11.2.05

O Povo é Sereno #220

Poderia começar por citar o poema, profético, de Carlos de Oliveira: "Ó laranjas de oiro,/ que ventos de agoiro/ vos apodreceu?"
Poderia escrever sobre as nomeações, feitas por um governo em gestão, de agentes partidários - com qualidades pouco conhecidas - para cargos do Estado, como a de certo presidente de uma distrital laranja que, apesar dum currículo débil, não deixou de ser colocado em lugar bem remunerado da administração regional do Alentejo.
Poderia narrar as visitas interesseiras de ministros a tantos pontos deste país, nas quais - com o dinheiro dos contribuintes! - fizeram uma descarada campanha pelos partidos do Poder, enganando (?) uns e outros com promessas que nunca irão cumprir.
Poderia relembrar os boatos que têm sujado estas últimas semanas, sórdida poeira lançada para os olhos dos eleitores, talvez por quem não tem ao seu alcance outro método para esconder trapalhadas e desgoverno.
Poderia analisar certas acções de campanha que enchem pavilhões, não com a população dos locais em que se realizam, mas com "militantes" e "apoiantes" nómadas, que andam de terra em terra agitando bandeirolas, na mira de petiscos e jantaradas.
Poderia recordar a vida pública de um candidato à chefia do governo que, por onde passou, foi deixando um rasto conhecido: dívidas incompreensíveis, memórias de inconstância e de desnorte, despesas inimagináveis em propaganda e mais propaganda, consequências inapagáveis de decisões tomadas sobre o joelho e contra o bom senso, etc..
Poderia ainda apresentar os objectivos (mal calados) de alguns "barões" do actual PPD/PSD, nomeadamente o de tornar Portugal numa "imensa Madeira" (Dias Loureiro disse e Santana não deixou de apoiar). Nunca será excessivo lembrar que o governo madeirense cultiva a perseguição a jornalistas e opositores, impede a realização de direitos democráticos, exerce chantagem sobre os cidadãos e aproveita a ingenuidade das populações para se perpetuar no poder, conserva uma "zona franca" por onde se vai escoando muito do dinheiro resultante da fuga ao fisco, etc..
Poderia escrever sobre qualquer uma das realidades que apresentei. E ainda sobre a doutrina escondida de alguns partidos da extrema-esquerda, sobre os apoiantes interesseiros que existem em todas as áreas políticas, sobre a demagogia, sobre as diferenças entre uma demissão que devolve o poder aos portugueses e uma fuga para trono dourado que promove uma sucessão dinástica contra a vontade dos eleitores, sobre as consequências nefastas de políticas que mergulharam o país no desemprego, aumentaram a sua depressão e o seu desinteresse pela vida colectiva.
Poderia escrever com demora sobre tudo isto, mas resolvi traçar algumas linhas sobre o essencial. Compreendo que alguns estejam desiludidos com a acção daqueles que têm tido nas suas mãos o leme de Portugal - e que por isto não queiram votar, mostrando o seu desagrado. Entendo o desinteresse de jovens que nunca receberam uma educação cívica eficaz - e que agora viram costas à comunidade, esquecendo que poderão estar a cavar os alicerces de um país futuro mais negro. Ponho-me no lugar destes concidadãos - e percebo-os, embora não concorde com a sua atitude.
Não há santos nos partidos políticos. Temos, contudo, a obrigação de separar o trigo do joio, comparando a acção pública dos candidatos ao longo das últimas décadas, retirando-lhes a máscara que o marketing tantas vezes lhes coloca. Há que optar entre a continuidade e a esperança. Há que escolher entre seriedade de alguns e a boa disposição oca de outros. Há que optar, sobretudo, entre as políticas de um passado recente, que alguns querem aprofundar, e um novo caminho que devemos trilhar com confiança. Conhecemos os resultados nefastos destes últimos três anos de governo. Esperemos um tempo melhor, em que a vacuidade dê lugar à exigência e a consistência, em que o desnorte dê lugar a decisões fundadas no interesse colectivo.
Para isto, é preciso votar. Nada mudará se nada fizermos. Nada mudará neste país se continuarmos anestesiados e com medo de expressar livremente a nossa opinião.

Ruy Ventura