22.2.05

Post Moderno #3,14

RIP HST

"When the goings get weird, the weird get going."

Morreu ontem o Hunter S. Thompson, fundador do "novo jornalismo" que consistia em ir pedrado para as reportagens e falar imenso dele próprio. Chegou a andar com o Nixon (esse rufião como ele dizia) no mesmo carro a pretexto de reportagens. Dele dizia não sei quem que corria o risco de cair no bom gosto.

O Público traz notícia onde se diz o seguinte:

"O escritor e jornalista norte-americano Hunter S. Thompson, ligado nos anos 60 e 70 à criação do "novo jornalismo", suicidou-se na noite de domingo na sua quinta fortificada no Colorado, EUA. Thompson, de 67 anos, postulava que o autor deve tornar-se parte integrante da história que conta - terminou a sua através do disparo contra a cabeça de uma das muitas armas que possuía."

Não sei por onde lhe pegar. Os EU têm de tudo, mas mesmo nas suas personagens mais radicais há sempre um aspecto incubadora que me chateia. E aquela frase resume talvez tudo isso.

Vamos por partes. Não sei por onde lhe pegar. Bem, isto é fita, sei muito bem, só que queima. É aquela palavra "história". Eles dizem: "postulava que o autor deve tornar-se parte integrante da história que conta". Não era isso que ele dizia. Ele dizia: "O jornalista deve tornar-se parte integrante da história que conta."

Aí é que bate o ponto: na TV anglossaxónica e na portuguesa não há reportagens (palavra francesa), há histórias. Já repararam nos nossos pivots (perdão anchorpersons) a dizer: "Ontem um homem em Santo Tirso matou a sogra e três galinhas. A Sandra Vanessa tem a história." E passam à Sandra Vanessa em pseudodirecto (hoje não há hífenes pra ninguém).

Numa palavra: o jornalista conta uma história (que necessariamente é verdade, porque as histórias contam o que se passa na "realidade"). Não faz uma reportagem, isto é, não elabora os factos, não os mastiga através das palavras e das imagens para os transmitir ao telespectador. Não sei se percebem aonde quero chegar: não se questiona a linguagem: o mundo é simples, as palavras traduzem o mundo e está a andar. Assim sendo, se há dificuldade em transmitir o mundo, a culpa é do mensageiro. Daí as intermináveis glosas sobre o Politicamente Correcto (como se desde tempos imemoriais as palavras não re-velassem o mundo: "re-velassem", wink wink estão a perceber? Re, velassem)

Resultado: formulações complicadíssimas para exprimir um mundo que todos julgavam simples. Quando o que é preciso é o contrário: algumas formulações simples para resumir um mundo que é complicado. Mas pronto, já estou a divagar.

Ora, o que sucede. O Hunter S. Thompson achava que o jornalismo amaricano era uma treta com a sua mania da objectividade. A culpa só podia ser das pessoas que faziam esse jornalismo. Bastava um pouco de lata para mudar tudo. Portanto, toca de se pôr a fazer reportagens com toda a sua subjectividade, intervindo directamente na acção, numa grandiosa e jocosa salgalhada, impondo à América os desejos radicais da juventude dos anos 60. Só que a subjectividade do HST, faz favor! Ele fumava uns charros mas tinha armas em casa, era um machão furibundo e acabou por morrer disso, numa fazenda fortificada, às próprias mãos.

RIP. Abbie Hoffmann que escreveu um livro chamado "Roubem este Livro", acabou a escrever livros para crianças, antes de se suicidar, Jerry Rubin, que escreveu um livro "Do It" (sim, sim, a Nike não inventou nada), foi para corretor da bolsa antes de ser atropelado por um carro anónimo, Eldrigde Cleaver converteu-se ao conservadorismo cristão, Thimoty Leary nunca se soube ao certo se não era agente não sei de quê desde o princípio, etc. Claro, também houve os outros: os que foram mortos pelo FBI. E, bem, ainda há malta com mais substância que se manteve no balanço. Mas não eram os mais famosos na época.

Sei que esta história não tem moral. Mas o espaço que nos é dado num blogue (e talvez na minha cabeça) não dá para mais. Só queria deixar uma ideia geral da pobreza duma grande parte da minha geração. Cuja radicalidade acabou nos narizes de cera e nas gravatas das carinhas larocas da TV.

Esses emplastros que estão nos conselhos de administração a fazerem coisas muito irreverentes e prafrentex (que palavra mais fatela) são os herdeiros directos do pior que havia no radicalismo do meu tempo.

Ah! Esquecia-me de dizer: o "novo jornalismo" foi definitivamente enterrado quando, depois de importado pela "mainstream", uma jornalista do acho que New York Times, premiada com o Prémio Pullitzer e cujo nome me esquece mas não era Santana, foi desmascarada: as reportagens que fazia, perdão, as histórias que contava (nacos de realidade a cheirar mesmo a realidade), eram totalmente inventadas dentro do apartamento onde morava.