29.3.04

Umbigo #18

O meu amigo Jagodes

Será preciso apresentar-vos o meu confrade José Jagodes? Creio que seria estultícia – como usa dizer o prof. Pamplinas Miragaia – ter tal procedimento.
Pois quem não conhece o famoso José Jagodes? O intelectual brilhante mas modesto, o aventureiro epicurista, o pensador profundo e o conhecido polemista - já terçando lanças com Edmundo Prates Carmelo, Sousa Trindade ou Perneco Ferreira, já trocando farpas com o até à altura imbatível Ronaldo da Silva, o único luso comentador que conseguiu, num lance famoso, polemizar consigo mesmo ao espelho mas que no confronto com o Dr. Jagodes teve de se calar pela primeira vez, enfiado e tartamudeando.
Foi, com efeito, esta personalidade ímpar que me remeteu da sua casa de Linda-a-Velha uma carta que vos vou confiar com todo o gosto:
“Caro amigo: Já disseste, e talvez com razão, que algumas das palavras que te tenho escrito provavelmente ajudarão a fazer a “pequena história” desta região chamada Portugal e do muito povo que nela reside e mesmo vive. Por isso, aqui vai um novo esboço...
Tu sabes, meu maroto, como eu sou respeitador das leis, dos costumes, dos bons hábitos tradicionais – principalmente quando me encontro no alto dos Pirinéus, no deserto do Kalahari ou na Antártida. Mas bem: sou o que se costuma chamar um bezerrão, pois não me meto com ninguém, pago os impostos regularmente e nem digo que o…tu sabes, é um canastrão de trinta diabos. No entanto, há dias fiquei zonzo, estupefacto, mal disposto, acanaviado, mesmo furioso e com vontade de largar um petardo nesta geringonça.
Então não foi o caso que me disseram, nos jornais e nos demais órgãos de lavagem ao bestunto nacional, que um muito digno senhor acompanhado de outro senhor mui digno tinha visto o processo em que estava enredado prescrever depois de nove (nove!) anos de demoras processuais? Ponho-me, não to nego, branco com a fúria! Demoras processuais? Porque não dar-lhe o seu vero nome: cumplicidade na desculpabilização? Porque não referir, com o direito que a Constituição nos garante, que os sujeitos que tinham a ver com este caso simplesmente se bandearam misticamente com os outros para que (alegadamente, como se diz com doce prudência) eles pudessem ter rapinado à vontadinha?
Então não há um organismo para aquilatar da competência ou do desleixo destes protagonistas do cancro que está a destruir a Nação?”.
Li e engoli em seco. Decerto como todos vós.
Tenho de ter cuidado nestes meus contactos com o Jagodes. Até pode calhar que ele tenha razão no que diz. Mas…confesso que me começo a preocupar: qualquer dia o meu amigo vai dentro e eu não quero ser arrolado de embrulho, ainda tenho muito que fazer. Vou ser prudente. Mesmo que me chamem um bocadinho medroso, quero lá saber! É que numa terra como a nossa, de gente de categoria, todo o cuidado é pouco.
E, francamente, se queremos boas leis podemos ir com o Jagodes para a Antártida. Ou para o cume dos Pirinéus. Ou, mesmo, para o deserto do Kalahari, rincão onde não há água ou viçosa vegetação mas onde os processos não costumam demorar a deslindar-se docemente nove arrastados anos.


Nicolau Saião