17.2.05

Post Scriptum # 496



Em 1898, Joseph Conrad escreve Mocidade - uma narrativa, sobre as peripécias ocorridas ao velho navio Judea, durante a sua trágica e derradeira viagem de Inglaterra para o Extremo Oriente. Um dos momentos fundamentais da narrativa dá-se quando o navio é inesperadamente sacudido por uma violenta explosão. Os tripulantes ficam "em farrapos e com a cara negra como carvoeiros, como limpa-chaminés, de cabeça tão lisa como se a tivessem rapado à navalha, mas realmente só chamuscada até à pele". O homem do leme é o único que é projectado borda fora:

"Alguém teve o bom-senso de olhar para as águas: lá estava o homem do leme que saltara borda fora sem saber como e fazia todos os esforços para voltar a subir. Gritava e nadava vigorosamente como um tritão, a acompanhar o navio. Atirámos-lhe um cabo e pouco depois já estava connosco, encharcado e muito abatido. O capitão, esse entregara o leme a outro, e de cotovelos na amurada, queixo na mão, solitário, pusera-se de olhar fixo no mar."

É sabido que certos escritores têm dons divinatórios. A mim parece-me óbvio que "Mocidade" é uma novela dedicada ao actual momento político português. Embora Conrad nunca tenha admitido isso.