11.3.04

A Dor

Ferido. Magoado. Paf, como se tivesse levado um murro na fronha. Mais que isso: uma facada nas tripas, a navalhada junto do coração. Antes mesmo de me levantar, acendo o rádio e como pela medida grande: na minha querida Madrid, na estação de Atocha onde desci do combóio há pouco mais de 15 dias. No combóio de Alcalá de Henares, onde nas férias passadas estive com o Juan Pedro Moro vindo de Londres, a destroçar saudades, atirando a terra tapas e couves recheadas, tudo com o bom vinho do Casado que eu levara como um dispendioso frascão de incenso. Perto da Porta do Sol, perto do Rainha Sofia, onde levei a minha neta para, com seis anos, começar a ver a verdadeira vida dos pintores, da pintura. Aí a duzentos metros do cafézinho onde me repimpo com um ar de beatitude. Perto dos lugares que ensinei os meus a amarem e percorrerem.
Quantas daquelas pessoas (estudantes, mangas-de-alpaca, marçanos, operários disto e daquilo) se teriam cruzado comigo, ombro a ombro no trem? Gentinha de ver na rua...
Magoado. Como se um pássaro bisnau me tivesse ido ao trombil. Com as lágrimas nos olhos, sim. Que raio de vida!
Três bombas. Em cheio no coração da manhã. Na minha amada Madrid. Triste até mais não. Como se me tivessem rasgado os livros de poemas. Me tivessem feito em cima, espezinhado a valer.
Três bombas. Apenas. O que foi, raios parta isto, como um mundo de desolação.


Nicolau Saião