4.3.04

Post Scriptum #163

Havia ainda quem se lembrasse de Gazda Ristan, esse velho robusto, decoroso, de olhos frios e punhos cerrados que vivera exclusivamente para a sua fortuna e a sua fama, mas que fora principalmente tido como um unhas de fome. Se alguém lhe pedia alguma coisa em nome de uma velha amizade, respondia "que espécie de amigo és tu, afinal? Só aquele que não me exige nada é deveras meu amigo". Ele próprio ia todos os dias ao mercado fazer as compras para a casa. E tinha menos orgulho no seu vasto negócio do que no facto de saber comprar, na praça, boa mercadoria por pouco dinheiro e de nenhum lavrador ou cidadão ter a coragem de o intrujar. Para comprar ovos levava consigo um anel de ferro que representava a medida mínima da circunferência de um ovo, e rejeitava qualquer ovo que passasse por aquele anel. Ao verem-no remexer no cesto de ovos dos lavradores, os vendedores apontavam cheios de consideração, aquele homem velho, áspero e imperturbável, e diziam aos seus filhos ou aprendizes: "Vês, é assim que se faz fortuna, é assim que se consegue ter uma casa própria."

Ivo Andric, A Velha Menina, Livros do Brasil, 2003.
Tradução de Ilse Losa e Manuela Delgado.