28.2.05

Presumível neta de Carlos Cruz já está a jogar à defesa

Raquel Cruz tem uma página dominical no "24 horas". Este domingo, na página 46 do tablóide, rebela-se moderadamente contra a suposta "caixa" do "Correio da Manhã", que sabe qual o sexo do futuro neto ou da futura neta de Carlos Cruz, rebento de Marta. Para o "CM" é fêmea.
Diz a Raquel: "(...) É que em todos os examos ecográficos feitos até hoje não foi possível determinar o sexo da criança, pela simples razão de que o pequeno ser aparece sempre... de pernas cruzadas (...)".
Há duas explicações possíveis:
a) a miúda é sempre apanhada depois das refeições e está de perna cruzada a ler o jornal, a tomar a "bica" e a fumar um cigarrinho.
b) A miúda tem seguido com toda a atenção o processo da pedofilia e resolveu não arriscar nada.

Luís Graça

Mallarmé por Degas.



Retrato de Stéphane Mallarmé por Edgar Degas, 1876.

Carta de Mallarmé a Verlaine

Como a Margarida Vale de Gato anda às voltas com o Mallarmé, segundo me disse um passarinho, aí vai a carta do Mallarmé ao Verlaine. Também pode ser para o Rui Lage, pois anda interessado nessa época ("decadente", que o Mallarmé dizia "de transição")

Paris, segunda-feira, 16 de Novembro de 1885

Caro Verlaine:

Atrasei-me a responder-lhe, porque andei à procura daquilo que, da obra inédita de Villiers, havia emprestado a este e aquele, sei lá a quem. Junto lhe envio o quase nada que possuo.

Mas, informações precisas sobre esse querido e velho fugaz, não as tenho: até o endereço ignoro; as nossas duas mãos lá se vão encontrando à esquina, todos os anos, como se na véspera se tivessem descumprimentado, porque existe um Deus. Tirando isso, será pontual aos encontros, e, no dia em que, para os Hommes d'Aujourd'hui ou também para os Poëtes Maudits, sentindo-se melhor, você queira encontrá-lo na casa do Vanier, com quem ele se prepara para negociar a publicação de Axël, não tenha dúvida, que eu conheço-o, não tenha dúvida que há-de estar lá à hora marcada. Literariamente, não há mais pontual do que ele: portanto Vanier é que há-de começar por conseguir a morada dele, do Sr. Darzens, que, até agora, o tem representado junto desse gracioso editor.

Se tudo isto falhar, um dia, uma quarta-feira, por exemplo, irei ter consigo à tardinha; e, palavra puxa palavra, hão-de vir-nos à ideia, a ambos, certos pormenores biográficos que hoje me escapam; não a conservatória, por exemplo, datas, etc., que só o nosso homem conhece.

Passo a tratar da minha pessoa.

Sim, nasci em Paris, a 18 de Março de 1842, na rua que hoje chamam Passage Laferrière. As minhas famílias paterna e materna apresentavam, desde a Revolução, uma série ininterrupta de funcionários da Administração do Registo; e, embora quase sempre tenham ocupado nela altos postos, fugi a essa carreira para que me tinham destinado desde que nasci. Em vários dos meus ascendentes venho a encontrar rasto do gosto de pegar na pena para registar coisas que não autos: um deles, antes da criação do Registo, certamente, foi síndico dos livreiros no reino de Luís XVI, e o nome dele surgiu-me no rodapé do Privilégio Real no frontispício da edição original francesa do Vathek de Beckford, que reimprimi. Outro deles escrevia versos brejeiros nos Almanaques das Musas e nos Folares das Damas. Era eu menino, conheci, no velho interior familiar de burguesia parisiense, o Sr. Magnien, um primo em terceira linha, que publicara um volume romântico desenfreado chamado Anjo ou Demónio, o qual por vezes ressurge com alta cotação nos catálogos de alfarrabistas que me mandam.

Dizia eu há pouco família parisiense, porque sempre morámos em Paris; mas as origens são borgonhesas, lorenas e até holandesas.

Era ainda muito pequeno, aos sete anos, perdi minha mãe, pessoa que era adorada pela minha avó, que foi quem primeiro me criou: depois, passei por muitas pensões e liceus, de alma lamartiniana com um secreto desejo de vir a substituir Béranger, por um dia o ter encontrado em casa de amigos. Parece que era muito complicado pôr tal projecto em prática, mas foi o que tentei fazer em cem pequenos cadernos de versos que sempre me foram confiscados, se tenho boa memória.

Como sabe, quando entrei na vida, esta não se prestava a que um poeta vivesse da sua arte, mesmo baixando-a uns furos, coisa que nunca lamentei. Tendo aprendido o inglês apenas para melhor ler Poe, parti aos vinte anos para Inglaterra, no fito de fugir, sobretudo; mas também para falar a língua, e ensiná-la num canto qualquer, tranquilo e sem outro ganha-pão forçado: casara-me e havia urgência.

Hoje, passados vinte anos e apesar de ter perdido tantas horas, creio, com tristeza, que fiz bem.

É que, para além dos nacos de prosa e dos versos da juventude e do que em eco se lhes seguiu e publiquei um pouco a esmo logo que surgiam os primeiros números duma Revista Literária, sempre sonhei e tentei outra coisa, com uma paciência de alquimista, pronto a sacrificar toda a vaidade e toda a satisfação, como antigamente as pessoas queimavam os móveis e as vigas do lar, para alimentar o forno da Grande Obra. O quê? é difícil dizer: um livro, pura e simplesmente, em tomos muitos, um livro que seja um livro, arquitectónico e premeditado, e não uma recollha das inspirações do acaso, mesmo que maravilhosas. Vou mais longe, vou dizer: o Livro, persuadido que no fundo só há um, tentado sem saber por quem quer que tenha escrito, até os Génios. A explicação órfica da Terra, que é o único dever do poeta e o jogo literário por excelência: é que o ritmo mesmo do livro, torna-se então impessoal e vivo, até na paginação, justapõe-se às equações desse sonho, ou Ode.

Eis pois, caro amigo, confessado, desnudado, o meu vício, que, de espírito machucado ou lasso, mil vezes rejeitei, mas que me possui -- e hei-de talvez conseguir; não fazer essa obra no seu todo (para isso, teria que ser sei lá quem!) mas mostrar um seu fragmento executado, fazer-lhe cintilar por um lugar a autenticidade gloriosa, indicando tudo o resto para o qual uma vida não basta. Provar pelas porções feitas que esse livro existe, e que conheci o que não poderei consumar.

Nada de tão simples pois que não tenha tido pressa de recolher os mil fragmentos conhecidos, que, de tempos a tempos, concitaram a benevolência de encantadores e excelentes espíritos, a começar por si! Tudo isso, para mim , não tinha outro valor momentâneo que não fosse manter a mão treinada: e por melhor que me tivesse saído por vezes um dos [pedaços?], todos juntos mal comporiam um álbum, nunca um livro. É, porém, possível que o Editor Vanier me arranque esses farrapos; mas limitar-me-ei a colá-los nas páginas como se faz a uma colecção de trapos de tecidos seculares ou preciosos. Com essa palavra condenatória de Álbum, no título, Álbum de versos e de prosa, sei lá; e a coisa conterá várias séries, poderá até continuar indefinidamente (lado a lado com o meu trabalho pessoal que, creio, será anónimo, pois o Texto nele falará por si e sem voz de autor).

Esses versos, esses poemas em prosa podem ser encontrados, não só nas Revistas Literárias, mas também, ou não, em Publicações de Luxo, esgotadas, como, por exemplo o Vathek, o Corbeau, o Faune.

Em momentos de embaraço ou para comprar ruinosos botes, tive que efectuar certas obras asseadas, sem mais nada (Dieux Antiques, Mots Anglais), de que cabe não falar: mas, tirando isso, as concessões às necessidades ou aos prazeres não foram frequentes. Minto, houve uma altura, em que, desesperando do despótico livro solto de Mim-mesmo, e após uns artigos à esquerda e à direita, tentei redigir sozinho, incluindo as toilettes, as jóias, as mobílias, e até os treatros e as ementas de jantar, um periódico, La Dernière Mode, do qual saíram oito ou dez números que me ajudam ainda a sonhar longamente quando os dispo da poeira.

No fundo considero a época contemporânea como um interregno para o poeta, que não tem que se lhe misturar: há nela demasiado mofo e demasiada efervescência preparatória, para que ele tenha mais que fazer do que trabalhar com mistério com os olhos postos em mais tarde ou nunca e, de tempos a tempos, enviar aos vivos o seu cartão de visita, estâncias ou soneto, para não ser lapidado por eles, se o suspeitarem de saber que eles não têm curso.

A solidão acompanha necessariamente esta espécie de atitude; e, tirando o caminho de minha casa (agora no n° 89 da rue de Rome) para os diversos sítios a que tenho devido a dízima dos meus minutos, Liceus Condorcet e Janson de Sailly e, por fim, Collège Rollin, de pouco me ocupo, preferindo a tudo ficar num apartamento defendido pela família, acolhido entre alguns móveis antigos e caros, com a folha de papel bastantes vezes em branco. As minhas grandes amizades têm sido as de Villiers, de Mendès e, faz já dez anos, tenho visto todos os dias o meu caro Manet, cuja ausência hoje me parece inverosímel! Os seus Poetas Malditos, caro Verlaine, e A Rebours de Huysmans, despertaram interesse pelas minhas terças-feiras, tantas vezes vazias, entre os jovens poetas que nos amam (mallarmistas à parte) e houve quem acreditasse em alguma influência tentada por mim, quando o que houve foram encontros. Muito afinado, estava com dez anos de avanço no sítio a que jovens espíritos como eles haveriam de vir a acorrer hoje.

Eis toda a minha vida despida de anedotas, ao invés do que há tanto tempo vêm a repetir os grandes jornais, onde sempre tenho passado por muito estranho: perscruto e não vejo mais nada, salvo as maçadas do dia-a-dia, as alegrias, os lutos de interior. Algumas aparições sempre que há um ballet, ou um concerto de órgão, duas paixões de arte quase contraditórias, mas cujo sentido há-de deflagrar, e é tudo. Já me ia esquecendo das fugas que, sempre que me invade demasiado cansaço, faço às margens do Sena e da floresta de Fontainebleau, num lugar sempre o mesmo desde há anos: ali surjo-me totalmente diverso, exclusivamente entregue à navegação fluvial. Honro o rio, que deixa a gente entranhar-se na sua água por dias inteiros sem ter a impressão de os ter perdido, nem uma sombra de remorso. Simples viandante em yoles de mogno, mas velejador com fúria, muito orgulhoso da sua frota.

Até à vista, caro amigo. Há-de ler tudo isto, anotado a lápis para dar o ar duma dessas boas conversas entre amigos, reservada e sem alarido, há-de percorrê-lo com a ponta do olhar e encontrar, disseminados, alguns pormenores biográficos a escolher que é preciso ter visto verídicos em algum sítio. Como me aflige sabê-lo doente e de reumatismos! Sei o que isso é. Seja parco com o salicilato, e só dado por um bom médico, pois o assunto dose é muito importante.

Tive há tempos um cansaço e uma como que lacuna do espírito, depois de tomar essa droga; e a ela atribuo as minhas insónias. Mas irei vê-lo um destes dias e dizer-lhe isso mesmo, levando-lhe um soneto e uma página de prosa que vou confeccionar proximamente, em sua intenção, alguma coisa que caiba onde você o meta. Pode começar sem esses dois bibelots. Até à vista, caro Verlaine. A sua mão.

STÉPHANE MALLARMÉ
O pacote de Villiers está no porteiro: escusado será dizer que lhe quero como às meninas dos meus olhos! São coisas que já não se encontram em sítio nenhum: quanto aos Contes Cruels, Vanier lhos arranjará, Axël está publicado na Jeune France e Ève future na Vie

Diz-se que Kafka era assaltado por terríveis crises de riso sempre que, entre amigos, lia em voz alta passagens de "O Processo". Nessa altura, a literatura tremeu e esteve mesmo para acabar. E a verdade é que só não fechou as portas de vez porque havia um tipo que tinha uma cópia da chave. Chamava-se Robert Walser.

Daquilo que se apalpa

Penso que passo portas e quartos/ E há sempre outra porta e outro quarto*

* Resende, 2004.

Cantemos.

Este também não está mau

"Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha."

[Princípio de "Menina e Moça", Bernardim Ribeiro]

Moda

Certa manhã, depois de almoçar, Colomba saiu por um instante e, em vez de voltar com um livro e papel, apareceu com o seu mezzaro na cabeça. O seu ar era ainda mais sério que de costume.
- Meu irmão - disse ela -, vou pedir-te que saias comigo.
- Aonde queres que te acompanhe? - perguntou Orso, ofercendo-lhe o braço.
- Não tenho necessidade do teu braço, meu irmão, mas toma o teu fuzil e os teus cartuchos. Um homem nunca deve sair sem armas.
- Bem, bem! É preciso conformar-se com a moda. Aonde vamos?

Prosper Mérimée, Colomba.

Mar Adentro



Marejaram-se-me os olhos de brumas galegas. Pelo meio do mar, pelo corte da névoa, pelos corpos inertes. O sabor do som de Carlos Nuñez a percorrer as veias, o rosto de Bardem a fixar-me em grandes planos que nunca acabam mais. E têm apenas o tempo exacto.
Entre as terras do Boiro, a Corunha e Barcelona. Num voo de águia sonhado. Um corpo a voar como Mary Poppins. Um sonho de morte que não é consentida.
Ainda e sempre a arte de Bardem. A viver o papel em busca da morte. Bardem tão diferente de "Los lunes al sol", de "As Idades de Lulu", de "Jamón, Jámon", de "Huevos de Oro".
Bardem (Ramón Sampedro) em luta por uma morte digna, contra tudo e todos. A família que o ama, as mulheres que se aproximam, a Igreja que se opõe, a Justiça que não tem leis suficientes.
Almenábar faz o que é preciso. Filma com uma veracidade inatacável. Dispõe de um extraordinário "casting". Documentário? Um tanto. Drama? Um tanto. Filme-tese? Sem dúvida.
É impossível não estarmos na cama ao lado de Bardem, é impossível não voarmos com ele sobre as águas galegas. Mas Almenábar preocupa-se em dar voz a todos.
"Mar Adentro" é uma luta corpo-a-corpo com os nossos medos, com a D. Ceifeira que nos espera à esquina, a afiar o gadanho. Mas não deixa de ser um filme com duas horas de uma intensa ternura. Nunca os olhares foram tão intensos como neste filme. Nunca os sorrisos chegaram tão perto do espectador. Almenábar consegue encher o ecrã com dois rostos colados sem nos sentirmos invasores.
A Galiza toca-nos no ombro com o seu fatalismo, a sua teimosia, as suas chuvas de Junho, as brumas da desgraça a bater à porta. E uma perturbadora beleza natural. Um elfo céltico a tocar gaita-de-foles. Um trevo verde de esperança. E quando se acaba a esperança?
Quando o coração está todo ocupado pelo sofrimento?
Resta a dignidade.
Tomem fôlego e vejam.

Luís Graça

26.2.05

Como é bom ter princípios

Adoro este princípio:

"Foi no domingo de Páscoa que se soube em Leiria, que o pároco da Sé, José Miguéis, tinha morrido de madrugada com uma apoplexia. O pároco era um homem sangüíneo e nutrido, que passava entre o clero diocesano pelo comilão dos comilões. Contavam-se histórias singulares da sua voracidade. O Carlos da Botica - que o detestava - costumava dizer, sempre que o via sair depois da sesta, com a face afogueada de sangue, muito enfartado:

- Lá vai a jibóia esmoer. Um dia estoura!

Com efeito estourou, depois de uma ceia de peixe - à hora em que defronte, na casa do doutor Godinho que fazia anos, se polcava com alarido. Ninguém o lamentou, e foi pouca gente ao seu enterro. Em geral não era estimado. Era um aldeão; tinha os modos e os pulsos de um cavador, a voz rouca, cabelos nos ouvidos, palavras muito rudes.

Nunca fora querido das devotas; arrotava no confessionário, e, tendo vivido sempre em freguesias da aldeia ou da serra, não compreendia certas sensibilidades requintadas da devoção: perdera por isso, logo ao princípio, quase todas as confessadas, que tinham passado para o polido padre Gusmão, tão cheio de lábia!

E quando as beatas, que lhe eram fiéis, lhe iam falar de escrúpulos de visões, José Miguéis escandalizava-as, rosnando:

- Ora histórias, santinha! Peça juízo a Deus! Mais miolo na bola!

As exagerações dos jejuns sobretudo irritavam-no:

- Coma-lhe e beba-lhe, costumava gritar, coma-lhe e beba-lhe, criatura!

Era miguelista - e os partidos liberais, as suas opiniões, os seus jornais enchiam-no duma cólera irracionável:

- Cacete! cacete! exclamava, meneando o seu enorme guarda-sol vermelho."

[Princípio do "Crime do Padre Amaro", de Eça de Queiroz]

25.2.05

Sepúlveda bate recorde de Cavaco



Lisboa, El Corte Inglés, quarta-feira, 18 horas e 30 minutos. Centenas de pessoas estão já na bicha para os autógrafos com Luís Sepúlveda. Os livros vendem-se à velocidade da luz. Há leitores com quatro e cinco livros na mão.
O chileno bateu o recorde do Professor Cavaco. As suas bichas de leitores são ainda maiores do que as que o Professor Cavaco originou. Vêm da mesa até à zona dos discos, num curioso Z, que não de Zorro. São centenas de pessoas. A média de espera é de duas horas, a bicha tem mais de cem metros de comprimento. Homens, mulheres e crianças, de todos os escalões etários e, presume-se, filiações clubísticas, religiosas, políticas e literárias. Sepúlveda é um fenómeno de comunicação. Parker preta na mão (modelo trivial de lineu), esteve sempre "a dar-lhe", sem pausas.
Manuel Freire, presidente da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) não se furtou à bicha. Aguentou a pé firme a sua vez. "Vai ser impossível organizar aquilo", disse-lhe eu. "Aquilo" é a SPA. Manuel Freire ainda tem fé. Eu não.
Na bicha, para além do presidente dos autores, também havia autores. Neste caso, um jornalista-escritor, Frederico Duarte Carvalho, de vontade afiada para ofertar ao Sepúlveda o seu mais recente livro, acabadinho de sair pela editora Polvo: Poeta & espião, a verdadeira história de Oswald Lee Winter. Livro que consta de uma introdução explicativa, uma entrevista e notas finais, para além de um conjunto de poemas intitulado "Deep-water harvest", traduzidos para português por Myriam Jubilot de Carvalho.
Havia também quem fosse buscar comida para a namorada e a amiga e se desmarcasse estrategicamente para ver o FC Porto-Inter na televisão, deixando o seu exemplar em mão fraterna, sem o suplício da espera. Espera essa que dava para ler quase na íntegra alguns livros do autor.
Um dia antes, no Instituto Cervantes, cativara a assistência desde a primeira fala, esse escritor que se considera uma espécie de "padrinho" do encontro "Correntes D'Escrita", na Póvoa do Varzim.

Há uns sete anos, uma delegação poveira acostou a Gijón (ou Xixon), onde vive o autor, e pediu conselhos. E perguntou: como se faz um encontro assim ao estilo do seu, aqui em Gijón? Sepúlveda disse que Gijón era uma cidade solidária e explicou os truques todos, desde os mais simples até ao mais complicado: como utilizar os argumentos correctos para "sacar" o dinheirinho aos patrocinadores oficiais.
O Instituto Cervantes também registou uma das maiores enchentes da sua história. Não só por causa de Sepúlveda, mas também para ouvir o escritor cubano Leonardo Padura, o argentino Pablo de Santis e o colombiano Mario Mendoza. O seu compatriota Santiago Gamboa ficou retido na Colômbia, a conselho médico, devido a problemas respiratórios.
No final do encontro, o director cessante do Instituto Cervantes, Manuel Fontán del Junco, disse palavras de circunstância e agradeceu a todos aqueles que o ajudaram no seu trabalho, considerando-se "um anão às costas de gigantes". Deixa saudades, pelo seu dinamismo e afabilidade. Agora, chega a vez de acostar a uma terra que Curzio Malaparte tão bem descreveu em A Pele: Nápoles.

Luís Graça

Pedidos e achados.

"Fiz questão de só querer as bases", disse ontem Luís Filipe Menezes à comunicação social. Está tudo muito bem. Mas ficamos sem saber que bases o senhor doutor prefere. Finas e estaladiças ou altas e fofas? E de certeza que o senhor doutor não quer um bocadinho de molho de tomate? Nem fiambre? Nem o apoio de uns pedacinhos de queijo? Absolutamente mais nada?

Deus era um puto irrequieto.

Shakespeare e Cervantes morreram exactamente no mesmo dia do mesmo ano: 23 de Abril de 1616. Claro que isto não é nada do outro mundo. Mas é uma prova irrefutável de que, no início do século XVII, Deus era ainda uma criança cheia de humor, força e vivacidade. E divertia-se a brincar aos deuses, provocando de propósito estas pequenas coincidências, até para conseguir atrair o interesse do leitor não-especializado.

Mas quem me manda a mim....

É isto. À hora do almoço (al-moço não vem do árabe, vem do latim, seus pascácios), ponho-me a ver o telejornal das 13 da Antene2ServiçoPúblico (francês). É um telejornal moralista, não sei porquê (talvez por o verem apenas "donas de casa" - há poucos "donos de casa", talvez eu seja um deles -, desempregados e reformados). Por isso mesmo, instrutivo.

A notícia do dia. Diz o pivot: "Temos uma má notícia. Mais de 10 milhões de desempregados em França."

Continua: "Paradoxalmente, as empresas ostentam lucros excelentes." Mais reportagem em cima que explica que os empresários, como não confiam no futuro, "receiam empregar". Comprimiram custos, coitados, mas estão com medo...

Não posso, evidentemente, levantar-me da mesa e ir a Paris apertar-lhes o gasganete: quem arrumava a minha louça?

Ninguém diz a essas avantesmas que a notícia não é má para toda a gente? Que nos andam a enganar de fininho?

Que é, não "apesar de", mas "porque" as empresas estão de boa saúde, que o comum dos mortais está de má saúde e cheio de medo pelo futuro? Que a lógica do "novo espírito do capitalismo" é a compressão dos custos (que são as novas tecnologias senão formas de comprimir custos, incluindo ao nível do trabalho intelectual?), sobretudo salariais? Que quanto mais desemprego houver, mais medo e mais obediência? Etc.?

E que essa gente, preocupada com a saúde dos seus "investimentos"(deixem-me rir, "criadores de emprego"), só deixa de rir quando tudo ruir?

Adeus, civilização, sua grande vaca: há trinta anos que ma andas a enganar com outro.

Bom dia civilização, sua grande vaca

A "nossa" grande civilização cristã

Aljube - s.m. antigo cárcere eclesiástico, subterrâneo, que ger. ficava junto a um mosteiro; prisão de padres

Etimologia: ár. al-jubb 'cisterna, poço'; cp. alju; f.divg. algibe, este prov. pelo esp.

dos dicionários

[Era aí que enfiavam os heréticos, nas cisternas dos árabes - as fontes de vida passavam a fontes de morte. E mais do que isso, os descendentes deles, que forravam as suas casas com as riquezas de judeus e heréticos expropriados, pertencem, quando não se arruinaram, a algumas das nossas boas famílias. Porque, sabem, o direito de herança preserva os bons costumes. Ah que grande vontade de vómitos.]

Há uma grande necessidade de vida.

Há uma grande necessidade de vida/ Parem os semáforos todos no lilás.*

* Resende, 2004.

Cantemos.

Umbigo #149

Os remédios e os tratamentos estão mesmo pela hora da morte. Nestes tempos de crise, um maço de tabaco pode custar quase três euros e uma garrafa de vinho tinto mais de oito euros.

Señor Tallon #106

Na sua quase quotidiana crónica, Eduardo P. Coelho aborda o magno problema dos hinos, pesando mais fortemente sobre o dos carteiros, esses portadores de metáforas. E diz a certa altura:

"Embora a gente possa imaginar um hino aos animais domésticos ou às árvores do quintal, os hinos são sobretudo formas de tornar o que é colectivo mais unido nessa dimensão: os sportinguistas são mais sportinguistas, os algarvios mais algarvios, e, no caso supremo, os portugueses mais portugueses."

O que foi ele dizer! Como é possível uma pessoa que deve estar a preparar-se para ir para Paris ter ficado assim encurralada no cantinho pátrio e não se ter lembrado que o hino pode ter maiores ambições, voar mais alto e mais longe.

Já para não falar nos hinos religiosos, a Deus. à Virgem e ao Diabo-a-Sete, não nos esqueçamos do "Hino à Alegria" com música de Ludwig van Beethoven e letra de Friedrich von Schiller.

Depois, dá-me a ideia de que ele está a gozar com as árvores do quintal, que não lhe fizeram mal nenhum e não se podem defender.

24.2.05

Post Scriptum # 512



"NAUGHTY GIRL" CONTA MAROTICES

Se a D. Quixote aprovar o "Diário sexual de um escritor frustrado", vamos ser colegas. Eu e uma menina que é "escort girl" numa das agências de acompanhantes londrinas.
Pois. A menina resolveu escrever um diário de ressonâncias buñuelianas: "Belle de Jour". Em que conta o seu dia-a-dia (e a noite-a-noite) das suas lutas sexuais. A coisa mete também S&M. Sado-maso, para quem leve mais tempo a decifrar iniciais. Não sei se tem a ver com Setúbal.
Ora bem. Comprei eu a "GQ" para ler a entrevista com os meus amigos do Gato Fedorento (que aparecem fotografados com peixes a sair da boca) e nem reparei na chamada de capa "Sexo: confissões de uma call girl".
Já bem lá dentro (da revista) - esta piada era perfeitamente escusada, pela sua banal brejeirice - fui-me ao artigo como gato a bofe. É uma pré-publicação da GQ, a abrir o apetite.
"A primeira coisa que precisam de saber é que eu sou uma puta. Não o digo eufemisticamente nem estou a fazer uma analogia em relação ao trabalho de secretaria". É assim o destaque da página 64.
Porque não digo que a menina é camarada de letras, em vez de colega? Porque "colegas são as putas" e esta assume-se: carnal e literariamente. Mas no que toca à literatura não dá a cara, ao contrário das autoras de "Diário de uma ninfomaníaca" e "Escovei o cabelo cem vezes antes de me deitar". Já a ex-stripper de "Cidade do Strip" opta pelo pseudónimo de Lily Burana e dá a cara, embora não dê mais que a nudez nos strips, reservando o corpo para o namorado meio hill-billy, meio red-neck.
Ai, vida...

Luís Graça

[Este livro começou por ser um blogue. Este.]

Ilha dos Amores # 138



Teatro Passagem de Nível.

Post Scriptum # 511

Ainda posso perceber/ Esses miúdos nos viadutos/ Que atiram pedras aos carros da auto-estrada./ É um gesto eficaz/ Que matou alguns caixeiros-viajantes,/ E até famílias inteiras,/ É pura malvadez/ E o mundo precisa de pureza.// Mas como se justificam esses que nos acenam/ Com alegria ao passarmos?*

* Resende, 2004.

Cantemos.

Señor Tallon # 104

Ah! Leão!

A cena passou-se na FNAC Chiado (ao que parece) e foi-me contada por um camarada das letras e dos jornalismos.
Um senhor chega-se ao empregado e dá-lhe a todo o gás:
- Desculpe, tem o livro "Leão", de Tolstoi?
Gostava de ter inventado este trocadilho. A realidade antecipou-se. Hélàs, a vida é assim.

Luís Graça

Ilha dos Amores # 137



Raymond Depardon, Hospital Psiquiátrico de Piemonte, Turim, 1980.

23.2.05

Ilha dos Amores #137

PERFORMANCE
"BACK TO JUP- SEXO, NOITADAS E ROCK N' ROLL"
CANDIDATURA DE

ANTÓNIO PEDRO RIBEIRO
À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

António Pedro Ribeiro, Rui Manuel Amaral e a banda "The Jills" apresentam a performance poético-musical "BACK TO JUP- SEXO, NOITADAS E ROCK N' ROLL" no próximo dia 26, sábado, pelas 16,00 horas nas instalações do Jornal Universitário do Porto. Os "The Jills" são constituídos por Les Casino (baixo), Phil Star (guitarra) e Mr. Bike (guitarra). António Pedro Ribeiro apresenta, uma vez mais, a sua candidatura à Presidência da República e, ao que sabemos, goza presentemente de boa saúde, tal como o seu cúmplice, o bloguista militante Rui Manuel Amaral. O espectáculo serve de suporte à apresentação do livro "Sexo, Noitadas e Rock n' Roll" de A. Pedro Ribeiro.

Pela organização,
Serafim Morcela
Tel. 229270069.

Post Scriptum # 510

Não vir um fogo, um fogo real que queimasse tudo/ Numa enorme fogueira realmente existente/ De amor luminoso e cru! *

* Resende, 2004.

Cantemos.

O Povo É Sereno #238

Luís Filipe Menezes também é candidato à presidência do PSD.
Chamem um exorcista. O país precisa.
E passem-me daí a garrafa.

Post It # 253

SOME of the most revered names in literature, including Daniel Defoe, author of Robinson Crusoe, face possible removal from the official pantheon of great writers in a modernisation of English in the national curriculum.

In their place, children may be required to study a greater range of modern writers and those who reflect the ethnically diverse nature of modern Britain such as the prize-winning black author Andrea Levy.

Other potential candidates for the new list include fantasy writers Tolkien and Philip Pullman, who many believe more closely reflect the reading tastes of children than the current list.

Onde é que já lemos isto?

22.2.05

Post Moderno #3,14

RIP HST

"When the goings get weird, the weird get going."

Morreu ontem o Hunter S. Thompson, fundador do "novo jornalismo" que consistia em ir pedrado para as reportagens e falar imenso dele próprio. Chegou a andar com o Nixon (esse rufião como ele dizia) no mesmo carro a pretexto de reportagens. Dele dizia não sei quem que corria o risco de cair no bom gosto.

O Público traz notícia onde se diz o seguinte:

"O escritor e jornalista norte-americano Hunter S. Thompson, ligado nos anos 60 e 70 à criação do "novo jornalismo", suicidou-se na noite de domingo na sua quinta fortificada no Colorado, EUA. Thompson, de 67 anos, postulava que o autor deve tornar-se parte integrante da história que conta - terminou a sua através do disparo contra a cabeça de uma das muitas armas que possuía."

Não sei por onde lhe pegar. Os EU têm de tudo, mas mesmo nas suas personagens mais radicais há sempre um aspecto incubadora que me chateia. E aquela frase resume talvez tudo isso.

Vamos por partes. Não sei por onde lhe pegar. Bem, isto é fita, sei muito bem, só que queima. É aquela palavra "história". Eles dizem: "postulava que o autor deve tornar-se parte integrante da história que conta". Não era isso que ele dizia. Ele dizia: "O jornalista deve tornar-se parte integrante da história que conta."

Aí é que bate o ponto: na TV anglossaxónica e na portuguesa não há reportagens (palavra francesa), há histórias. Já repararam nos nossos pivots (perdão anchorpersons) a dizer: "Ontem um homem em Santo Tirso matou a sogra e três galinhas. A Sandra Vanessa tem a história." E passam à Sandra Vanessa em pseudodirecto (hoje não há hífenes pra ninguém).

Numa palavra: o jornalista conta uma história (que necessariamente é verdade, porque as histórias contam o que se passa na "realidade"). Não faz uma reportagem, isto é, não elabora os factos, não os mastiga através das palavras e das imagens para os transmitir ao telespectador. Não sei se percebem aonde quero chegar: não se questiona a linguagem: o mundo é simples, as palavras traduzem o mundo e está a andar. Assim sendo, se há dificuldade em transmitir o mundo, a culpa é do mensageiro. Daí as intermináveis glosas sobre o Politicamente Correcto (como se desde tempos imemoriais as palavras não re-velassem o mundo: "re-velassem", wink wink estão a perceber? Re, velassem)

Resultado: formulações complicadíssimas para exprimir um mundo que todos julgavam simples. Quando o que é preciso é o contrário: algumas formulações simples para resumir um mundo que é complicado. Mas pronto, já estou a divagar.

Ora, o que sucede. O Hunter S. Thompson achava que o jornalismo amaricano era uma treta com a sua mania da objectividade. A culpa só podia ser das pessoas que faziam esse jornalismo. Bastava um pouco de lata para mudar tudo. Portanto, toca de se pôr a fazer reportagens com toda a sua subjectividade, intervindo directamente na acção, numa grandiosa e jocosa salgalhada, impondo à América os desejos radicais da juventude dos anos 60. Só que a subjectividade do HST, faz favor! Ele fumava uns charros mas tinha armas em casa, era um machão furibundo e acabou por morrer disso, numa fazenda fortificada, às próprias mãos.

RIP. Abbie Hoffmann que escreveu um livro chamado "Roubem este Livro", acabou a escrever livros para crianças, antes de se suicidar, Jerry Rubin, que escreveu um livro "Do It" (sim, sim, a Nike não inventou nada), foi para corretor da bolsa antes de ser atropelado por um carro anónimo, Eldrigde Cleaver converteu-se ao conservadorismo cristão, Thimoty Leary nunca se soube ao certo se não era agente não sei de quê desde o princípio, etc. Claro, também houve os outros: os que foram mortos pelo FBI. E, bem, ainda há malta com mais substância que se manteve no balanço. Mas não eram os mais famosos na época.

Sei que esta história não tem moral. Mas o espaço que nos é dado num blogue (e talvez na minha cabeça) não dá para mais. Só queria deixar uma ideia geral da pobreza duma grande parte da minha geração. Cuja radicalidade acabou nos narizes de cera e nas gravatas das carinhas larocas da TV.

Esses emplastros que estão nos conselhos de administração a fazerem coisas muito irreverentes e prafrentex (que palavra mais fatela) são os herdeiros directos do pior que havia no radicalismo do meu tempo.

Ah! Esquecia-me de dizer: o "novo jornalismo" foi definitivamente enterrado quando, depois de importado pela "mainstream", uma jornalista do acho que New York Times, premiada com o Prémio Pullitzer e cujo nome me esquece mas não era Santana, foi desmascarada: as reportagens que fazia, perdão, as histórias que contava (nacos de realidade a cheirar mesmo a realidade), eram totalmente inventadas dentro do apartamento onde morava.

Post Scriptum # 509



Um sabor a Bryce

"Um sabor a Bryce". Foi assim que João Rodrigues (editor da D. Quixote) rematou a leitura de um pequeno extracto de "O Horto da minha amada", que ocorreu no anfiteatro do Instituto Cervantes.
Mas o "limiano" (nasceu em Lima, Peru, em 1939) Alfredo Bryce Echenique não pôde estar presente, porque uma operação a uma hérnia discal o impediu de se deslocar a Portugal para participar no encontro "Com o Atlântico no meio: olhares sobre a literatura hispano-americana", iniciativa conjunta do Instituto Cervantes e das editoras Temas e Debates, D. Quixote, Teorema e ASA.
Nuno Júdice apresentou a obra do escritor, detendo-se pormenorizadamente em "A vida exagerada de Martin Romaña" (agora editado pela Teorema) e contando alguns episódios curiosos da sua relação com a escrita do autor.
A conversa que se seguiu foi parar à temática do "realismo mágico" e um tom de humor impregnou a assistência. Afinal, as realidades da América do Sul são de tal maneira mágicas que basta ser "realista" para escrever ao estilo do tão falado "realismo mágico".
Ou Bryce Echenique não tivesse um tio diletante e boémio que gerou o seguinte epitáfio: "Aqui sigue descansando Joaquin Bryce Echenique". O autor, para João Rodrigues, consegue atravessar todo "O horto da minha amada" com um humor e uma ironia muito próprios, sendo um mestre nos diálogos. Ou não tivesse feito uma tese sobre os diálogos nos romances de Hemingway.
Antes do encontro, houve ocasião para peregrinar o átrio do Instituto Cervantes, onde se encontra exposta até dia 28 do corrente uma exposição dedicada a Garcia Marquez. Uma fotobiografia riquíssima, com imagens dos seus antecentes familiares e também de muitos dos locais por onde passou. A ver rapidamente, senão foge.

Luís Graça

O Silêncio É de Ouro #204



No início da tarde de hoje, a Antena 2 transmitiu algumas peças de João de Sousa Carvalho, lembrando que o compositor português nasceu há exactamente 260 anos, a 22 de Fevereiro de 1745. Bem, para alguém que data de 1745, o Carvalho está muito bem conservado. Mais: o João de Sousa é daqueles compositores que vai certamente durar muitos séculos sem perder a frescura.

Cimbalino Curto #149

É muito importante ler. Os textos que o Público tem editado sobre o processo de concessão a privados das redes de água e saneamento de diversos municípios da Área Metropolitana do Porto, nomeadamente nas suas edições de sábado e domingo. Infelizmente, parece-me que os textos não estão em linha. Logo que possível voltaremos a este assunto.

Post Scriptum # 508

A melhor maneira de chamar uma ambulância/ É a gente sentar-se na auto-estrada/ (...)/ A melhor maneira de chamar a polícia é a máxima insurreição/ Sobretudo nas partes do corpo./ (...)/ A melhor maneira de conhecer o mundo é fechar os olhos/ (...)/ A melhor maneira de estar nas cidades é no campo/ (...)/ A melhor maneira de estar no mar é na montanha/ (...)/ A melhor maneira é a má, a errada, a cuspida/ E esse vulto por acabar que está em nós a tentar falar-nos.*

* Resende, 2004.

Ilha dos amores # 136



Arnulf Rainer, "Önábrázolások", 1971-76.

Ilha dos amores # 135



Contemplava a própria vida/ na sorte desses instantes/ que tanto se assemelham a furtivos lírios/ à chegada da noite/ mas dizia: um coração é sempre um pássaro evadido à censura da penumbra (...)
José Tolentino Mendonça.

Fotografia e selecção de poema de André Sousa Martins.

Post Scriptum # 507

Poemas de Alain Grandbois, traduzidos por Ruy Ventura.
Terceiro e último poema.




Alain Grandbois
(Canadá, 1900-1975)

A ALVA AMORTALHADA

Mais baixo ainda meu amor calemo-nos
Este fruto aberto ao sol
Os teus olhos como o sopro d' aurora
Como o sal das sarças reveladoras

Calemo-nos calemo-nos há em qualquer lado
Um coração que chora sobre um coração
Pela última aventura
Pelo tumulto total

Calemo-nos nada pode recomeçar
Esqueçamos as lâmpadas as horas sagradas
Esqueçamos os fogos-fátuos do dia
O nosso prazer nos arruína

Mais baixo ainda meu amor
Ah mais baixo meu querido amor
Estas coisas devem murmurar-se
Como entre dois moribundos

Logo deixaremos de querer distinguir
A franja de rugas nos nossos rostos
Ah olhemos o cintilar das estrelas
Mesmo no segredo de nossos dedos

Fitemos tudo o que recusa
O ouro destruído da lembrança
O belo quarto de outros tempos
E seus braços de faíscas surdas

Calemo-nos esqueçamos tudo
Afoguemos as palavras mágicas
Preparemos as nossas ternas cinzas
Para o grande silêncio inexorável

(in "Rivages de l' Homme", 1948)

21.2.05

Señor Tallon #102

Produtos em promoção no Carrefour de Gaia.

Eugéne Ionesco, "A Busca Intermitente" - 1 euro
Peter Handke, "Ensaio sobre o Dia Conseguido" - 1 euro
Octavio Paz, "Mais do que Erótico: Sade" - 3 euros
"A Palavra Dissidente", antologia organizada por Chris Miller - 2 euros
Uma embalagem com três chocolates de leite e cereais crocantes - 1,65 euros

Umbigo #146

José Gil, os semi-intelectuais e o sorriso da Batarda

Duas seguidas no jardim de Inverno do S. Luiz. Olaré.

Quarta-feira: "É a cultura, estúpido".

Tema: o livro de José Gil. Todos-contra-um. Da esquerda para a direita: Anabela Mota Ribeiro (toda ela à Black Lady, com uns ténis azul-claro resplandecentes), Pedro Mexia, José Mário Silva, Nuno Costa Santos. A disparar calmamente.
Pedro Mexia, pecador ao perguntar as coisas de forma demasiado clara e arguta, fez José Gil perder-se várias vezes na mesma resposta: "O que me perguntou?". Gil, que não o irmão Fernando ou o Vicente dos teatros, recusa ter feito a análise da sociedade portuguesa. Diz coisas à brava no seu livro. Mas recusa o termo diagnótico. E lá fez peregrinar o pensamento de forma tão esvoaçante que chegou ao ponto de pousar o microfone e continuar a falar para as estrelas. Pelo caminho ia ficando sem voz. Que é hoje das mais escutadas no país em que vivemos.
Nuno Costa Santos levava com perguntas em resposta às suas questões, mas não acusava o golpe. E até pode registar a patente de uma nova figura de pensadores portugueses: os semi-intelectuais.
Bati em retirada por volta das 20 horas (o Sporting-Benfica em hóquei em patins "chamava-me" à Parede) e falhei mais uma vez o "stand-up" do Ricardo de Araújo Pereira. Porra!

Quinta-feira: "Debate Falar Cinema: que diálogo entre a crítica e o cinema português?"

Da esquerda para a direita: Fernando Vendrell (produtor e realizador), Beatriz Batarda (actriz), José Carlos Abrantes (moderador e comentarista), Jorge Leitão Ramos (crítico de cinema e professor), Ruben de Carvalho (jornalista).
Ambiente calmo, de diálogo escrupuloso, pensado. Em que o choque público/crítica e realizador/crítica esteve presente de forma civilizada. Muitas questões importantes ficaram no ar.
E eu para ali, as orelhas arrebitadas, o olhar na Beatriz Batarda, para melhor beber a suavidade de um sorriso, fixado no brinco solitário e elegante a pender da orelha esquerda, a observar as meias às riscas a espreitar das botas, o t-shirt por baixo da camisola discreta.

Fugi outra vez pelas 20 horas, devoto da hidroginástica das 21 e 15, com laivos de sagrado. E deixei no uso da palavra Pandora Cunha Telles, produtora. Do "Kiss Me", por exemplo. Estava chateada com os críticos.

Luís Graça

Ilha dos amores # 134



Rafael, "A Trasfiguração", 1520.

Umbigo #145

Ontem, depois de terminada a "maratona eleitoral", fiquei a sós com uma garrafa do Douro. Aproveitámos para ter uma longa e esclarecedora conversa sobre o actual momento político e o futuro de Portugal.

Señor Tallon #101

Uma dúvida pós-eleitoral com pouco sentido:
o partido chamado socialista obteve a maioria absoluta. Isso significa que o país vai ter um governo de esquerda?

18.2.05

Post Scriptum # 504



Eu, o Lobo Antunes, o Saramago e as erecções

A partir de hoje, tenho as minhas erecções literárias (ou pseudo-literárias) totalmente legitimadas. Obrigado, António Lobo Antunes. A validação dos meus desabafos sexuais está patente ao público na revista "Visão" de 17 de Fevereiro de 2005, na crónica intitulada "Entrevistas".
Lobo Antunes (um dos meus grandes ídolos literários e cidadão que muito estimo, fechado no seu palácio de dor, por amor dos outros e para esquecer os fantasmas da guerra e da morte) confessou uma potente erecção de pré-adolescente:
"(...) a senhora da idade da minha mãe que me encostava a perna no metropolitano e me beliscava a camisola (...)".
"(...) os dedos da senhora apertavam os meus no varão, autoritários, macios, o joelho apegava-se-me na coxa, a cabeça dela, mais alta do que a minha, observava-me de cima, num sorriso lento (...) desviei a coxa e o joelho a perseguir-me, tenaz, o polegar ia-me friccionando o pulso, a certeza que ia dar-se conta que o meu coração tão rápido, coisas embaraçosas a aumentarem nos calções (...)"
"(...) o indicador da senhora encontrou as coisas embaraçosas e demorou-se nelas de sorriso lento a crescer, a crescer, a sua voz num cochicho
- Loirinho (...)"
"(...) e eu a sorrir de volta à senhora porque assim que crescesse apanhava o metropolitano das oito e casava com ela (...)".
A partir daqui posso escrever à vontade sobre as minhas erecções. Quando me invectivarem, estou autorizado a responder: "O Lobo Antunes também já escreveu sobre erecções e ninguém levou a mal".
E se me perguntarem "Mas tu estás a comparar-te ao Lobo Antunes?", posso sempre dizer: "É melhor do que comparar-me ao Saramago. As erecções dele não têm pontuação".

Luís Graça

Post Scriptum # 503

Poemas de Alain Grandbois, traduzidos por Ruy Ventura.
Segundo poema.




Alain Grandbois
(Canadá, 1900-1975)


QUE A NOITE SEJA PERFEITA...

Que a noite seja perfeita se formos dignos dela
Nenhuma pedra branca nos indicava o caminho
Onde as fraquezas vencidas acabavam de morrer

Íamos para além dos mais longínquos horizontes
Com os nossos ombros e com as nossas mãos
E esse entusiasmo tamanho
Até ao brilho das abóbadas insondáveis
E essa fome de permanecer
E essa sede de sofrer
Sufocando-nos a garganta
Como mil enforcamentos

Partilhámos as nossas sombras
Mais do que as nossas luzes
Mostrámo-nos
Mais gloriosos com as nossas feridas
Do que com as vitórias esparsas
E as manhãs felizes

Construímos muro a muro
A negra muralha de nossas solidões
E essas cadeias de ferro prendendo o nosso andar
Forjadas com o mais duro metal

Que perfeita seja a noite em que nos afundamos
Destruímos toda a felicidade e toda a ternura
E os nossos gritos não terão
Doravante mais do que o trémulo eco
Das poeiras perdidas
Nos abismos do nada.

(in Poèmes d'Hankéou, 1934)

Post Scriptum #501

Carta do Vidente
Arthur Rimbaud

[Carta escrita por Rimbaud a Paul Demeny no dia 15 de Maio de 1871. A carta começa por apresentar um poema do autor ("Chant de Guerre Parisien") dedicado à Comuna e prossegue depois da seguinte forma - Tradução provisória de Manuel Resende]

- Eis agora uma prosa sobre o futuro da poesia -
Toda a poesia antiga desemboca na poesia grega, Vida harmoniosa. - Da Grécia ao movimento romântico - Idade Média -, há letrados, versificadores. De Énio a Teroldo, de Teroldo a Casimir Delavigne, tudo é prosa rimada, um jogo, rebaixamento e glória de inúmeras gerações idiotas: Racine é o puro, o forte, o grande. - Se lhe soprassem nas rimas, se lhe baralhassem os hemistíquios, o Divino Tolo seria hoje tão ignorado como um qualquer autor de Origens. - Depois de Racine, o jogo ganha bolor. Durou dois mil anos!
Nunca ninguém julgou devidamente o romantismo. Quem o poderia julgar? Os Críticos!! Nem brincadeira, nem paradoxo. A razão inspira-me mais certezas sobre o assunto que cóleras alguma vez teve um Jovem-França (1). De resto, os novos que detestem quanto queiram os antepassados: estamos em casa e temos tempo. Os Românticos - que tão bem provam que a canção é tão raramente obra, quer dizer, pensamento cantado e compreendido do cantor.
Com efeito, EU é outro. Se o cobre acorda clarim, a culpa não é dele. Para mim, é evidente: assisto à eclosão do meu pensamento: fito-o escuto-o: dou com o golpe de arco no violino: a sinfonia tem um estremecimento nas profundidades ou salta de súbito para a cena.
Se os velhos imbecis não tivessem encontrado do Eu apenas o significado falso, não teríamos que varrer esses milhões de esqueletos que, há um tempo infindo, acumularam os produtos da sua inteligência vesga, proclamando-se seus autores!
Na Grécia, disse eu, versos e liras ritmam a Acção. Depois disso, música e versos são jogos, entretenimentos. O estudo desse passado encanta os curiosos: vários regozijam-se a renovar essas antiguidades: ? a coisa é para eles. A inteligência universal sempre largou as suas ideias naturalmente; os homens colhiam uma parte desses frutos do cérebro: agia-se por, escreviam-se livros disso: tal era a marcha, que o homem não se trabalhava, não estava ainda desperto, ou ainda não na plenitude do grande sonho. Funcionários, escritores. Autor, criador, poeta, tal homem nunca existiu!
O primeiro estudo do homem que quer ser poeta é o seu próprio conhecimento, inteiro. Tenteia a alma, inspecciona-a, tenta-a, aprende-a. Logo que a saiba, tem de a cultivar: parece simples: em todo o cérebro consuma-se um desenvolvimento natural: tantos egoistas se proclamam autores; e há tantos outros que a si próprios atribuem o seu progresso intelectual! ? O que há a fazer, porém, é a alma monstruosa: como fazem os comprachicos (2), pronto! Imagine um homem que implante e cultive verrugas na cara.
Digo que temos de ser videntes, de nos tornar videntes.
O Poeta faz-se vidente por um longo, imenso e ponderado desregulamento de todos os sentidos. Todas as formas de amor, de sofrimento, de loucura; procura por si próprio, esgota em si próprio todos os venenos para só lhes guardar as quintessências. Inefável tortura em que precisa de toda a fé, de toda a força sobre-humana, em que se torna entre todos o grande doente, o grande criminoso, o grande maldito - e o supremo Sábio! - Com efeito, chega ao desconhecido! Visto ter cultivado a alma, já rica, mais que ninguém! Chega ao desconhecido; e quando, apavorado, acabasse por perder a inteligência das suas visões, tê-las-ia já visto! Que rebente no seu salto pelas coisas inauditas e inúmeras: outros virão, horríveis trabalhadores; começarão pelos horizontes em que o outro tombou!
- Segue dentro de seis minutos -
[Rimbaud intercala aqui um "segundo salmo hors texte" - Mes Petites amoureures]
- Prossigo -
O poeta é pois verdadeiramente ladrão de fogo.
Está encarregado da humanidade, dos próprios animais: terá de fazer com que as suas invenções se sintam, se apalpem, se escutem. Se o que traz de longe tem forma, ele dá forma; se é informe, dá algo de informe. Encontrar uma língua; - De resto, uma vez que toda a palavra é ideia, virá o tempo de uma linguagem universal! É preciso ser académico ? mais morto do que um fóssil ? para completar um dicionário, seja em que língua for. Se um fraco se pusesse a pensar na primeira letra do alfabeto, bem depressa poderia precipitar-se na loucura! ?
Essa língua será língua da alma para a alma, língua que resume tudo, perfumes, sons, cores, pensamento que agarra o pensamento e o puxa. O poeta definiria a quantidade de desconhecido que desperta no seu tempo, na alma universal: daria mais do que a fórmula do seu pensamento, que a anotação da sua marcha para o Progresso! Enormidade que se torna norma absorvida por todos, seria verdadeiramente um multiplicador de progresso!
Esse futuro será materialista, como vê. - Sempre plenos do Número e da Harmonia, os poemas serão feitos para ficar. - No fundo, seria ainda um pouco a Poesia grega.

O ar eterno teria as suas funções, como os poetas são cidadãos. A Poesia já não ritmará a acção; ir-lhe-á à frente.
Esses poetas existirão! Quando se quebrar a infinita servidão da mulher, quando ela viver para si e por si, tendo-lhe o homem ? até agora abominável ? dado o seu mote, ela será também ela poeta! A mulher encontrará desconhecido! Os seus mundos de ideias serão diferentes dos nossos? - Encontrará coisas estranhas, insondáveis, repelentes, deliciosas; colhê-las-emos, comprendê-las-emos.
Enquanto isso, peçamos ao poeta novidade - ideias e formas. Todos os hábeis em breve poderiam julgar ter satisfeito o pedido: - não é isso!
[?]

(1) Movimento de escritores românticos dos anos 30 do século XIX que exageravam as suas radicalidades literárias e políticas.
(2) Saltimbancos que raptavam crianças para as deformarem e as apresentarem aos reis e poderosos como monstros para entretenimento. O romance "L'Homme qui rit" de Victor Hugo trata desse problema.

NT: Será "desregulamento" ou "desregramento"? Parece-me mais a primeira hipótese.

Post Scriptum # 500



P.- Diga-me: o que pensa do cinema português?
R.- A essa pergunta não posso deixar de responder com a maior clareza.
P.- Muito bem. E do teatro?
R.- Mutatis mutandis, a minha resposta é a mesma.
P.- Quer dizer-nos o que pensa acerca da renovação dos valores no cinema?
R.- Quero.
P.- E nas outras artes?
R.- Também.
P.- Acha que o cinema sonoro é mais artístico do que o mudo?
R.- Depende: para os surdos, o cinema sonoro é mudo.
P.- E entre René Clair e Eisenstein, qual escolhe?
R.- Com certeza.
P.- Gosta dos primeiros filmes de cow-boys do Ford?
R.- De quantos cavalos?
P.- Qual lhe parece ter maior valor expressivo - o teatro ou o cinema?
R.- Sim.
P.- Acha fundamental e difícil a função do operador, a quem incumbe gravar as imagens das estrelas na película virgem?
Q.- Impressionar uma virgem é sempre fácil.
P.- E a montagem?
R.- Não seja malcriado.
P.- Quando vai ver um filme português, do que gosta mais?
R.- Dos intervalos.
P.- Qual dos irmãos Marx prefere?
R.- O Karl.
P.- Queira dizer o nome de um grande vulto do cinema.
R.- O Jacques.
P.- Tati?
R.- Tou bem, obrigado.

José Sesinando.
Citado pelo melhor Bar da blogosfera.

Ilha dos amores # 133



O "corta! festival internacional de curtas metragens do porto" já mexe.

Post Moderno #4

Notícias da Cultura

Santana Chumba no Teste para Surrealista

Sempre se confirma: Santana Lopes chumbou no teste para surrealista, juntamente com Paulo Portas. Segundo declararam ao nosso blogue fontes próximas do leader pró-pulista, um júri constituído por André Breton, Benjamin Péret, Cesariny de Vasconcelos e Isidore Ducasse considerou que, sim senhor, os meses de governação da parelha tinham constituído um exercício de política automática muito próximo das técnicas surrealistas, mas lhe faltava aquela qualidade libertadora, de busca do ponto sublime, que faz despertar a famosa estrela sextavada em cada um de nós.

"Isto é um bocado chato"- disse-nos por outro lado Péret, quando contactado. "Na verdade, estamos um bocado fartos de todas estas palhaçadas que se querem fazer passar por obras surrealistas, quando lhes falta aquele golpe de asa libertador sem o qual não há poesia e, não a havendo, não há surrealismo."

E continuou: "Por outro lado, também não deixa de ser instigante a recorrência destes fenómenos. É de uma pessoa acreditar que há um qualquer mito novo a tentar furar a raridade do ar. Já falei ao Bounoure e ele vai-se pôr de atalaia com um periscópio. Pode ser, pode ser, que os grandes ocultos se apresentem à formatura."

"Mas é certo que Santana faz um belo cadáver esquisito de tipo novo. Vai dar para enfeitar mais de um cemitério" - concluiu.

Señor Tallon #100

O próximo número da revista Aguasfurtadas, que se encontra já no prelo, inclui um artigo muito interessante do brasileiro José Ribamar Neves Filho sobre as relações entre o teatro brasileiro e o português, desde o século XVI. A páginas tantas, José Ribamar conta que durante a ditadura de Getúlio Vargas, e no seguimento de uma representação de "Electra", a polícia política terá desencadeado uma feroz operação de busca para capturar Sófocles, por este ter sido considerado "um perigoso subversivo".

Ilha dos amores # 132



Fotografia de André Sousa Martins.

17.2.05

Post Scriptum # 498



Nudez feminina importada de El Ferrol

Casa Fernando Pessoa. Fim de tarde luso-galaico. Editorial Teorema. Livro: "Uma mulher nua". Autora, nascida em El Ferrol (Galiza). Lola Beccaria. Capa com base num fabuloso desenho de Tamara de Lempicka.
Helena Vasconcelos dissertou durante meia-hora sobre a história do sexo e depois abalançou-se a falar do livro. Lola exultou: "A melhor apresentação que já fizeram a um livro meu".
E depois falou, espicaçando a alma dos humanos: "Comam um gelado antes de comer. Onde está escrito que se pode perder o emprego se se fôr extravagante e divertido?".
Convite de lançamento. Cito: "(...) Jogar ao sexo como se joga às escondidas. Ir crescendo com a ideia de que o sentimento é algo de que temos de ter vergonha. O paradoxo de sentir para não sentir. Lola Beccaria fala-nos na urgência vital que representa a busca pelo afecto, pondo a descoberta daquilo que é uma necessidade legítima e mostrando os preconceitos inúteis em que o transformamos(...)".
"Está a ouvir, Zapatero? Precisamos de um Ministério do Amor e do Sexo". A autora, num programa de televisão espanhol, de muita audiência.
Quarta-feira, malas feitas, ala de comboio para a Póvoa do Varzim, para a "Corrente D'Escritas". Helena Vasconcelos partiu de carro. A 7 de Abril teremos a nossa Helena aos comandos de mais uma Comunidade de Leitores da Culturgest.
Eu dei corda aos sapatos e demandei as livrarias, em busca do primeiro livro: "Justine", de Lawrence Durrell.

Luís Graça

Post Scriptum # 497

Poemas de Alain Grandbois, traduzidos por Ruy Ventura.
Primeiro poema.




Alain Grandbois
(Canadá, 1900-1975)


PRESO E PROTEGIDO

Preso e protegido e condenado pelo mar
Flutuo no vácuo das ondas
As colunas do céu carregam os meus ombros
Os meus olhos fechados rejeitam o arcanjo azul
O peso das profundezas estremece sobre mim
Estou só e nu
Sou só e sal
Flutuo à deriva sobre o mar
Ouço a aspiração gigante dos deuses imersos
Escuto os derradeiros silêncios
Para além dos horizontes mortos

(in Les Iles de la Nuit, 1944)

Post Scriptum # 496



Em 1898, Joseph Conrad escreve Mocidade - uma narrativa, sobre as peripécias ocorridas ao velho navio Judea, durante a sua trágica e derradeira viagem de Inglaterra para o Extremo Oriente. Um dos momentos fundamentais da narrativa dá-se quando o navio é inesperadamente sacudido por uma violenta explosão. Os tripulantes ficam "em farrapos e com a cara negra como carvoeiros, como limpa-chaminés, de cabeça tão lisa como se a tivessem rapado à navalha, mas realmente só chamuscada até à pele". O homem do leme é o único que é projectado borda fora:

"Alguém teve o bom-senso de olhar para as águas: lá estava o homem do leme que saltara borda fora sem saber como e fazia todos os esforços para voltar a subir. Gritava e nadava vigorosamente como um tritão, a acompanhar o navio. Atirámos-lhe um cabo e pouco depois já estava connosco, encharcado e muito abatido. O capitão, esse entregara o leme a outro, e de cotovelos na amurada, queixo na mão, solitário, pusera-se de olhar fixo no mar."

É sabido que certos escritores têm dons divinatórios. A mim parece-me óbvio que "Mocidade" é uma novela dedicada ao actual momento político português. Embora Conrad nunca tenha admitido isso.

Cimbalino Curto #148

"De tanto se falar mal acaba por se cair num ciclo vicioso de maledicência. (...) Não vejo problema que falem mal, mas falem de coisas com dimensão."
Paulo Morais, Vice-presidente da Câmara do Porto, citado pelo Comércio do Porto de ontem (o texto não está em linha).

Essa é justamente a principal angústia do maledicente profissional. É que por mais que se esforce, não encontra "coisas com dimensão" na obra deste executivo para poder maldizer à vontade. Restam-lhe as pequenas coisas. Coisas como o despovoamento da cidade, a sua perda de influência, a estagnação social, a extinção da oferta cultural ou a ausência de ideias e projectos para o Porto. No fundo, aquelas pequenas coisas que tornaram esta cidade numa grande anedota.

16.2.05

Mensagem da Gerência.

Temos recebido várias mensagens de leitores que se queixam do grande volume de posts dedicados à actualidade politica em detrimento dos assuntos ligados à literatura.
Não estou de acordo. Creio, aliás, que nunca neste blogue houve tantos posts com referências ao universo literário como nestes últimos dias. Basta pensar na surpreendente quantidade de personagens romanescos, pequenos talentozinhos de novela, autores de histórias de cordel e trovadores de trazer por casa que animam a política portuguesa. Ora, se estamos apenas à espera da grande literatura, não há literatura. Não é verdade, Manuel?

Umbigo #144



MARCAÇÃO À ZONA
Versão I


Olhos nos olhos, Lee Edson e o guarda-redes do River Bird.
Noite de emoções no estádio de Las Barracas XXI.
Penalty.
Ricky Piu-Piu apareceu sorrateiramente em contramão de feitios e amarfanhou-se de desejos pela bola.
- Deixakeumarco.
Lee Edson ficou banzado. Ele é que era o presidente da Junta, ele é que era o candidato natural a marcar os penalties, tintos ou brancos. E depois, os estatutos do Bom Feitio diziam que ele e o Rocha Braz eram os indigitados a cobrar castigos máximos e contas da papelaria.
O treinador Big Foot aos costumes disse nada.
- Eu sou o treinador. Não me pagam para tomar decisões durante os jogos. Read my lips: treinador, o que dá os treinos. Tudo o que tenha a ver com os jogos diz somente e apenas meramente respeito aos jogadores.
Ficou-se assim.
Quando Ricky Piu-Piu já tomava balanço para cobrar o castigo, o guarda-redes Rui Carlos apareceu embalado da sua grande área e tomou-se de apetites pelo climax da grande penalidade:
- Deixakeumarco.
- Tu és o guarda-redes, volta para o teu lugar - disse Ricky Piu-Piu, sem forças para esvoaçar mais alto qualquer argumento menos territorial.
- O meu lugar é onde me leva o coração. Prontos. E depois o Chilared e o Nikita também são guarda-redes e marcam penalties.
Rui Carlos estava já em plena corrida de balanço quando Pulga o bateu num sprint vigoroso e chutou ao lado.
O árbitro mandou repetir.
O guarda-redes do River Band tinha-se mexido antes do tempo.
Começou tudo de novo.

Versão II


Kid Lee Edson estava com o ferro na mão, para marcar a vaca com as inciais SCP, coudelaria XXI.
Ricky "Cowboy" meteu o seis-tiros no coldre, pôs o chapéu para trás, sorriu maliciosamente e disparou:
- Deixakeumarco.
É assim a vida.

Luís Graça

O Povo É Sereno #230

À medida que se aproxima o dia das eleições e se torna cada vez mais plausível um resultado muito expressivo dos "radicais de esquerda" do Bloco, os nossos tradicionais fazedores de opinião, a começar pelos inefáveis Delgado e Magno, desdobram-se, com súbita aplicação, em comoventes elogios a Jerónimo de Sousa e à sua "campanha positiva".

Post Scriptum # 495



Nitin Mehta
(Índia, n. 1944)

UMA MEDITAÇÃO DOS TEMPOS MODERNOS

Nem todos os demónios
são cruéis, depravados e infames
o tempo todo.

Alguns deles são bastante diferentes.

Na verdade, alguns
repousam debaixo do vosso relógio de pulso,
fazem as suas abluções de manhã,
inspiram a brisa fresca que sopra do rio
e permanecem em silêncio com os olhos fechados.
Por vezes, meditam
sobre as palavras de sabedoria
que os santos recitaram.

É verdade
que as sombras desses santos
sofrem graves ataques de tosse

quando estes demónios
que não sabem bem a sua casta ou passado
começam a bater furiosamente as asas
como papéis que esvoaçam de uma secretária.
Asas que parecem o céu preso debaixo de um pisa-papéis.

Mas, por vezes,
numa tarde laranja
mesmo ao despertar
da siesta,
um fósforo deita fogo à sua orelha
e uma maçã podre, meia mordida
rebenta por debaixo do seu relógio de pulso
com um jacto de sangue.

O céu congelado no pisa-papéis
é despedaçado,
sombras transformam-se em bolhas,
partem-se pulseiras,
a virgindade é perdida,
e choros sufocam e contorcem o ar em volta.
Nesse momento,
os papéis e a secretária
lançam-se no ar
à procura das suas origens.
Enrolam-se, pegam fogo por todos os cantos.
Como ramos partidos
caem no chão.

É isto que acontece.

Nada mais do que isto.

Só quando o demónio arrancou o seu molar podre
ou
quando o lado esquerdo do santo começa a doer
ou
quando os actores se esquecem das suas deixas
apenas aí, algo mais
começa realmente a acontecer.

Mas,
a tarde laranja
tem uma história diferente para contar
pelo menos

por agora.


Tradução de Pedro Amaral, a partir da versão inglesa de Abhay Sardesai e do próprio Nitin Mehta.

Umbigo #143



Bebe lá um copo, ó pá!

Jamie Foxx estava todo satisfeito a beber uma "pint" num pub de Londres, a festejar o prémio de melhor actor, concedido pela Academia Britânica (tratava-se dos conhecidos Bafta, os óscares britânicos).
Como Londres é uma Babel, mais preto menos preto não fazia grande confusão aos bêbedos habituais, que não estavam a reconhecer em Jamie Foxx o glorioso intérprete de Ray Charles e do quarterback que vomitava sempre antes de um grande passe, no campeonato de futebol americano ("Um domingo qualquer").
De resto, os típicos bêbedos de pub londrino preferem a "foxy lady" das páginas 3 dos tablóides aos Foxx talentosos do cinema. Um bom par de mamas bate qualquer "biopic" e os bêbedos nem pensavam assim por terem lido a crítica de Alexandre Borges na "Capital" de domingo.
Eis senão quando, no meio de um grande estrondo, entra no "pub" Leonardo di Caprio, aos tombos, com as roupas todas rasgadas e o nariz partido.
- Porra prò avião! Estava a ir tão bem... o que terá dado nos cornos do motor, para parar nos momentos mais inconvenientes? Posso ter cara de miúdo, mas de aviões percebo eu! Ó chefe, dê-me lá aí um copo de leite!
O copo de leite chegou, mas Leonardo tinha sérios problemas em pegar no vasilhame. Uma dedada bem grande intimidava-o. A malta não faz ideia da quantidade de micróbios que as pessoas têm nas mãos.
- Olha o Leonardo! My man! Gimme five!
Pois é, olha o mocito novo, ingénuo. Atão alguma vez o Leonardo "Howard Hughes" di Caprio ia cumprimentar um preto a cheirar a cerveja Guiness?
(todos os pretos deviam beber Guiness, que é uma reputada cerveja da mesma cor)
Ficou por ali o Foxx de mãos a abanar. O Jamie, que até é bom rapaz e diz umas piadas giras no "talk-show" do Conan O'Brien, não achou grande graça ao gesto rude do Leonardo:
- Ó Leonardo, my man, se fosse nos "Gangs de Nova Iorque" eu até te desculpava, mas no caso do "Aviador" devias ser um gajo educado. Podes muito bem ser maluco e educado. Manias todos nós temos, mas a educação não custa nada. Eu fui criado por uma avó, no Texas, e não é por isso que perco a humildade. Bebe lá um copo comigo, ó pá!

Luís Graça

Post Perlimpimpim #5

Quioto - Por uma economia poética

Pelos vistos, entra hoje em vigor o Protocolo de Quioto. Um estatístico dinamarquês, Bjorn Lonborg escreveu um ponderoso livro a dizer que não presta, não serve para nada e impõe custos enormes à economia.

Bem. Por partes. É cada vez mais patente que a mudança climática está aí e só nos resta uma dúvida: qual o grau de catástrofes que nos vai impor? Poderemos ter umas catastrofezitas, digamos, sustentáveis ou vamos ter uma megacatástrofe, final e irredutível? Pessoalmente, amigo como sou da natureza, não penso que a terra vá acabar. Vai acabar talvez para o ser humano, mas a vida continuará, só que não haverá sociólogos, historiadores, economistas, antropólogos, metalúrgicos ou pasteleiros a testemunhar o caso.

Lonborg diz: o imenso dinheiro que se ia gastar a cumprir o Protocolo de Quioto, podia ser usado para coisas verdadeiramente úteis. Sim senhor: como não temos dinheiro para reparar a nossa casa que ameaça ruína, eh pá, vamos gastar o que temos a comprar cortinas novas ou a tratar dos dentes, pá.

Isso é uma. Outra, é: só quem tem da economia uma visão estreita (ia dizer, de estatístico) pode dizer que o Protocolo de Quioto significa impor fardos horríveis à "economia", que, como se sabe, é uma senhora de parcos recursos (recursos limitados), ajoujada já pelos impostos e coisas que tais.

Tolice, o que é preciso é mudar de economia. Não me canso de pensar(é tão fácil, bonito e barato pensar) que o ciclo da floresta pode ser a nossa salvação. Primeiro, plantar florestas. Mas não basta. Segundo, para que uma floresta funcione como poço de anidrido carbónico, é preciso não a deixar arder, nem deixar que, doutra forma, mais "natural", digamos, as plantas e as árvores retornem rapidamente ao ar sob a forma de anidrido carbónico (depois de se decompor a sua biomassa). Logo, impõe-se paralelamente o reaproveitamento das madeiras, por exemplo para construção: isso significa mais umas dezenas de anos para a madeira ficar sobre a terra a sequestrar o carbono; e há imensas utilizações para as madeiras. Terceiro, a biomassa da floresta deve ser reaproveitada, mesmo a que se decompõe, antes de se transformar definitivamente em anidrido carbónico: uma parte para enriquecer a terra, como adubo (poupando assim as emissões de anidrido carbónico das fábricas de adubo), outra parte para produção energética (poupando assim petróleo). Quarto: é possível produzir comida na floresta e sem utilização de adubos, tractores e coisas que tais...

Numa palavra, uma economia poética, não pautada pelo lucro, mas pela nossa ligação mais íntima à mãe terra e aos seus ciclos por assim dizer vitais.

15.2.05

Post Scriptum # 494 outra vez em forma de teaser.



O pó que mal nos atinge, um sonho regado a gasolina, a terra que cheira a terra, uma porta de água desnorteada que não sabe o que fazer a tanto sol em cima, os que nem por um beijo interrompem a comezaina e aquele vulto por acabar que está em nós a tentar falar-nos.

Tudo isto e muito mais, em breve neste blogue.

Post Scriptum # 493

A não perder: seis poemas de Reiner Kunze, em tradução inédita da Ana.

NOCTURNO

Sono, tu não vens

Também tu tens medo

Nos meus pensamentos vislumbras
o sonho dos teus
assassinos.


Recorde-se que de Reiner Kunze há ainda um poema neste blogue e um livro de 1984, editado pela Paisagem Editora, com traduções de Luz Videira e Renato Correia.

Post Scriptum # 491



A GIESTA OU A FLOR DO DESERTO (excerto)
Giacomo Leopardi

Que sentimento
Ó triste raça dos mortais, que pensamento
A teu respeito me há-de assaltar o coração?
Não sei se o riso ou a piedade prevalece.

Tradução de Albano Martins.

qual moto allora,/ Mortal prole infelice, o qual pensiero/ Verso te finalmente il cor m'assale?/ Non so se il riso o la pietà prevale.

Post Scriptum # 490



Jardim de Inverno do S. Luiz. Um final de tarde agradável. Lançamento do livro "1001 razões para gostar de Portugal" (Texto Editora), de José Carlos Abrantes, actual provedor do leitor no DN.
Na mesa, para além do autor, estiveram a cientista Maria de Sousa, a jurista Maria José Morgado, a estudante Ana Jones, a escritora Inês Pedrosa e Teresa Ricou, a responsável pelo Chapiteau (ou Chapitô?). Tive uma "branca".
No palco, a cantora de jazz Maria Viana, mais dois amigos (piano e contrabaixo). É que Maria Viana foi a razão número 55. E levou o número tão a sério que até compareceu com dois brincos em forma de 5. "Maria Viana, uma portuguesa que canta jazz".
E cantou "Basin' Street Blues", "Blues in the night" e "Let the good times roll". Bem, como era de esperar, apesar de não ter microfone.
O livro abre com Afonso Henriques ("D. Afonso Henriques e todos aqueles que, desde o século XII, batalharam para preservar a independência de Portugal") e fecha com os aeroportos internacionais ("que nos permitem partir para ver e sentir outras 1001 coisas boas de cada país visitado").
A coragem de editar um livro a dizer bem de Portugal foi mesmo tema da entrevista a José Carlos Abrantes na RTPN, ele que foi inspirado a escrever pelo "1001 razões para gostar do Brasil", obra que descobriu numa livraria do outro lado do Atlântico, tendo ficado cliente das paragens tropicais.
E se José Carlos Abrantes quis homenagear as mulheres portuguesas, chamando só senhoras para a mesa, a escritora Inês Pedrosa lá confessou que os homens portugueses "têm melhorado a olhos vistos", lamentando de seguida a ausência do poeta Fernando Pinto do Amaral entre as 1001 razões para gostar de Portugal. Esclarecimento: Fernando Pinto do Amaral é um dos poetas preferidos de Inês. Que o procurou por causa disso mesmo. E a coisa acabou em casamento.
Se à tarde fui à procura de livros e fui agradavelmente surpreendido com o jazz da Maria Viana, à noite fui ao Hot Clube à procura de jazz e vim para casa ler livros. "Dei com o nariz na porta". Uma porta aberta. Mas com tanta gente dentro do Hot que não dava para entrar. Pelos bons motivos: tocava o meu amigo e extraordinário pianista Bernardo Sassetti. Bem acompanhado: Carlos Barretto (contrabaixo) e Alexandre Frazão (bateria).

Luís Graça

O Povo É Sereno #226

A poucas horas do início do debate televisivo sobre o "futuro de Portugal", que irá colocar frente-a-frente os cinco principais líderes partidários, estamos em condições de adiantar o nome do grande protagonista da noite: Irmã Lúcia.
Não se trata de uma profecia. É apenas uma vidência.

O Povo É Sereno #225

Há prazeres dos quais só é possível desfrutar durante uma campanha eleitoral. Por exemplo: ouvir o hino da Internacional, que abre os tempos de antena do PCTP-MRPP, em pleno horário nobre da Emissora Católica Portuguesa.

14.2.05

Post Scriptum #488 em forma de teaser.




Um autor que pede ao leitor para rasgar os seus poemas, uma mulher que come soluços, pessoas com profissões singulares, as palavras que se atropelam dentro do coração, o plenipotenciário bêbado nas portarias, um pacote de açucar vazio, um homem que segue pela rua cheia de gente.
Tudo isto e muito mais, em breve neste blogue.

Post Moderno #3

Verdade ou Consequência?

Acabo de assistir ao telejornal do canal público francês A2. Fantástico, uma discussão sobre o Código da Vinci, livro que não li e de que não gostei.

Toda a gente satisfeita, a editora, que fica contente com o êxito do livro (20 milhões de exemplares), um adversário do livro, que fica contente com o êxito do livro que escreveu sobre o livro, a criticá-lo (mas sublinhando que um romance não precisa de falar verdade), a editora do livro que fica contente com o êxito do livro que critica o livro que ela editou (mas sublinhando que um romance não precisa de falar verdade), e que explica que o êxito se deve à técnica americana do romance (capítulos curtos, cinco a seis páginas, com um suspense sempre no fim), a padralhada, que faz conferências sobre o livro e aproveita para falar de espiritualidade cristã (e a editora do livro e o autor do livro que critica o livro concordam que o livro enfim redespertou a espiritualidade de que tanto precisávamos, sobretudo se acolitada pela padralhada), o jornalista enfim, todo contente porque o livro enfim reanimou a indústria turística (os americanos fazem excursões a Paris para visitar os locais da intriga) e, vejam l, o Eurostar, comboio parece que Paris-Londres ou vice-versa ?

Fantástico, estimados ouvintes. E eu penso: muito bem, a ficção suspende o princípio da veridificação. Num romance, o que se passa não precisa de ter uma ligação directa e imediata ao mundo. Embora o romance canónico deva respeitar aquela máxima do Aristóteles: ser verosímil. De maneira, que, com jeito, e acertado sacrifício aos deuses do realismo, sempre se passam mensagens por baixo da mesa. É como o Santana Lopes que deus tenha: não diz, insinua. Não sei se estão a ver? Ele, quando fala de colos, fala de colos metafóricos: colos de agências de publicidade, colos de jornalistas, todos os colos, menos os do útero, fazem favor.

Porra, já estou a descarrilar.

Embora, vá, pronto, para gáudio da plebe aqui vai a revelação:

O Priorado de Sion

Esperamos agora que FMV zurza como deve ser esta reanimação dos mitos anti-semitas, APESAR DO EVIDENTE ÊXITO DE LIVRARIA e, portanto, de mercado. É que, sabem, este tipo de literatura atrai as jovens almas e as menos jovens para a leitura, o que, nos tempos que correm, já não é mau: salva o mercado editorial da bancarrota, não é assim?

O Povo É Sereno #224



"Vem-se ao Porto e fica-se com a certeza de que o povo quer a maioria absoluta", gritou Sócrates, ontem, na Ribeira. Eu vivo no Porto e ainda não tinha reparado nisso. Ou sou eu que ando muito distraído ou os "banhos de multidão" têm feito mal à saúde do líder socialista. No Porto, o "povo" costuma dizer que banhos a mais dão cabo da pele.

Post Scriptum # 487



Giacomo Leopardi
(Itália, 1798-1837)

Natureza humana, como podes,
Tu, que és tão baixa e frágil,
Que és sombra e pó, sonhar tão alto?
E, se alguma nobreza também guardas,
Como podem teus mais dignos
Pensamentos e emoções tão facilmente
De tão baixas causas provir e extinguir-se?

Excerto de "Sobre o retrato duma bela dama esculpido no seu túmulo". Tradução de Albano Martins.

Natura umana, or come,/ Se frale in tutto e vile,/ Se polve ed ombra sei, tant'alto senti?/ Se in parte anco gentile,/ Come i più degni tuoi moti e pensieri/ Son così di leggeri/ Da sì basse cagioni e desti e spenti?

Post Scriptum # 486



Dizia o poeta Pessoa que "o melhor do mundo são as crianças". E se ele tivesse nascido uns anos antes, a sua opinião seria certamente partilhada pela Condessa Erzsébet Báthory, uma húngara sanguinária que "despachou" mais de 600 moçoilas, nos idos do século XVI, tendo morrido no dealbar do século XVII. Ela queria sangue virgem, para manter a juventude. Banhava-se em sangue. E não tinha nenhuma espécie de pudor moral. Era tão fria como frias eram as terras húngaras.
Fui despertado para "Erzsébet Báthory, a condessa sanguinária", de Valentine Penrose (Assírio e Alvim) pela crítica feita no "Mil Folhas", do Público. E por acaso feita por uma donzela, que se dispensou de citar certas partes do livro, devido à crueza do assunto.
Dei um salto ao King Triplex para ver "A Mãe" e aproveitei para comprar o livro, que me foi localizado por mão amiga. Neste caso, o Pedro Serpa, que mais intimamente lida com os livros da Assírio e Alvim. Cheguei a casa e pus-me a ler as rubras páginas do livro de estreia da colecção Beltenebros. Talvez a parte negra do coração me tenha sugerido uma metodologia de leitura: sempre a saltar até chegar até às cenas de tortura.
No entanto, nem só da bela Erzsébet fala o livro. A obra faz um paralelismo bastante profundo com um senhor francês que viveu no tempo de Joana D'Arc: Gilles de Rais.
Curiosa coincidência. Em autêntica "rave" de leituras de BD nos últimos dias (a privação dá muitas vezes em overdose) consumi desenfreadamente três livros da colecção Jhen (Jacques Martin e Pleyers). Em dois deles, o número 1 (L'Or de la mort) e o 3 (Les Écorcheurs) Gilles de Rais é personagem em destaque. Mas o que fica nas entrelinhas nos álbuns de BD é bem definido no livro de Valentine Penrose: Gilles de Rais "despachou" mais de 800 rapazinhos em sete anos. Diferentemente da condessa, chorava por eles e mandava rezar missas, depois de os ter sodomizado e torturado.
A Condessa só matava meninas. Gilles de Rais só matava meninos. Os dois foram condenados. Só Gilles de Rais se arrependeu.
Na série de BD "Bois Maury" (de Hermann) o tempo das Cruzadas é retratado de forma crua e realista. As imagens acentuam os tempos difícieis, de uma humanidade com grandes pecados. Li quatro álbuns de enfiada.
Pensava eu que no nosso século XXI as coisas estavam bastante melhores, pese embora tudo o que se tem vindo a saber. A manchete do "Correio da Manhã" deixou-me atónito: "Escravo 25 anos em Quinta do Minho - O Ministério Público está a investigar suspeitas de sequestro e tortura em Coucieiro, Vila Verde, onde um homem de 30 anos vivia obrigado a trabalhar".

Luís Graça

Ilha dos amores # 132

O Centro Português de Fotografia oferece, por estes dias, mais um conjunto de exposições que merecem uma visita. Destaco "Vigovisións e I Feito Fotográfico", onde se apresenta uma excelente selecção de obras pertencentes à importante colecção do Concello de Vigo, a qual inclui numerosos trabalhos de artistas fundamentais da fotografia do século XX.


Carole Condé & Karl Beveridge, Sem Título, 1994. | Colecção do Concello de Vigo.

A mostra "Colecção Ferreira da Cunha", organizada pelo Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, que dá uma panorâmica dos primórdios do fotojornalismo português e da sua evolução ao longo da primeira metade do século XX.


Estoril, posterior a 1928, atribuída a Ferreira da Cunha

E, finalmente, a pequena exposição dedicada a Alexandre Delgado O'Neill (1959-1993), filho do poeta Alexandre O'Neill, que inclui fotografias, desenhos, fotomontagens e vários projectos daquele autor.


Alexandre Delgado O'Neill, Isto não é um Auto-Retrato.

Ilha dos amores # 131

Para quem não conhece a obra de Alexandre Delgado O'Neill, o texto de Maria do Carmo Serén no folheto da exposição oferece algumas pistas:

"Há por aqui, nesta selecção de uma vida breve, diversos caminhos e muitos ensaios, marcando a vereda tortuosa de um autor plástico que escrevia e também trabalhava em design gráfico. (...) Inquietações onde perpassam ecos de vanguardas familiares, que já destruíam o espaço clássico da composição e a lógica do consenso e, ainda o tributo à desconstrução do seu tempo, esvaziando de sentido iniludíveis geometrismos modernistas da estruturação do olhar.
Porque, antes de tudo, como sistema ordenador de uma opção pela imagem, define-se aqui um olhar fotográfico. Que formaliza instantes subjectivados quando em reportagem directa e humanista, que ordena sombras de objectos iluminados ou desestrutura o real pela carga simbólica do indizível, possibilitando-nos a libertação do constrangimento da banalidade do quotidiano."

Absolutamente esclarecedor, não é? De qualquer maneira, é natural que alguns leitores mantenham ainda algumas dúvidas sobre o "contexto temporal de desprendimento pelo pretérito e por uma realidade em suspensão crítica" presentes na obra deste autor. Por isso, o melhor a fazer é ver a exposição.

11.2.05

Post Scriptum # 485



Pinto. Rebelo Pinto. Margarida Rebelo Pinto.
Miss Pinto, para os amigos.
Escritora e missionária.
Ou melhor, missionária e escritora.
Eu não invento nada, por Toutatis! Está tudo na revista "Dinheiro", número 7, de Fevereiro de 2005. Miss Pinto é capa de revista sobre "cacaus" e outras minudências financeiras.
Diz ela a páginas 15, último parágrafo e vira a folha: "Queria quebrar barreiras, fazer algo de diferente, mas essencialmente ambicionava pôr as pessoas a ler. Principalmente a minha geração. Senti que essa era a minha missão".
E diz mais, muito mais. Volta atrás à página 15, se faz favor: "Um dia olhei para a minha vida e pensei: não é nada disto que desejo. Aos 40 anos ambiciono ter uma casa com jardim onde me possa sentar a escrever livros. Rodeada de cães e de crianças".
Permita-me um conselho, Miss Pinto, em nome das crianças: escolha Retrievers Doirados, são óptimos para as crianças. E não as ensine a ler directamente dos seus livros. Comece com Astérix, Tim-tim, depois Lucky Luke. Depois, serenamente, deixe-as descobrir o "Não há coincidências", uns números antigos das crónicas para a defunta "Se7e", uns números mais actuais da "Maxmen". Talvez mesmo das crónicas dominicais do "JN". É menos brusco.
Não caia na asneira de as ensinar a ler com "Alma de pássaro", enquanto rosna um Pittbull ou um Mastim Napolitano. É demasiado perigoso.
Resta-me descrever a capa da revista: Miss Pinto em estilo "heroin chic". Chic a valer, diria Dâmaso Salcede. "Fauteil" azul, a combinar com as riscas do vestido. Sapatos de camurça abiqueirada a condizer com o fundo da capa da revista. Abertura de pernas a cerca de 45 graus, sugerindo um triângulo isoscelamente escaleno. Cabelo cuidadosamente dialéctico: penteadamente despenteado. Tronco inclinado para a frente, numa posição de quem se dá ao "receptor imagético" da capa. Pequeno vislumbre dos seios reverente e levemente erótico, com um toque de tabasco utópico.
Olhar vidrado, como se tivesse a data do fuzilamento marcada. Olhar perdido no fado português. Olhar deprimido, como convém à literatura digna. Braços cruzados sobre as pernas, ao estilo de patas de Retriever doirado, deitado no jardim, rodeado de crianças, depois da brincadeira. Embora sem língua de fora.
Este é o meu olhar da capa. Nenhum olhar, diria o Peixoto.

Luís Graça

Umbigo #142

Descobri uma maneira de viajar de graça.

É assim: escolho um percurso. Divido-o em pequenos troços.

Depois, vou ao ViaMichelin. Para cada pequeno troço, peço o itinerário e o custo. Como o troço é pequeno, dá-me sempre "zero" (digo bem, "zero") euros de gastos.

Somo todas as parcelas de zero euros. Como todos sabem, "zero" é o elemento neutro da adição.

Portanto:

x + 0 = x.

Logo,

0 + 0 = 0.

Por iteração, verificamos que o resultado final é "zero".

q.e.d.

Señor Tallon #99

"Há muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável", gritam os Mão Morta.
Mas conseguiríamos nós respirar outro ar que não o desta latrina?, pergunta o ouvinte.

Umbigo #141

Ao inscrever-se no livro de um hotel algures em Itália, o jovem Kadlecík escreveu na coluna da idade "cem anos". Todos se fartaram de rir. Só ele sabia que não estava a gracejar.

Post Scriptum # 484

DENTES PODRES EM PARIS
Heiner Müller

Alguma coisa me consome

Fumo de mais
Bebo de mais

Morro de menos.

Tradução de João Barrento.

O Povo é Sereno #220

Poderia começar por citar o poema, profético, de Carlos de Oliveira: "Ó laranjas de oiro,/ que ventos de agoiro/ vos apodreceu?"
Poderia escrever sobre as nomeações, feitas por um governo em gestão, de agentes partidários - com qualidades pouco conhecidas - para cargos do Estado, como a de certo presidente de uma distrital laranja que, apesar dum currículo débil, não deixou de ser colocado em lugar bem remunerado da administração regional do Alentejo.
Poderia narrar as visitas interesseiras de ministros a tantos pontos deste país, nas quais - com o dinheiro dos contribuintes! - fizeram uma descarada campanha pelos partidos do Poder, enganando (?) uns e outros com promessas que nunca irão cumprir.
Poderia relembrar os boatos que têm sujado estas últimas semanas, sórdida poeira lançada para os olhos dos eleitores, talvez por quem não tem ao seu alcance outro método para esconder trapalhadas e desgoverno.
Poderia analisar certas acções de campanha que enchem pavilhões, não com a população dos locais em que se realizam, mas com "militantes" e "apoiantes" nómadas, que andam de terra em terra agitando bandeirolas, na mira de petiscos e jantaradas.
Poderia recordar a vida pública de um candidato à chefia do governo que, por onde passou, foi deixando um rasto conhecido: dívidas incompreensíveis, memórias de inconstância e de desnorte, despesas inimagináveis em propaganda e mais propaganda, consequências inapagáveis de decisões tomadas sobre o joelho e contra o bom senso, etc..
Poderia ainda apresentar os objectivos (mal calados) de alguns "barões" do actual PPD/PSD, nomeadamente o de tornar Portugal numa "imensa Madeira" (Dias Loureiro disse e Santana não deixou de apoiar). Nunca será excessivo lembrar que o governo madeirense cultiva a perseguição a jornalistas e opositores, impede a realização de direitos democráticos, exerce chantagem sobre os cidadãos e aproveita a ingenuidade das populações para se perpetuar no poder, conserva uma "zona franca" por onde se vai escoando muito do dinheiro resultante da fuga ao fisco, etc..
Poderia escrever sobre qualquer uma das realidades que apresentei. E ainda sobre a doutrina escondida de alguns partidos da extrema-esquerda, sobre os apoiantes interesseiros que existem em todas as áreas políticas, sobre a demagogia, sobre as diferenças entre uma demissão que devolve o poder aos portugueses e uma fuga para trono dourado que promove uma sucessão dinástica contra a vontade dos eleitores, sobre as consequências nefastas de políticas que mergulharam o país no desemprego, aumentaram a sua depressão e o seu desinteresse pela vida colectiva.
Poderia escrever com demora sobre tudo isto, mas resolvi traçar algumas linhas sobre o essencial. Compreendo que alguns estejam desiludidos com a acção daqueles que têm tido nas suas mãos o leme de Portugal - e que por isto não queiram votar, mostrando o seu desagrado. Entendo o desinteresse de jovens que nunca receberam uma educação cívica eficaz - e que agora viram costas à comunidade, esquecendo que poderão estar a cavar os alicerces de um país futuro mais negro. Ponho-me no lugar destes concidadãos - e percebo-os, embora não concorde com a sua atitude.
Não há santos nos partidos políticos. Temos, contudo, a obrigação de separar o trigo do joio, comparando a acção pública dos candidatos ao longo das últimas décadas, retirando-lhes a máscara que o marketing tantas vezes lhes coloca. Há que optar entre a continuidade e a esperança. Há que escolher entre seriedade de alguns e a boa disposição oca de outros. Há que optar, sobretudo, entre as políticas de um passado recente, que alguns querem aprofundar, e um novo caminho que devemos trilhar com confiança. Conhecemos os resultados nefastos destes últimos três anos de governo. Esperemos um tempo melhor, em que a vacuidade dê lugar à exigência e a consistência, em que o desnorte dê lugar a decisões fundadas no interesse colectivo.
Para isto, é preciso votar. Nada mudará se nada fizermos. Nada mudará neste país se continuarmos anestesiados e com medo de expressar livremente a nossa opinião.

Ruy Ventura

Señor Tallon #98

Há várias semanas que andamos todos a olhar para os jornais como quem olha para uma grande nuvem de fumo. Uma grande nuvem de fumo que engorda a cada dia que passa e que nos impede de ver o fogo.

Ilha dos Amores # 129



Imagem de "o Hóspede Suspeito", de Edward Gorey.
Editado pela Errata.

Umbigo #140

Passo horas no meu quarto, em esforço insano. Atiro fora quilos e quilos de jornais e revistas, para garantir a sobrevivência dos livros. Um ritual, uma angústia de sempre.
Encontro números de telefone, poemas, cartas, postais.
Há coisas que não consigo atirar fora. Numa contracapa da revista "Epicur", um fabuloso anúncio aos vinhos do Alentejo.
"Apresentamos a região responsável por vinhos marcantes, excepcionais e inesquecíveis". E mais abaixo: "Vinhos do Alentejo: mais que conhecimento: sabedoria".
O texto não é nada mau, mas do que eu gostava mesmo era chegar ao conhecimento da menina que dá o rosto ao anúncio. Alguém tem a sabedoria de me dar o seu número de telefone?
Um rosto perfeito, uns olhos azul-acinzentados de cortar a respiração, uma língua a passar pelos dentes a prometer coisas boas a Baco, uns cabelos de oiro a cair pelas costas. Atrás dela, um chaval ri-se. Está bem disposto. Não admira.
Esta miúda, com vagas semelhanças fisionómicas com Ana Kournikova, merece subir de escalão e subir automaticamente ao campeonato dos anúncios da Martini.
Sonha, Luís! É o que te resta...

Luís Graça

10.2.05

Post Scriptum # 483


Alexandre-Marie Colin, "The Three Witches from Macbeth", 1827.

Na caverna tenebrosa, na companhia das três feiticeiras, a Segunda Aparição diz a Macbeth que este não receberá a morte de ninguém "nascido de uma mulher".

Be bloody, bold, and resolute; laugh to scorn
The power of man, for none of woman born
Shall harm Macbeth.


De seguida, a Terceira Aparição promete a Macbeth que este não conhecerá a derrota enquanto a floresta não se puser em marcha contra si.

Be lion-mettled, proud; and take no care
Who chafes, who frets, or where conspirers are:
Macbeth shall never vanquish'd be until
Great Birnam wood to high Dunsinane hill
Shall come against him.


Quando os soldados atacam o castelo de Macbeth, avançam ocultos atrás de ramos que seguram nas mãos.

MALCOLM:
Let every soldier hew him down a bough
And bear't before him: thereby shall we shadow
The numbers of our host and make discovery
Err in report of us.


E aquele que mata Macbeth não "nasceu", mas foi arrancado ao seio de sua mãe.

MACDUFF:
Despair thy charm;
And let the angel whom thou still hast served
Tell thee, Macduff was from his mother's womb
Untimely ripp'd.