “Gandhaar”, este baseado num relato de Jean-Pierre Andrevon, que o segundo canal teve a feliz ideia de nos ofertar há cinco ou seis anos.
Todos de ver e chorar por mais.
Custa mas é assim. Nem os diamantes, afinal, são eternos. Agora já lá está na boa companhia do A. E. van Vogt, do Leonid Onochko, do C.M.Kornbluth, do Asimov... O céu cheio de science-fiction... consolemo-nos com isso. Para bom desfrute de anjos e arcanjos, que não podem viver só das harpas e das cantorias em grupo. E talvez que o Senhor Todo Poderoso também lá os frequente uma vez por outra – ficaria indubitavelmente a ganhar, na sua jornada de séculos dos séculos.
Evohé, grande René, os que te apreciavam te saúdam!
Nicolau Saião
Vamos a contas.
Em Portugal, a grande maioria dos livros de poemas de autores portugueses terão uns 500 a 600 leitores. Os mais pessimistas ficam-se pelos 300. Claro que há excepções. Entre os vivos, há o Herberto, a Sophia, o Eugénio e talvez mais dois ou três. Mas, como disse, são excepções.
E penso que não andarei muito longe da verdade se disser que uma boa parte desses 600 leitores também escrevem poemas. E são pessoas que já publicaram livros ou participaram em pequenas antologias, revistas, fanzines, edições on-line, ou que alimentam fortes pretensões nesse sentido. Basta pensar no número de pessoas que concorre a toda a espécie de certames de poesia, desde os jogos florais das juntas de freguesia aos prémios com nomes mais ou menos pomposos, promovidos por várias câmaras municipais. É uma espécie de pequena sociedade onde todos se conhecem e lêem mutuamente, e onde existem os inevitáveis amigos de estimação e inimigos de ocasião.
Trata-se, portanto, de 600 leitores que fazem as suas escolhas com base em critérios bastante objectivos. Ora, se isto for verdade, que relevância pode ter o trabalho do crítico de poesia “profissional”? Na prática, uma crítica favorável ao trabalho de um determinado autor poderá resultar num acréscimo significativo e consequente do seu número de leitores? Quantos livros mais conseguirá vender um autor caído nas boas graças de certos críticos? Mais 100? Mais 200 exemplares?
E os autores que são objecto de críticas desfavoráveis ou que são ignorados pelos críticos, vendem muito menos livros que os outros? Enfim, a qualidade do trabalho de um autor depende do número de referências favoráveis feitas pelos críticos?
Repito: para que serve então a crítica de poesia em Portugal? Na minha opinião, para tudo o que se quiser, menos para produzir “best-sellers” ou grandes mitos literários. Pela minha parte, devo dizer que gosto muito de ler alguns críticos de livros de poesia. Mas é uma questão de gosto. Não passa disso.
Vem tudo isto a propósito do longo e interessante debate que este post do Rui Lage suscitou na respectiva caixa de comentários. Mas o mais provável é que esta minha contribuição não venha a propósito de coisa nenhuma. Na verdade, nunca fui muito bom a fazer contas.
E por falar em Carlos de Oliveira, o nosso leitor Mesquita Alves sugeriu-nos “Sobre o Lado Esquerdo”, do pequeno livro com o mesmo título, originalmente editado em 1968.
SOBRE O LADO ESQUERDO
De vez em quando a insónia vibra com a
nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas
uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas
da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme
pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo
e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração».
Carlos de Oliveira
“Que farei quando tudo arde?” O título do romance de António Lobo Antunes deve ter renascido na memória de quantos viveram de perto ou de longe o pesadelo acontecido nas estações ferroviárias de Madrid. Entre a possível esperança e uma mal contida revolta, foram muitas as reacções com que contactei. De entre as mensagens recebidas, sobretudo de amigos de Espanha, com quem procurei encontrar-me ainda que apenas espiritualmente, traduzo para os leitores o poema César Vallejo que me enviou Antonio Sáez Delgado:
No fim da batalha
e morto o combatente, até ele veio um homem
e disse-lhe: ‘Não morras, amo-te tanto!’
Mas o cadáver, ai!, continuou morrendo.
Acercaram-se dois e repetiram:
‘Não nos deixes! Valoroso! Volta à vida!’
Mas o cadáver, ai!, continuou morrendo.
Aproximaram-se dele vinte, cem, mil, quinhentos mil,
clamando: ‘Tanto amor, e nada podermos contra a morte!’
Mas o cadáver, ai!, continuou morrendo.
Rodearam-no milhões de pessoas,
rogando em comum: ‘Fica, irmão!’
Mas o cadáver, ai!, continuou morrendo.
Então, todos os homens da terra
o rodearam; viu-os o cadáver triste, emocionado;
voltou ao seu corpo lentamente
abraçou o primeiro homem; começou a andar…
Ruy Ventura
Por uma feliz coincidência, Nicolau Saião acaba de nos enviar a sua versão deste mesmo poema de Cesar Vallejo (Perú, 1892-1938).
Aqui está.
MULTIDÃO
Ao findar a batalha
e morto o combatente, veio até ele um homem
que lhe disse:”Não morras, quero-te tanto!”
Mas o cadáver, ai, lá foi morrendo.
Dois se acercaram dele, e repetiram-lhe:
“Não nos deixes! Coragem! Volta à vida!”
Mas o cadáver, ai, lá foi morrendo.
Vieram então vinte, e cem, e mil,
quinhentos mil bradando: “Tanto amor,
e não podermos nada contra a morte!”
Mas o cadáver, ai, lá foi morrendo.
Uns milhões de indivíduos o rodearam,
e todos lhe rogavam:” Fica, irmão!”
Mas o cadáver, ai, lá foi morrendo.
Então, todos os homens desta terra
vieram junto dele. Emocionado, triste,
o cadáver olhou-os;
lentamente
abraçou o que primeiro chegara – e foi-se embora…
Tradução inédita de Nicolau Saião.
Relembro ainda que existe uma ampla antologia de poemas de Vallejo em português, organizada por José Bento e editada pela primeira vez em 1981 (Limiar), com reedição em 1992 (Relógio D’Água), e onde consta este mesmo poema.
UM POEMA DE MARCO ARGENTÁRIO
(Época de Augusto, 27 a.C. - 14 d.C.)
Se alguém cujos olhos sabem apreciar fica seduzido
e deseja possuir uma mulher de belo aspecto, isso não é amor.
Mas se, vendo um rosto feio, como que ferido pelas suas setas,
se enamora, sentindo o coração arrebatado de paixão,
então isso é amor, isso é fogo. Porque a beleza, essa,
encanta por igual todos os que sabem discerni-la.
Tradução de Albano Martins.
Do Mundo Grego Outro Sol, Asa, 2001.
Lembrei-me deste poema depois de ler este excelente post de Rui Bebiano.
Regra nº 1 para qualquer trabalho de escrita dar certo: escolher o tema certo.
Lucasta Miller escreve no Guardian sobre a complexa relação entre o tema e o escritor.
The relationship between writer and subject is as fraught with hopes and fears as a marriage. It is not for nothing that the process usually begins with the "proposal". (…) Before the proposal, however, there must be a period of courtship. For some enviable souls, it is love at first sight. But being the sort of indecisive person who needs to call in a therapist when faced with a restaurant menu, committing myself to a new book was a near-traumatic experience.
NUNO GUIMARÃES E CRISTOVAM PAVIA
No dia 13 de Outubro de 2003 passaram trinta e cinco anos sobre o falecimento do Cristovam Pavia. No mesmo ano que há dois meses e pouco terminou cumpriram-se também os trinta anos sobre a morte (física) de Nuno Guimarães. Dois poetas, discretos, cuja palavra solidificou (e solidifica, ainda hoje) essa luta contra a entropia que todos procuramos realizar sempre que nos aproximamos da Poesia como ponto de partida para uma iluminação interior. A data passou – sem que fosse recordada publicamente. Preocupada sobretudo com a promoção de génios diminutos, de veículos do vómito urbano e de outros simulacros textuais, a “imprensa literária” esqueceu o verbo profundo destes dois poetas. Não me deixo surpreender. Nuno Guimarães e Cristovam Pavia pertencem àquele grupo de autores que permanecerão no tempo, mas sempre no interior da sua casa, uma habitação peculiar onde serão lidos não pelos olhos de quem procura a fama, mas pelos olhos de quem demanda a beleza de uma raridade – luminosa porque inacabada, como escreve Fernando Pessoa nesse seu Heróstrato, livro muito perigoso para os tempos que correm e, por isto, tão pouco citado.
Nunca atingiram em vida a notoriedade pública, e ainda bem, uma vez que esta se opõe à permanência no tempo, segundo Pessoa. Hoje em dia a ocultação a que certa gente os votou parece-me no entanto injusta, embora compreensível, tendo em conta a lista de autores de costumam pôr nos píncaros. (Se alguém duvida, basta lembrar que há mais de vinte anos que os poemas de Pavia não são reeditados. Quanto a Nuno Guimarães, ainda há pouco tempo me confrontei com o olhar estupefacto – e ignorante – de uma catedrática de Literatura Portuguesa quando mencionei o seu nome e os seus poemas.) Fundamentais, Nuno e Cristovam continuam subterrâneos ao caminharem por uma estrada invisível onde vão recebendo apenas a visita de leitores fiéis, que desejam encontram não folhas mortas e passageiras mas as raízes das árvores que crescem com o tempo, contra o tempo e o seu devir. Não são autores esquecidos, apenas discretos – discretos como a luz intensa que ilumina certas cavernas.
Se me fosse concedida a oportunidade de escolher a minha família poética, escolheria a companhia destes dois confrades, e a de muitos outros autores que ocupam a mesma posição por esse mundo fora (C. Ronald, por exemplo, um dos maiores poetas vivos da nossa língua, residente no Brasil e pouco mais do que desconhecido, até no seu país).
Procuro, como a maior parte desses “mastigadores do mundo” (a expressão é de Cristovam Pavia), transmitir aos que me lêem o sabor (doce ou amargo) do húmus que vou descobrindo nas palavras e com as palavras. Não tenho, porém, ilusões. Sou sobretudo um leitor – leitor de tudo quanto me rodeia, tangível ou inefável, real ou virtual (como agora se diz), desejando encontrar pontes e viadutos que permitam ao Homem prosseguir sempre essa corrida de estafetas em que todos participamos.
Há muito de morte em tudo quanto tenho escrito. Mas, como diz Edward Burton, “deixar não é somente perder”. Deixar é também permitir, criar nas palavras um mundo reconstruído, um domínio de saudade (mesmo que se trate de saudade da inexistência), a saudade-memória serena de quem encontra um novo cimento com que pode preencher os pilares da casa que todos os dias edifica dentro do corpo e do espírito que lhe pertencem.
No final da sessão onde este texto foi lido [sessão de lançamento do livro de poemas "Assim se deixa uma casa”, ocorrida em 8/3/2004, em Lisboa] tive a feliz notícia de que os poemas de Cristovam Pavia vão ser reeditados brevemente. Mais vale tarde do que nunca... Quanto à obra poética de Nuno Guimarães, ela está disponível nas edições Afrontamento. São, ainda assim, dois poetas obscurecidos neste tempo onde a inanidade é uma espécie infestante.
Ruy Ventura
Nada se compara a uma hora de sono num moderno autocarro “de última geração”, embalado pelo clique-clique, familiar e antigo, das agulhas de tricot.
O GOSTO DE O OUVIR
O engº Ângelo Correia, comentador, é uma das minhas figuras televisivas preferidas. Sempre que aparece no pequeno écran para mim é uma festa: já pela maneira de falar – aos simpáticos arrancos, com paixão ou pelo menos com fervente convicção – já pelo gestualismo que nos diz estar ali uma pessoa competente mas que também vibra: aquelas repentinas paragens, as elipses espontâneas, os olhares como que perscrutando tudo em volta, desde as câmaras ao rosto expectante do interlocutor, criam em nós (em mim) o encantamento e o suspense.
Mas também gosto de o ouvir na rádio. E nesta terça-feira ouvi-o na rádio. Falava-se de terrorismo e a dada altura o senhor em causa disse uma coisa que até ali, durante meses e inúmeras intervenções não me lembro de o ouvir dizer, como que se negara a si mesmo dizer – que existe efectivamente um “confronto civilizacional” entre o fundamentalismo islâmico (que, aqui entre nós, subjaz ao Islão) e a ideia de democracia, personalizada nos países ocidentais.
Já de há muito que, em diversos lugares e cérebros, tal se percebera.
A minha admiração, portanto, não tem sido em vão. Porque apesar de um pouco atrasado o engº Correia disse-o. Ao contrário de outros (famosos filósofos de pacotilha, especialistas em generalidades pomposas e cocabichices, etc.) que só irão perceber isso quando a rocha, o pedregulho – ou seja, a bombita – lhes cair em cima das narinas.
Nicolau Saião
Impressiona o estado de degradação a que chegou o quiosque do Jardim da Rotunda. Trata-se de um dos últimos exemplares do pitoresco conjunto de quiosques em forma de pagode que existiam no Porto, e que eram uma herança do romantismo tripeiro. Tanto quanto sei, resta apenas o do Largo de Mompilher. O do Jardim da Rotunda já não tem os azulejos e parece mais o velho tronco de uma árvore morta do que um quiosque. Será legítimo invocar o princípio do respeito pela propriedade privada em situações como esta? A verdade é que já ninguém liga. As pessoas estão cansadas. No fundo, o pequeno quiosque da Rotunda é apenas mais um sintoma entre tantos outros daquela espécie de doença em que o Porto se tornou: uma cidade em adiantado estado de degradação e sem cura à vista.
Hoje é distribuído com o jornal Público o romance “Luz em Agosto”, de William Faulkner. Como diria o Prof. Hermano das histórias (pausa para imaginar o professor a espetar-nos o indicador no meio dos olhos e a fazer beicinho), “trata-se de uma obra fundamentaaaalll”.
Dois dias em casa a fazer um estágio intensivo em enfermagem. E embora forçado, já aprendi várias coisas de grande utilidade. Por exemplo, que o genérico que substitui o Ben-u-ron é o Ibuprofeno – ratiopharm, um fármaco que está indicado, entre outras coisas, para curar certas “lesões das partes moles”.
Rubrica “Não Quebrem Esta Corrente”
Num post recente, Alexandra Barreto citava o interessante poema “Lazarus not Raised” de Thom Gunn (Inglaterra, n. 1929), a propósito de um dia que “começou relativamente mal”, tendo sido seguida por Paulinho Assunção, que também o citou a propósito do post da Alexandra. Hoje associamo-nos a esta corrente e publicamos a tradução que Maria de Lourdes Guimarães fez desse poema, em 1993, a propósito daqueles posts e, portanto, sem nenhum propósito em especial a não ser o de gostarmos todos de poesia.
LÁZARO NÃO RESSUSCITADO
Estava na mesma. Os seus amigos em redor do túmulo
Fitavam o seu rosto gorduroso e sereno,
Flutuando na sombra; nada poderia salvar
Agora o seu corpo das areias sob as suas ondas,
Não tendo acontecido o milagre previsto.
Jazia inerte sob aquelas mãos estendidas
Que o chamavam à vida. Embora o esquife
Estivesse pronto para agarrar a vida e as faixas enroladas
Ao seu primeiro movimento soltassem as glândulas geladas,
O milagre previsto não aconteceu.
Ó Lázaro, corpo distendido, assim posto
Resplandecente e sem peso sobre a superfície da morte,
Ergue-te agora, antes de te afundares, porque não ousamos descer
A esse triste pântano onde (gritaram os que te choravam)
O milagre previsto não pode acontecer.
Quando pela primeira vez despertou, e lhe foram dados
Pensamentos e alento, escolheu deambular a passos vagarosos
Nos campos da infância, imaginários e seguros
- Semelhantes ao trivial território da morte
(O milagre não tinha ainda acontecido).
Escolheu primeiro entregar-se assim aos pensamentos
E desprezar o que o seduzia na graça oferecida,
E depois, em repouso, escolheu entregar-se ao que deles restava.
Chegou o esforço final, empurrámo-nos
Para ver o planeado milagre acontecer:
Inesperadamente o cadáver pestanejou e abanou a cabeça
Para a seguir se afundar de novo, deslizando da vista sem deixar
Um único vestígio, até alcançar o lodo sobre o mais profundo leito
Do vazio. Escolhera permanecer morto,
O milagre previsto não aconteceu.
Nada mais mudou. Vi alguém perscrutar,
Inclinando-se para a caixa rectangular do espaço.
Os seus amigos tudo tinham feito: sem tal receio,
Sem aquele aterrado resplendor do despertar,
O milagre previsto teria acontecido.
Thom Gunn, A Destruição do Nada e Outros Poemas, trad. de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D’Água, 1993.
Bem-vindo ao Quartzo, Feldspato & Mica, o blogue onde o sol nunca se põe.
Aberto 24 horas por dia, 365 dias por ano. E às vezes mais.
Se nos dias que correm se fazem rankings e campeonatos por tudo e por nada, não há razão nenhuma para não se fazer também um ranking dos poetas. Ora aqui está uma bela proposta de ranking dedicada aos poetas de língua inglesa. Com o Pound em terceiro lugar e a lutar para não descer de divisão.
Today's critical consensus on 20th-century poets in English looks something like this: Eliot and Yeats, tied for first; Frost second (not prolific enough after his earlier best stuff); Pound, Stevens, and Auden battling for third.
Paul Fort
(França, 1872-1960)
E agora uma daquelas verdades inspiradas na apurada erudição de Monsieur de La Palisse: a qualidade de vida dos leitores de jornais melhora consideravelmente nos sábados em que se publica a crónica de Mário Santos, e piora na mesma proporção nos sábados em que não se publica a crónica de Mário Santos.
O que é que faz uma espécie de poeta a 185 km/h na auto-estrada entre Porto e Lisboa? Nada de especial. Para além de assistir a tristes cenas de engate entre os gordos bigodes de alguns agentes da autoridade e a excitada maça de Adão de um velho personagem bíblico que usa e abusa da direita.
Felizmente, o "poeta" acabou a noite em paaaaz, no seu quarto de hotel. Depois de um agradável jantar de trabalho com um estimulante grupo de catequistas e filhas de empresários com ligações à Opus Dei, no Bica do Sapato. No quarto ao lado, os agentes da autoridade aprendiam a manusear correctamente a Bíblia.
The American novel, having become dominant, was in turn dominated by the Jewish-American novel, and everybody knows who dominated that: Saul Bellow.
Martin Amis escreve sobre Saul Bellow.
Bags Meets Wes!
Wes Montgomery, considerado por muitos como o maior guitarrista de jazz de todos os tempos, e Milt Jackson, o vibrafonista que se tornou famoso pelas suas "oitavas paralelas", juntaram-se em 1961 e gravaram um disco. "Bags Meets Wes!" contou ainda com Wynton Kelly, no piano, Sam Jones, no baixo, e Philly Joe Jones, na bateria. Desta experiência resultaram temas como "Stairway to the stars" ou "Stablemates", com os célebres solos de Montgomery realizados somente com o polegar da mão direita, sem palheta. Mais um disco para a discoteca de granito.
Raul Silva
Pequena antologia de obras-primas portuguesas de expressão inglesa #5.
E a nossa antologia de lyrics de songwriters portugueses de expressão inglesa continua a crescer. Para hoje o Ricardo Carvalho preparou-nos uma excelente tradução de "Are You Ready?" (Estás Pronta?), tema dos Blasted Mechanism. Sim, estamos prontos. A versão original está disponível aqui.
ESTÁS PRONTA?
Blasted Mechanism
Agora sei o significa.
Estou pronto!
Assim é o melhor que posso estar.
Estás pronta?
Troco já a minha coroa por um beijo teu...
Estás pronta?
Vamos pôr um disco a tocar, e dançar o mundo.
Eu estou pronto! Estou pronto para ti...
Estás pronta? Estás pronta para mim?
Estamos prontos! Estamos prontos para o amor...
Estás pronta? Estás pronta para isso?
Vou levar-te àquele sítio especial,
Onde a tua faiscante beleza se intensifica,
E nenhum homem vivo roubará o brilho,
Do azul profundo dos teus olhos.
Eu estou pronto! estou pronto para ti...
Estás pronta? Estás pronta para mim?
Estamos prontos! Estamos prontos para o amor...
Estás pronta? Estás pronta para isso?
Agora sei o significa.
Estou pronto!
Assim é o melhor que posso estar.
Estás pronta?
Troco já a minha coroa por um beijo teu...
Estás pronta?
Vamos pôr um disco a tocar, e dançar o mundo.
Eu estou pronto! estou pronto para ti...
Estás pronta? Estás pronta para mim?
Estamos prontos! Estamos prontos para o amor...
Estás pronta? Estás pronta para isso?
“Como na guerra, sem filosofia” – as palavras de Carlos V surgem neste dia com um peso diferente. Antonio Sáez Delgado, escrevendo-me há minutos, afirmava: “este é um dia terrível para Espanha!”. Contrariei-o. É um dia terrível para todos quantos desejam um mundo justo, em que os seres humanos convivam na diversidade, dialoguem mesmo na diferença – tal como o 11 de Setembro e muitos outros dias em que a morte foi usada para acabar com a esperança, instalando o medo e a dor como pilares da casa em que habitamos. O horror toca-nos de perto – apenas a algumas centenas de quilómetros.
Neste dia, a frase do Prof. Amadeu Carvalho Homem surge límpida: “Vencer o terrorismo é uma imperativo para a nossa civilização”. Venha ele de onde vier, seja praticado por quem for, não podemos ter contemplações em relação a quem actua desta maneira. Nada há que possa justificar o terrorismo, seja ele islâmico, etarra ou de outra proveniência – como alguns hipócrita ou descaradamente costumam fazer. Não foram responsáveis políticos, militares ou religiosos que morreram neste e noutros atentados – é o coração da democracia e da sociedade aberta que sofre uma grave ameaça neste e noutros dias de negrume, promovidos por gente que deseja sobretudo destruir todos os seres humanos que desejam pensar livremente, que procuram viver num mundo melhor.
Ruy Ventura
A Dor
Ferido. Magoado. Paf, como se tivesse levado um murro na fronha. Mais que isso: uma facada nas tripas, a navalhada junto do coração. Antes mesmo de me levantar, acendo o rádio e como pela medida grande: na minha querida Madrid, na estação de Atocha onde desci do combóio há pouco mais de 15 dias. No combóio de Alcalá de Henares, onde nas férias passadas estive com o Juan Pedro Moro vindo de Londres, a destroçar saudades, atirando a terra tapas e couves recheadas, tudo com o bom vinho do Casado que eu levara como um dispendioso frascão de incenso. Perto da Porta do Sol, perto do Rainha Sofia, onde levei a minha neta para, com seis anos, começar a ver a verdadeira vida dos pintores, da pintura. Aí a duzentos metros do cafézinho onde me repimpo com um ar de beatitude. Perto dos lugares que ensinei os meus a amarem e percorrerem.
Quantas daquelas pessoas (estudantes, mangas-de-alpaca, marçanos, operários disto e daquilo) se teriam cruzado comigo, ombro a ombro no trem? Gentinha de ver na rua...
Magoado. Como se um pássaro bisnau me tivesse ido ao trombil. Com as lágrimas nos olhos, sim. Que raio de vida!
Três bombas. Em cheio no coração da manhã. Na minha amada Madrid. Triste até mais não. Como se me tivessem rasgado os livros de poemas. Me tivessem feito em cima, espezinhado a valer.
Três bombas. Apenas. O que foi, raios parta isto, como um mundo de desolação.
Nicolau Saião
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Também muito interessante é a entrevista que Richard Cabut fez a Jamie Reid, o artista que criou a imagem gráfica dos Sex Pistols, e que está disponível na 3 AM Magazine.
In many ways, political change can only come through spiritual change and I was brought up with that feeling. The two are intertwined - there's a deep-seated socialist druid tradition in this country which considers certain thing to be our birthright: the right to housing, education. I hate labels but, yeah, I would describe myself as a socialist druid.
E ainda a propósito de viagens a Lisboa, vale a pena ler a mais recente crónica de Nicolau Saião.
Devagar se vai ao longe…
É um ditado velho mas agora, aqui, tem a ver com um trocadilho deliberado: porque foi na livraria “Ler Devagar”, essa mesmo, a do cantinho da rua de S.Boaventura, nas lisboas onde dá gosto apessoarmo-nos, que António Sáez Delgado, Ruy Ventura e - como apresentador - José Luís Peixoto, nos deixaram um pouco mais reconciliados com a existência ao lançarem os seus livros, respectivamente “Dias, fumo”(com capa do autor) e “Assim se deixa uma casa”(capa de Augusto Raínho).
José Luís Peixoto, escritor e ser humano que dá gosto frequentar, foi como sempre incisivo e brilhante – mas do brilho real daquilo que é verdadeiro (é um autor que não fala por falar) e que tem a ver com o mundo que todos nós sonhamos; Sáez Delgado, poeta de excelências interiores e de fino humor pessoal, temperado com a caballerosidad extremenha que sempre nos apraz sentir, deu-nos em espanhol e em lusitano um fragmento desse seu universo tão peculiar onde o dramatismo realça a desejável simplicidade da vida, das coisas, das ruas, do próprio rio Guadiana, o grande rio do sul partilhado por duas nações e, o que ainda é melhor, por poetas dos dois países. Por último, Ruy Ventura cruzou como autor e leitor – num gesto que se vai tornando cada vez mais necessário nesta sociedade que prima em desgraçar-nos – o seu percurso com o de dois grandes poetas que o vómito urbano, entre outras coisas tristes, tenta ocultar mesmo para além da morte, como se não bastasse a discreção que os rodeou enquanto vivos: Nuno Guimarães e Cristóvam Pavia. No seu texto de apresentação, RV chamou a capítulo Pessoa e o seu “Heróstrato”, “livro muito perigoso para os tempos que correm e, por isso, tão pouco citado”.
Já não ia a Lisboa – o que se chama ir, com voltinhas pelos lugares amados, olhares e andares repletos de nostalgia – há uns 4 anos ( como talvez saibam, perco-me e acho-me em Espanha, extremaduras e andaluzias no mínimo, que a fronteira me fica à porta de casa). Por meu bem, por meu mal? Não sei, é assim. Mas quando, no fim de dois dias criadores com gente do peito, se tem como corolário uma sessão destas, digna e humana e sem pontinha de aperaltação e presunção – damo-nos graças pelo nosso reencontro com a capital do império – que por um par de horas foi para nós capital de luminosa e pura “beleza de uma raridade”(sic RV) a poesia do que de facto conta como exemplo e função de vida.
Nicolau Saião.
Outro P.S.: O artigo que o Rui Lage cita está disponível aqui.
"Os Sinos", de Edgar Allan Poe, numa tradução de Margarida Vale de Gato e com uma ilustração de Filipe Abranches.
Já aqui falámos da antologia poética de Edgar Allan Poe que a Margarida Vale de Gato está a preparar para a editora Errata. Graças a esse trabalho, já publicámos, em primeira mão, as traduções dos poemas “O Corvo” e “O Lago-Para”. Hoje, é a vez de “Os Sinos”, outro clássico de Poe. Como já é habitual, a Margarida preparou uma apresentação do poema e a excelente ilustração que acompanha o texto é de Filipe Abranches.
Tratando-se de um dos exemplos de poesia onomatopaica mais conhecidos na língua inglesa, o poema baseia-se em aliterações, rimas assonantes e monossilábicas a fim de caracterizar o som distinto de cada um dos sinos — de trenós, de casamento, de alarme e de finados — representantivos das quatro idades da História (prata, ouro, bronze e ferro) e do Homem (juventude, compromisso, crise e luto). A mudança da felicidade das duas primeiras estrofes para o desespero e solenidade das últimas correponde também a uma alteração de projecção no futuro para o tempo presente, dominado pelo canto triunfal (péan) da morte. A alegria prenunciada nas primeiras fases da vida humana é ironicamente concretizada pelo júbilo dos seres necrófagos extra-terrenos (ghouls). O texto destaca, portanto uma ideia central na poesia de Poe: a morte e a dissolução no absurdo para que tende todo o universo material, conforme explicitado na cosmogonia de “Eureka” (1848), o poema-ensaio que Poe compôs também no fim da vida (recentemente editado em Portugal, pela “Coisas de Ler” ).
Na tradução, uma vez que a sonoridade evocada pela repetição de «sinos» difere bastante do inglês, «bells», foram tomadas algumas liberdades poéticas de compensação; aceitam-se sugestões; existe ainda, em português continental, a versão de A. Herculano de Carvalho publicada em Musa de Quatro Idiomas, Lisboa, Ática, 1947.
Últimos reparos: «rúnica rima» pretende equivaler a um encantamento ou sortilégio, aludindo aos usos mágicos e divinatórios das runas, o primeiro alfabeto dos povos nórdicos; «tintibulações» traduz o inglês «tintinnabulations», de origem incerta, mas cuja primeira utilização costuma ser atribuída pelos dicionários a Edgar Allan Poe.
Num post recente, Rui Baptista escreveu:
Uma menina dentuça mas nada gorducha que ganhou o concurso "A mais bela da freguesia", promovido pela Maxmen, acabou de confessar ao Goucha que se sentiu "muito concretizada" por aparecer seminua e em poses provocantes nas páginas da revista dirigida pelo Domingos Amaral. "Sara Silva, uma anónima que virou capa de revista", anuncia a TVI em rodapé. Goucha, naquele seu jeito "agarrem-me-se-não-eu-faço-uma-peixeirada-já-aqui" olhou nos olhos os telespectadores e disse: "Também você pode ficar famoso se tiver a força de vontade necessária". E os atributos físicos, já agora: pernas compridas, boca carnuda, belos seios (dois), cabeça oca (…).
Isto foi o que o Rui disse. Mas a verdade sobre “a mais bela da freguesia” é bem diferente. Na dita reportagem profusamente ilustrada que a Maxmen lhe dedicou (aqui no escritório somos assinantes), Sara Silva confessa, entre outras coisas extremamente interessantes, que o seu “maior talento é escrever poesia” (p. 58). Portanto, para além de modelo da Maxmen, a Sara Silva é poeta.
Ora, caro Rui, acha que uma “cabeça oca” tem talento para escrever poesia? Acha que o Manuel Alegre ou o Vasco Graça Moura, só para citar dois exemplos, são poetas conhecidos e famosos só porque têm “pernas compridas, boca carnuda, belos seios (dois)”?
Ai, ai, esses preconceitos, meu caro Rui.
Na gíria publicitária, um teaser é um anúncio destinado a atrair a atenção do consumidor sem revelar totalmente a oferta. É a velha estratégia de estimular essa coisa terrível que existe em todos nós e que se chama “curiosidade”.
Pois aqui vai um belíssimo teaser: hoje vamos publicar Edgar Allan Poe, em mais uma tradução inédita de Margarida Vale de Gato. E com uma ilustração de Filipe Abranches.
Aguardem só mais um pouco.
Rubrica "poetas açougueiros da história da literatura".
John Aubrey (1626-97), autor de uma colectânea de pequenas biografias dedicadas a figuras da vida pública e literária inglesa intitulada “Brief Lives”, garante que o pai de Shakespeare era açougueiro. E que quando Shakespeare era rapaz “exercia o ofício do pai, mas quando matava um vitelo, matava-o em estilo elevado e fazia um discurso”.
E ainda a propósito da arte de traduzir poesia, o Ruy Ventura ofereceu-nos este texto.
Traduzir um poema é escrever um poema novo?
Posiciono-me perante a tradução de poesia na qualidade de leitor e nunca como tradutor profissional que viaja permanentemente entre duas línguas. Interessam-me sobretudo as emoções e as experiências que recebo de uma construção poética. Há alguns anos que venho vivendo a comoção de um viajante que vai chegando a uma infinidade de mundos novos sempre que abre um bom livro de poemas. Hoje como ontem, vou seguindo por um caminho de amor em direcção às palavras – fazendo, quando é necessário, o transporte material para levar ao outro lado da fronteira linguística um pouco de maravilha, de pensamento, de angústia ou de reflexão.
Quando observamos o mundo interior e exterior que rodeia o nosso corpo, quando escrevemos o calor e o encanto, o horror e o desespero que esse mundo cria em nós, quando tentamos transpor para outra língua um poema que nos comoveu, nada mais fazemos do que uma leitura múltipla e irrepetível. Decompomos e recompomos o universo peculiar que nos rodeia, para criar neste mundo onde temos que habitar um pouco de beleza, ainda que estranha, dionisíaca e nocturna, difícil de compreender e de integrar nos alicerces da casa que habitamos.
Traduzir um poema é escrever um poema novo? Não sei responder a esta pergunta. Ninguém saberá talvez responder. É difícil raciocinar quando o objecto sobre o qual nos debruçamos foge de nós como areia entre as mãos.
Vladimir Nabokov, escritor bilingue que, como Fernando Pessoa, conheceu na vida o trabalho cimeiro da leitura – a tradução permanente –, indica num texto seu que somente a tradução literal é genuína, uma vez que apenas ela transmite rigorosamente o significado contextual do original. Desta forma, o leitor que traduz um poema apenas consegue fazê-lo quando procura uma fidelidade crescente que deseja completa. Caminha ao encontro de outra entidade: uma entidade dupla, corporal e verbal, que recebe no seu coração e tenta transmitir ao mundo com a máxima integridade. O tradutor despersonaliza-se. O tradutor sofre uma lenta mutação das suas células, a metamorfose do seu corpo total – ao realizar uma viagem total para que chegue sem mancha ao outro o objecto que guarda nas suas mãos. Para procurar comover o leitor do texto traduzido, como supõe que o poema original terá comovido os seus leitores ou os contemporâneos de sua criação, ou como emocionou o leitor que traduz.
Será isto possível? As dúvidas permanecem no pensamento. Tenho sempre na memória a certeza de que todas as palavras têm cinco sentidos e algumas contêm mesmo o infinito, como refere o Zohar. Quem poderá garantir que uma tradução é fiel ao original? É tão difícil quanto dizer com segurança que a leitura literária de um poema é fiel ao pensamento de quem o escreveu. O verbo poético engana, mente para criar uma verdade em cada leitor, uma verdade provisória e mutável. Noutra língua, o poema original é apenas um simulacro. O corpo pode ter a mesma estrutura, uma pele semelhante, mas os olhos e o cabelo têm já uma cor e um odor diferentes, os órgãos vitais trabalham de forma distinta, a melodia que produz modificou-se de forma inexorável.
Tudo se passa, suponho, como na literatura oral e tradicional, onde um texto original vai criando múltiplas versões, árvores diferentes que crescem da mesma raiz. Não creio que um poema bem traduzido seja um poema novo, separado do original. Tenho a convicção de que é um simulacro, uma representação desejada mas nunca concluída do objecto original.
Ruy Ventura
É hoje.
A sessão de lançamento do novo livro de poemas de Ruy Ventura, "Assim se deixa uma casa”, na Livraria Ler Devagar, às 19h00. Na mesma sessão, será apresentada a antologia do poeta e ensaísta espanhol Antonio Sáez Delgado (n. 1970), também traduzida para português por Ruy Ventura. Mais informações aqui.
Estão já abertas as inscrições para a 2ª edição do “Corta! Festival Internacional de Curtas Metragens do Porto”, que decorrerá nos dias 27, 28 e 29 de Maio de 2004, no Auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Palácio de Cristal, no Porto. Ao “Corta!” podem concorrer todos os filmes que não excedam os 15 minutos de duração, independentemente do tema ou género, desde que a data de produção seja posterior a Janeiro de 2002. O prazo limite de entrega de filmes para pré-selecção termina a 30 de Abril de 2004. Para mais informações e pedido de regulamento, contacte curtasmetragens@corta.com.pt
Rodrigo de Lima, nobre escritor minhoto, escreve no seu diário:
“Portugal é como a fachada de São Torcato, em Guimarães. Rachada de alto a baixo, ameaça ruína quase desde a construção. Entretanto, no interior do templo, vai sendo venerado um cadáver mumificado, com identidade muito duvidosa”.
À margem, aponta entretanto um velho provérbio: “Mulher doente, mulher para sempre”, certamente ouvido aos seus parentes nascidos nas serranias de S. Mamede.
Tenho a certeza de que muitos portugueses pensam como o ensaísta de Refóios. Eu próprio não ando longe das suas opiniões.
Ruy Ventura
Um poema de Juan Ramón Jiménez (1881-1958), numa tradução de Nicolau Saião. Trata-se de “A Viagem Derradeira”, retirado de “Poemas Agrestes”, livro editado em 1911.
Um dos grandes líricos do século há pouco findo. Autor de “Almas de violeta”, “Árias tristes”, “Platero e eu”…
Moguer, onde nasceu em 1881, assinala essa data desde 1996 com uma magnífica exposição de arte postal, entre outras manifestações de apreço. Morreu em Porto Rico, onde se exilara por razões de civismo democrático. Em 1956 foi-lhe atribuído o Prémio Nobel.
N.S.
A VIAGEM DERRADEIRA
…E partirei. E ficarão os pássaros
cantando;
e ficará o meu quintal, com a sua árvore verde
mais o seu poço branco.
O céu, todas as tardes estará azul e calmo;
e tocarão, como esta tarde estão tocando
os sinos do campanário.
Irão morrendo aqueles que me amaram;
e a cada ano se fará novo o meu povoado;
e no tal recanto do meu quintal florido e calado
o meu espírito vagueará, nostálgico…
Eu partirei; e ficarei só, sem lar, sem a árvore
verde, sem o poço branco
sem o céu azul e calmo…
E ficarão os pássaros cantando.
Tradução de Nicolau Saião.
Temos boas e más notícias.
Primeiro, as más, ou antes, as péssimas notícias: o Manuel Resende vai deixar de colaborar com a regularidade com que nos habituou. E as explicações estão no seu último post. De qualquer maneira, e tal como ele próprio sugere, não se trata de uma despedida. A sua colaboração vai continuar, embora a um ritmo diferente.
Agora, as boas notícias: a partir da próxima semana junta-se ao grupo de colaboradores permanentes deste blogue o Rui Lage. Para aqueles que passam habitualmente por estas páginas, o Rui dispensa apresentações. Para os que nos lêem pela primeira vez, sugiro que esperem pelos próximos dias. Vão ver que vale a pena.
Aproveitamos ainda esta oportunidade para agradecer, agradecer, agradecer e agradecer ao Manuel Resende, e desejar-lhe boa sorte na sua nova actividade. Isto é, na nobre actividade de traduzir árvores e sementes.
A emissão segue dentro de momentos.
Como alguém deve ter reparado, tem-se feito escassa a minha colaboração neste blogue. Tal deve-se, não a um rapto por extra-terrestres, mas à simples circunstância de que estou a preparar-me para me deslocar para sítio incógnito, longe da civilização e da internet de alto débito.
Por um período cuja duração desconheço, estarei bastante inacessível e, por essa razão, não poderei "postar" regularmente. Não é que tenha perdido o interesse pela blogosfera, nem pelo Quartzo, simpática morada onde me acoitaram os três generosos proprietários. Esse acolhimento permitiu-me ainda descobrir a Janela Indiscreta, o Alexandre Andrade do Kleist, a Insensatez, a Seta Despedida, o Luntz do Quase em Português e ainda outros (ah o Rui Almeida, etc.). Mas a verdade é que a fractura informática (como se diz em França) continua a dividir a nossa sociedade, onde, à parte Lisboa e o litoral, os benefícios da chamada civilização têm renitência em mostrar-se;
Possivelmente, poderei enviar um ou outro post, quando descer à civilização. Entretanto, vou fazer experiências com as plantas. Do que darei eventualmente notícia (isto é, se as experiências correrem bem; se não, moita).
Adeus, até ao meu regresso. Continuem a divertir-se por aqui. Abraços para amigos, amigas, conhecidos e primas.
Manel
Craig Eisendrath, do “Baltimore Sun”, perguntou a um grupo de escritores, críticos, colunistas e outros ilustres representantes da fauna literária americana, qual o livro que, na sua opinião, nunca deveria ter sido escrito. Como seria de esperar, a maioria dos entrevistados tende para o óbvio: Mein Kampf, de Adolf Hitler.
De qualquer maneira, há algumas respostas mais ou menos inspiradas que vale a pena ler. Dan Rodricks, por exemplo, responde assim: Perhaps Tolstoy's huge literary masterpiece, War and Peace, should never have been published because it forces us to spend our whole adult lives feeling guilty about not having read it.
Não existe outra editora no mundo como a Blue Note. Uma parte muito substancial dos discos maiores da história do jazz foram editados por esta etiqueta norte-americana. Mas a sua enorme influência ultrapassa em muito as fronteiras da música. A Blue Note revolucionou por completo a maneira como olhamos para um disco, transformando-o num objecto de arte “per si”. E tudo começou há sensivelmente seis décadas com o trabalho do designer Reid Miles. E tudo isto está detalhada e soberbamente compilado no “Blue Note: Album Cover Art”. Se há uma bíblia do jazz, ela está aqui.
Raul Silva
A LESTE DO PARAÍSO.
Ando cada vez mais atarantado. E o caso não é para menos…
Ao fazer um zapping fortuito no televisor, anteontem, dei com a locutora Manuela Guedes da TVI a referir em altos brados, num estilo de quem anuncia a terceira ou quarta guerra mundial…que dois cidadãos complementares - um homem e uma mulher - tinham sido inadvertidamente apanhados a praticar sexo oral (como se usa dizer com galhardo pudor), numa dependência duma escola.
A reportagem colhia declarações de rapaziada inocente (ou seja, presumo, daquela inocência que aprende que dois e dois são quatro e os bebés vêm de Paris ou mesmo do Corte Inglês). E tudo com um ar de apocalipse, de fim dos tempos (ou do noticiário).
Mas isto tudo por um simples “fellatio” (como diz no dicionário do Wendt) praticado a desoras numa dependência onde a porta ficara mal fechada?
Por isto se mobiliza a atenção padreca dum país, como se aquele homem e aquela mulher fossem criminosos primários?
Uma aluna, interrogada pelo repórter, dizia não saber bem o que se passara, mas que vira uma contínua a chorar… (A qual mais o colega na certa irá p’rá rua, para dar lugar a uma outra sem oralidades).
A rapaziada da escola, esfuziante, não parecia (que embirração!) nada traumatizada. E os tremendos criminosos teriam já sido chamados ao conselho directivo.
Com o que, vão por mim: “fellatios” só num quarto trancado a rigor. Ou na solidão absoluta dum escritório bem aferrolhado, no remanso duma sacristia bem fechada, num campo realmente desértico…
Nesta nação, moralizada pelos ministérios e bem informada pela TVI, verão que irá tudo pelo melhor.
Ou quase.
Nicolau Saião
É já no próximo dia 8 de Março, segunda-feira, o lançamento do novo livro de poemas de Ruy Ventura, estimado colaborador deste blogue, na livraria Ler Devagar (Rua de S. Boaventura, nº 115, ao Bairro Alto). O livro intitula-se “Assim se deixa uma casa” e é uma edição da Alma Azul.
Na mesma ocasião será lançado “Dias, Fumo”, antologia do poeta e ensaísta espanhol Antonio Sáez Delgado (n. 1970), traduzida para português por Ruy Ventura e editada também pela Alma Azul. Ambos os livros serão apresentados por José Luís Peixoto.
Deste último, apresentamos hoje, em pre-publicação, um breve texto.
O dia entona a sua última canção, o latejar final da tarde espera-nos. A tua voz passeia entre sombras, chegada de um tempo que arrasta sacos de areia e os despeja na memória. Pensas no desejo que noutras vezes alentou a tua vida, e que cobre agora toda a habitação com suas velhas mantas remendadas, como um vagabundo que dormita sobre um montão de escombros. Sei-o. O tempo tudo devasta. É em vão este empenho de passar em cada dia por uma paisagem de casas desoladas como animais feridos. Sei-o. O ruído da nostalgia torna-se insuportável. Caminho de uma estação à outra do inferno.
Antonio Sáez Delgado, “Dias, Fumo”. Tradução de Ruy Ventura.
Havia ainda quem se lembrasse de Gazda Ristan, esse velho robusto, decoroso, de olhos frios e punhos cerrados que vivera exclusivamente para a sua fortuna e a sua fama, mas que fora principalmente tido como um unhas de fome. Se alguém lhe pedia alguma coisa em nome de uma velha amizade, respondia "que espécie de amigo és tu, afinal? Só aquele que não me exige nada é deveras meu amigo". Ele próprio ia todos os dias ao mercado fazer as compras para a casa. E tinha menos orgulho no seu vasto negócio do que no facto de saber comprar, na praça, boa mercadoria por pouco dinheiro e de nenhum lavrador ou cidadão ter a coragem de o intrujar. Para comprar ovos levava consigo um anel de ferro que representava a medida mínima da circunferência de um ovo, e rejeitava qualquer ovo que passasse por aquele anel. Ao verem-no remexer no cesto de ovos dos lavradores, os vendedores apontavam cheios de consideração, aquele homem velho, áspero e imperturbável, e diziam aos seus filhos ou aprendizes: "Vês, é assim que se faz fortuna, é assim que se consegue ter uma casa própria."
Ivo Andric, A Velha Menina, Livros do Brasil, 2003.
Tradução de Ilse Losa e Manuela Delgado.
No Brasil, há um deputado que pretende ver aprovada uma proposta de lei da sua autoria destinada a apoiar quem quer deixar de ser homossexual. Não, não se trata de uma brincadeira. Mais pormenores, aqui.
Poetry written today is something of a dodge, like selling expensive plastic toys to patrons of al fresco wine bars. Pretty to look at, but on closer inspection they fall apart in the same way Yeats said things would: "The best lack all conviction, while the worst are full of passionate intensity."
Numa entrevista ao New Straits Times, o poeta Clive James oferece uma perspectiva muito interessante sobre o Estado da Criação. Aqui.
Tenho estado calado a tentar recordar-me de um post que me ocorreu ontem. Mas, por mais voltas que dê à memória, não consigo lembrar-me do que se tratava.
“Não há ‘world press photo’ que valha certos poemas”, disse-me este sábado o Mário Santos, que é o mesmo que dizer “quatro versos valem mais do que mil imagens”.
Apenas um exemplo.
EPITÁFIO DE UM COZINHEIRO
Como o mundo em geral anda sempre às avessas!
Aqui um cozinheiro seu descanso encontrou,
Que em vida muitos e bons pratos cozinhou.
Comem-no agora os vermes – cru e sem travessas!
Martin Opitz (Alemanha, 1597-1639)
Tradução de João Barrento. In “O Cardo e a Rosa”, Assírio & Alvim, 2002.
Porque vi os Óscares na TVI até ao fim.
1ª razão: esperava que no final desse um episódio dos “Morangos com açúcar”.
2ª razão: esperava que nos intervalos dessem mais episódios dos “Morangos com açúcar”.
E ainda mais duas justíssimas razões, pelo irmão de Caim.
Ruy Belo. Um poema de "Toda a Terra", livro de 1976. Uma sugestão do nosso leitor Mesquita Alves.
UMA FORMA DE ME DESPEDIR
Nos finais de setembro quando eu partir
de uma cidade seja ela qual for
quando eu pressentir que alguém morre
que alguma coisa fica para sempre nos dias
e ou nuns olhos ou numa água
num pouco de água ou em muita água
onda do mar lágrima ou brilho do olhar
eu recear seriamente vir-me a submergir
direi alto ou baixo conforme puder
com a boca toda ou já a custar-me a engolir
as palavras mar ou mulher
com certo vagar e cada vez mais devagar
mulher mar
depois quase já só a pensar
o mar a mulher
Não sei mas será
talvez mais que outra coisa qualquer
uma forma de me despedir.
Autonomia ou impunidade?
Um professor, com mestrado e largo currículo, é despedido do lugar que ocupava numa instituição de Ensino Superior público; em seu lugar fica uma colega apenas com licenciatura, mestranda adiada e sem currículo que se aprecie. A instituição justifica o procedimento dizendo que esta lecciona disciplinas “carenciadas”, tão carenciadas que serão extintas em breve… Numa Universidade há um docente que dá aulas pelo telemóvel. Isto é, põe os alunos a trabalhar, vai para o café ou para onde lhe dá na real gana, enquanto o contribuinte lhe paga o vencimento… Outro professor, numa Universidade pública, lecciona, na cadeira de Cultura Portuguesa dum mestrado, apenas literatura norte-americana… Outro ainda sumaria aulas que não deu, com matérias que nem sequer fazem parte do programa da disciplina… O professor de um Instituto Superior é ofendido gravemente por uma aluna; a instituição em que lecciona não o defende e nem sequer responde ao requerimento em que solicita a abertura de um processo disciplinar; teimando ver a lei cumprida, é ameaçado pelo presidente da instituição, sendo despedido pouco tempo depois…
Estes são apenas alguns exemplos de factos infelizmente corriqueiros no nosso sistema de Ensino Superior.
Umberto Eco conta no seu romance “Baudolino” que a autonomia do Ensino Superior foi inventada por Frederico Barba-Ruiva para mais facilmente ver reconhecido o seu domínio político sobre a Itália.
Não sei que motivos levaram o poder político português a institucionalizar a autonomia do Ensino Superior que temos. A prática observável em muitas instituições vai enevoando os exemplos de boa conduta existentes em várias Universidades e Institutos deste país. Parece mostrar-nos que a autonomia serve apenas um objectivo: camuflar desmandos, justificar o caciquismo e a corrupção, consagrar a mediocridade que alimenta a estupidez, alimentar a sede de poder de gente sem escrúpulos.
Ruy Ventura
Es quizás el país del mundo donde más gusta escuchar poesía. No donde más se lee ni donde más se compran textos poéticos. En Colombia se escribe mucho y bueno y se oye a los poetas más y mejor.
Entre 1924 e 1926, Oliverio Girondo (Argentina, 1891-1967) publicou na revista Martín Fierro, da qual era director, um conjunto de aforismos sob o título de Membretes (Lembretes). Estes são alguns exemplos que eu tentei traduzir.
Está agendado para Março o lançamento de “Louvada Seja Axion Esti” de Odysseus Elytis. A editora é a Assírio & Alvim. Adivinhem de quem é a tradução.
O repórter Cristiano Pereira, do Jornal de Notícias, foi assistir ao concerto de uma famosa banda rock norte-americana, no Pavilhão Atlântico, e veio indignadíssimo com a decisão do grupo de proibir o consumo de bebidas alcoólicas dentro do recinto do espectáculo. A prosa é deliciosa. Eis alguns dos melhores momentos:
Tal como na sua anterior passagem por cá, os Limp Bizkit voltaram a impor a proibição de venda de álcool no concerto.
Ora, semelhante atitude castradora configura, logo à partida, uma certa presunção ("Vejam só: a nossa música é de tal forma intensa que, se misturada com cerveja, pode ser explosiva"). Assim como também denota um certo moralismo "americanoide" que, pelos vistos, tenta educar as tribos deste lado do Atlântico, impondo uma "lei seca".
Tal atentado à liberdade de cada um depara-se-nos absolutamente ridículo, absurdo e despropositado. Compreende-se que se proíba a venda de álcool a menores ou pré-adolescentes. Mas já não se aceita de bom grado que meia-dúzia de americanos aterrem neste país de ricas tradições vinícolas e que, dentro das nossas fronteiras - isto é, em nossa casa! -, nos castrem a liberdade de bebermos o que muito bem entendermos.
Sejamos realistas: tal como um carro precisa de combustível para circular, também o rock necessita de cerveja para se mover - e quem advogar o contrário é candidato à sacristia.
O rock e a cerveja são dois elementos inseparáveis: não podem, ou não devem, ser afastados porque se complementam mutuamente.
Até porque o acto de ouvir umas malhas de guitarra não se coaduna com a ingestão de biscoitos e leite de vaca...
Realmente, que falta de chá…