30.6.04

Pausa para publicidade.

Post Scriptum # 283



León Ferrari
(Argentina, n. 1920)

FOGUEIRA

Atearei uma fogueira
com madeira de loureiro,
de oliveira,
e da figueira que secou Jesus,
com ramos do domingo de ramos,
com os óleos que usavam para queimar os mortos,
com fogo do diabo que nunca se apaga,
com chamas de velas acesas
do dia da Imaculada Conceição.


(A tradução é minha.)

Señor Tallon #63

E ainda a propósito da crise política que se vive em Portugal, creio que vale a pena invocar um velho provérbio tripeiro: "Quando os grãos de areia estão contra as pessoas, é melhor as pessoas irem-se embora."

Ilha dos Amores #56



Gabriele Picco, "White House with a White flag", 2003.

O Povo É Sereno #122



O CONHECIMENTO E A SABEDORIA

Há bocadinho, em conversa com o grão-mestre de uma associação secreta - o Grupo Desportivo e Gastronómico de Vila Facaia - tive uma das revelações em que o país tem sido fértil nos últimos dias: o facto, "patente até às fezes" como dizia o Trevor Roper no seu livro sobre o Hitler, de que verdadeiramente realmente os membros das forças de segurança não são tão estúpidos como uma lenda maldosa tem tentado estabelecer. De acordo com o titular em apreço, pelo menos na nossa região são até muito inteligentes e bem informados: eles que até há meia dúzia de dias, por conselho ou devoção da nossa estimada Manuela F. Leite increpavam os cidadãos com ímpeto e facúndia (hoje estou a escrever cá com um garbo, não é assim?) visando aliviá-los de alguma excelsa notazita para estimular a recuperação do erário público (os ordenados dos galifões do mando) volveram-se de súbito doces, quase pacatos, com um ar de ternura nas faces amoráveis. Ou seja: perceberam, com o bestunto potente que deus lhes deu, que os ventos podem começar a soprar de outros quadrantes - e à cautela...
Tá-se a perceber, não tá-se?


Nicolau Saião

29.6.04

Concurso "Santana e Durão, tão amigos que eles são"



O Quartzo, Feldspato & Mica promove, a partir de hoje, o extra ordinário concurso "Santana e Durão, tão amigos que eles são", cujo prémio é uma fantástica viagem às Malvidas*. Para participar, basta imaginar um pequeno diálogo entre estas duas personagens e publicá-lo na respectiva caixa de comentários. O diálogo mais criativo será premiado com a dita viagem.

* Para duas pessoas e cão. Concurso nº 756367/2004, aprovado por todos os governos civis do mundo e submundo.

O Silêncio é de Ouro #103



O saxofonista Julian Adderley (1928-1975) ficou conhecido na história do jazz pela alcunha de "Cannonball" (bala de canhão), segundo parece por causa do seu apetite devorador. Talvez poucas alcunhas tenham sido tão justas como esta. Ao longo da sua carreira, Adderley demonstrou ter sempre um grande apetite por tudo o que soasse a originalidade. Ouça-se, por exemplo, este "Somethin' Else", gravado em Março de 1958, pouco tempo depois de ter entrado para a banda de Miles Davis, o genial criador de "Kind of Blue", que de resto também participa neste disco.

Raul Silva

Post Scriptum # 282

o meu cérebro
a fugir
pelo quarto
e eu, desesperado,
a correr
atrás dele.


a. pedro ribeiro

Post Scriptum # 281



Arthur Rimbaud
(França, 1854-91)

Coração meu o que são para nós os lençóis de sangue
E de brasa, e mil homicídios, e os longos brados
De raiva, soluços de todo o inferno destronando
O Estabelecido; e ainda, por cima dos destroços,

O Aquilão; e toda a vingança? Nada!... Mas não,
Nós queremos ainda tudo! Industriais, príncipes, senados:
Perecei!, pujança, justiça, história: venha tudo abaixo!
Tudo isso nos é devido. O sangue!, o sangue!, a chama dourada!

Tudo para a guerra da vingança, tudo para o terror,
Espírito meu! Há que mexer na ferida: Ah, ide-vos,
Repúblicas deste mundo! Basta de imperadores,
De regimentos, de colonos, basta de povos, basta!

Quem, senão nós, revolveria os turbilhões do fogo
Furibundo, e aqueles que nós imaginamos, irmãos?
Vamos a isso, romanescos amigos - vamos ter um gozo
Danado. Ó tropéis de fogo, chamais a isto trabalho?

Europa, Ásia, América, desaparecei do mapa.
A nossa marcha vigorosa ocupou todas as partes,
Urbes e agros! - Seremos obviamente vencidos!
Os vulcões vão explodir! E o Oceano apanhado em cheio!...

Oh!, meus amigos! - Coração meu, tenho a certeza, são irmãos:
Negros incógnitos, se nos fôssemos! Vamos!, vamos a isso!
Ó destruição! Já me sinto fremente, a velha terra cede,
Sobre mim, sinto cada vez mais que vos pertenço, a terra funde.

Não é nada! Contai comigo!, contai comigo!, sempre.

Tradução de Maria Gabriela Llansol.

Post it # 168

Para os interessados em acompanhar o que se vai dizendo na blogosfera sobre a tempestade política que se vive por estes dias em Portugal, vale a pena visitar o "CPeC - Crise Política em Curso". Trata-se de uma espécie de grande blogue colectivo exclusivamente dedicado ao assunto.

Ilha dos Amores #55



Luo Brothers, Welcome to the World's Famous Brands, series #55, 1998.

28.6.04

Post it # 167



Num post recente, a Alexandra Barreto falava sobre as "histórias escondidas" que habitam os livros em segunda mão. "As dedicatórias, os marcadores esquecidos, os sublinhados esbatidos, uma flor seca ou uma borboleta que ali se decidiu guardar. (...) Por mim, gostava muito de conhecer as histórias secretas dos proprietários desses livros."
O repórter Barry Newman, do Wall Street Journal, leu o texto da Alexandra e decidiu investigar. E o resultado é realmente surpreendente.

O Povo É Sereno #121

PEDIDO MUITO INSISTENTE

Confesso: fui apanhado de surpresa pela crise. Entre viagens a Sevilha, ao meu quintal e ao cafézinho do senhor Mantéu, futeboladas e dorminhoquices, a notícia de que o esplêndido José Manuel ia para Bruxelas colheu-me como se costuma dizer com as calças na mão.
Eu não sei se ainda venho a tempo, mas queria pedir ao sr. Presidente de todos os desportistas - ele que com tanto talento tem exautorado a lamúria ou seja, os portugueses queixarem-se por lhe estarem a ir ao pacote (de reformas) - que, por favor, deixe ir o Santana a premier, como se diz na Inglaterra que ele tanto estima.
Digamos que o Santana é quase uma das minhas personagens. Tenho-o como motivo inspirador. E, ante tanto trombudo que por lá tem passado, era refrescante um tipo que nos faça rir a valer. Rir mesmo, não digo chorar. Para isso estaria o Marcelo - que também é um must a não deitar fora, com o seu cinismo de bom recorte, vivaço e espertalhaço como um miúdo de nome Figueira (o Figueirão, como a malta lhe chamava) dos meus tempos de escola que ainda recordo com saudade. E talvez nos intervalos dos conselhos de ministros ele fosse à TV a encantar-nos com as suas análises de livros. Que são de um mortal com senso de humor cair para o lado a relinchar.
Já me estão a perceber, não estão? Como é impossível fazer da política, cá no sítio, um trabalho sério e grave, por favor por favor deixemos que ela se deixe ir pelo terreno fértil da actividade circense. Devastadoramente, uma charlotada.
Santanita, el payaso riquito? Marcelito, el payaso pobrecito? Vai em espanhol, para ter um pouco mais de salero...


Nicolau Saião

Post Scriptum # 280

A não perder. Os excertos dos "Diários de Juventude" (1920-22) de Bertolt Brecht, seleccionados por Jorge Silva Melo, e traduzidos pelo próprio e Vera San Payo de Lemos, no número 10 (Março de 2004), da revista "Artistas Unidos".
Um exemplo:

Domingo, 27 de Junho de 1920.

Assalta-me por vezes a ideia de que os meus trabalhos são demasiado primitivos ou datados, pesados, pouco ousados. Procuro formas novas e experimento as minhas sensações, como os recém-nascidos. Mas depois volto sempre à ideia de que a essência da arte é a simplicidade, a grandeza e o sentimento e que a essência da sua forma é a frieza. Isto está mal expresso, eu sei. (...)

Post it # 166

Parabéns atrasados ao Alexandre do No Arame, ao Alexandre dos Espelhos Velados e à vasta equipa do Natureza do Mal. No próximo ano seremos mais pontuais.

Post Scriptum # 279



Jean Cocteau
(França, 1889-1963)

O PACOTE VERMELHO

O meu sangue transformou-se em tinta. Era preciso impedir a todo o custo essa nojeira. Estou envenenado até aos ossos. Cantava no escuro, e agora é o canto o que me mete medo. Mais ainda: estou leproso. Sabem daquelas manchas de humidade que parecem um perfil? Não sei que encanto da lepra engana o mundo e o autoriza a beijar-me. Pior para ele! As consequências não me dizem respeito. Nunca exibi senão chagas. Fala-se de graciosa fantasia: a culpa é minha. É loucura alguém exibir-se inutilmente.
A minha desordem empilha-se até ao céu. Os que eu amei existiam pendurados do céu por um elástico. Voltasse eu a cabeça? e já lá não estavam.
De manhã, debruço-me, debruço-me, e deixo-me cair. Caio de fadiga, de dor, de sono. Sou inculto, nulo. Não sei um número, uma data, um nome de rio, uma língua, viva ou morta. Tenho zero em geografia e em história. Se não fossem uns passes de mágica, corriam comigo. Além do mais, roubei os documentos a um tal J.C., nascido em M.L., no dia......, e que morreu com dezoito anos, depois de uma brilhante carreira poética.
Esta cabeleira, este sistema nervoso, mal implantados, esta França, esta terra, não me pertencem. Dão-me agonias. Sempre os dispo à noite, em sonhos. Pois aqui largo o pacote. Que me fechem num hospício, que me linchem. Quem puder que entenda. Eu sou uma mentira que diz sempre a verdade.

Tradução de Jorge de Sena.

Ilha dos Amores #54



Erwin Wurm, Looking for a bomb 2, 2003.

Post Scriptum # 278



VIAJAR COM O VICENTE

A mais bela reflexão sobre "a viagem" não a fez o tal político que deu duas vezes a volta ao planeta sem sair do escritório. Nem o tal escritor de sucesso que faz viagens - que horror! - para depois escrever buques que os interessados e os artolas irão consumir regalados. Nem sequer o estimável Xavier de Maistre, com o seu "Voyage au tour de ma chambre" que nos compraz e nos excita pela evidente convicção e o eficaz discurso literário.
De facto, quem me parece ter feito a tal superlativa reflexão que em 9 páginas arruma de vez a questão, foi mesmo Vicente Blasco Ibañez - e de que maneira inteligente, criativa, realmente lúcida e poética! Exacto, o mesmo autor de "Os 4 cavaleiros do Apocalipse", de "Sangue e arena" cinematograficamente protagonizado por um Tyrone Power novinho pero todo un hombre - o outro, em fita, tinha por lá o Glenn Ford, a Ingrid Thulin, o Charles Boyer...
O livro - "A volta ao mundo" (3 volumes) - foi publicado em Espanha, na França, nos E.U.A. faz este mês precisamente 80 anos. É pois um livro velho - como se tivesse sido escrito agora mesmo. Leiam as páginas sobre Nova Iorque, sobre a China, sobre as ilhas perdidas do Pacífico e depois venham falar comigo. Sujeito de razão e coração este Ibañez e ainda por cima um democrata de antes quebrar que torcer.
Se não encontrarem nos escaparates (saiu por cá na Liv. Peninsular Editora, em bela tradução de Agostinho Fortes) ameacem o editor de lhe ferrarem um tiro caso não reedite. Nunca uma doce ameaça faria tanto sentido.
Recomenda-se aos aventureiros/as e a todos os que souberam conservar o seu vibrante coração de criança.


Nicolau Saião

O Povo é Sereno # 118



BAIRRISTAS E FORASTEIROS


Há gente assim. Não olham para a qualidade dos Homens, para a sua experiência e verticalidade ou para as suas capacidades - mas apenas para a certidão de nascimento que, tanto quanto sabemos, não constitui atestado fiável nem de inteligência nem de competência. Há gente que prefere vinho carrascão, só porque nasceu de algumas vides enfezadas lá da terra, e rejeita um néctar divino, só porque a cepa rebentou em território que não consegue alcançar à vista desarmada. Esquecem que podemos nascer em qualquer canto, até num comboio ou numa avioneta, mas a "pátria" é assunto do coração, crescendo de uma adesão espiritual a um lugar, que tantas vezes não é aquele em que lançámos o primeiro grito. O bairrismo vale a pena quando defende com abertura de espírito e frontalidade crítica as legítimas aspirações duma colectividade. É manifestação de uma sociedade fechada e ignorante sempre que revela uma bacoca miopia, embebida em estupidez quando promove a mediocridade local só porque é local, quando recusa a crítica justa, quando é veículo de reprodução social na promoção do imobilismo e, frequentemente, do caciquismo nas suas expressões mais perigosas ou descaradas.
Exemplos contrários também existem. Há habitantes de aldeias, de vilas, de cidades e de países que vão dando bordoada na qualidade dos seus naturais, mesmo que seja notória e reconhecida fora de portas, sobretudo quando esses naturais provêm de camadas desfavorecidas (ameaçam a pirâmide social) - mas não hesitam em bajular quem vem de fora, mesmo que seja um burlão ou um vigarista, ou apenas um chico-esperto que habilmente manipula a "hospitalidade" local.
Por isto e por muito mais escrevo sem hesitações: nem forasteiros nem indígenas. Melhor dizendo: para nada me interessa o bilhete de identidade de uma cidadã ou de uma cidadão, desde que demonstre verticalidade, qualidade e competência; igual desprezo voto à naturalidade de quem se apresente medíocre ou invertebrado. Prezo quanto de bom foi e vai nascendo em Portugal ou na terra em que nasci, que tanto amo, mas com igual amor tenho no coração os frutos saborosos vindos do resto do mundo.


Ruy Ventura

24.6.04

Mensagem da Gerência.

A Gerência do Quartzo, Feldspato & Mica deseja a todos os seus sócios e amigos um excelente Dia de S. João.

23.6.04

Fly, fly, blackbird flyer.



Este fim-de-semana, o Quartzo, Feldspato & Mica vai fazer história. Pela primeira vez, um blogue lança uma campanha publicitária de promoção e divulgação dos seus produtos e serviços. Concebida pela Sophie - sim, ela mesmo -, a campanha consistirá na distribuição de pequenos flyers em vários pontos estratégicos do Porto (junto a semáforos, lojas minipreço e galerias da Rua Miguel Bombarda). Esta campanha resulta de um estudo prévio que encomendamos à Mcpherson & Friends, Inc. e que apontava para a necessidade do blogue se expandir para novos públicos e mercados emergentes.

Post it # 165

Nebraska. Essa pequena aldeia portuguesa de 381 habitantes.

Post it # 164

A onda de naturalizações está a correr mundo. O Homem-aranha, esse incontornável ícone da cultura norte-americana, vai emigrar para a Índia e, segundo parece, o processo de naturalização está muito bem encaminhado. O herói até agora conhecido por Peter Parker em breve terá apenas um nome: Pavitr Prabhakar.

Marvel is working with [Gotham Entertainment studio] to completely reinvent the whole Spiderman mythology, to remake it set in India with all the characters and villains being Indians.

Para conferir aqui.

Post Scriptum # 277

SATANÁS DIZ, de Sharon Olds.

A versão de Margarida Vale de Gato de "Satanás Diz", uma das obras fundamentais de Sharon Olds, já chegou às livrarias. Mas tudo começou aqui.

Post Scriptum # 276



William Butler Yeats
(Irlanda, 1865-1939)

POLÍTICA

Como posso eu, com essa moça ali,
Fixar a atenção
Na política russa,
Romana ou de Madrid?
No entanto, há nesta reunião
Um homem competente e viajado,
Que sabe do que fala.
E temos um político connosco
Que já muito tem lido e meditado;
Pode bem ser que eles se enganem pouco
No que afirmam da guerra e seus ameaços;
Mas ai! se eu voltasse a ser novo
E a tivesse nos braços!

Tradução de A. Herculano de Carvalho.

Ilustração: caricatura da autoria de Kate Carew (1869-1960).

Ilha dos Amores #51



"O QUE SERÁ FEITO DE O. W. FISCHER?"

Em conversa de cá para lá com Floriano Martins, vem à baila Axel Munthe. O autor de "Homens e bichos" e "O livro de San Michele", essas obras-primas. Suscito o meu irmão do outro lado do Atlântico a apanhá-los com velocidade e a lê-los mesmo pela noite dentro (como se fosse necessário sugerir...). E vem-me à memória o Munthe do cinema, o grande actor O. W. Fischer que com Rossana Schiaffino (oh, Rossana!) nos deu um "San Michele" que nos colava à cadeira do "Crisfal" da minha década dos anos 60. Moderno, espertalhão, interactivo, vou procurar Fischer nas ruas da net.
E sei que "bateu os engaços", como se diz por aqui, em Fevereiro deste aninho. Com 88. Bela idade. Na última foto, ainda com a boquilha cigarral entre os lábios.
Tenho de me deixar destas pesquisas. Prefiro ficar palonço, sem estas sabedorias descoroçoantes. Senão qualquer dia, distraindo-me e já do outro lado do espelho, ainda vou saber que fui para os anjinhos. E isso não me convinha - por enquanto, raios!


Nicolau Saião

22.6.04

Post Scriptum # 275



Nunca consegui entender as pessoas que consideram os gambozinos seres imaginários com que se enganam as crianças e, digamos, os pacóvios. O meu velhote só teve uma profissão durante toda a vida: pescador de gambozinos. E todos os seus antigos colegas de profissão são unânimes em reconhecer que foi um dos melhores. Cheguei a acompanhá-lo muitas vezes e, quando a idade lhe começou a pesar nas costas, era eu quem lançava e recolhia as redes. Ele limitava-se a dar indicações.

No entanto, admito que haja ainda muita falta de informação. Há gambozinos peixes e gambozinos pássaros. Presumo que algures no seu processo evolutivo a espécie se tenha dividido em dois ramos distintos. Seguramente os biólogos saberão explicar isso melhor do que eu. Não são animais que se reproduzam com facilidade, como os pardais ou as trutas, mas em condições normais, são bastante resistentes e duram muito tempo.

Para encerrar este assunto, acrescento apenas que a mais importante comunidade de pescadores de gambozinos ainda existente na Europa encontra-se numa pequena vila piscatória do Norte de Portugal, chamada Afurada.


Ernesto Abruzzo, Il laboratorio personale, Ed. A. Deias, Nuoro, 1984.

A tradução infelizmente é minha.

Post Scriptum # 274



Já chegou às livrarias o sexto número da "Águas Furtadas: Revista de Literatura, Música e Artes Visuais". Editada pelo Núcleo de Jornalismo Académico do Porto e dirigida pelo Rui Lage, é uma das mais eclécticas e graficamente apetecíveis revistas que se publicam em Portugal. Este número para além de vários poemas, uma pequena peça de teatro, dois argumentos cinematográficos, dois contos, uma crónica, vários ensaios, e uma evocação de J. O. Travanca-Rêgo (falecido em 2003), apresenta ainda uma excelente novidade: as partituras musicais de cinco pequenas peças de três compositores portugueses contemporâneos, acompanhadas de um CD com a respectiva interpretação. Mas há mais. No mesmo CD edita-se também uma pequena maravilha: a peça "El Mal Foco Arda", pertencente ao manuscrito musical designado como "Porto 714", que terá sido compilado por Robertus de Anglia, em Itália, no terceiro quartel do século XV, e que se encontra desde 1834 na Biblioteca Pública do Porto. Absolutamente a não perder.

Post Scriptum # 273



Hans Magnus Enzensberger
(Alemanha, n. 1929)

PARA UM LIVRO DE LEITURAS ESCOLARES

não leias odes, meu filho, lê antes horários:
são mais exactos. desenrola as cartas marítimas
antes que seja tarde, toma cuidado, não cantes.
o dia vem vindo em que hão-de outra vez pregar as listas
nas portas e marcar a fogo no peito os que digam
não. aprende a passar despercebido, aprende mais do que eu:
a mudar de bairro, de bilhete de identidade, de cara.
treina-te nas pequenas traições, na mesquinha
fuga quotidiana, úteis as encíclicas
mas para acender o lume, e os manifestos
são bons para embrulhar a manteiga e o sal
dos indefesos, a cólera e a paciência são precisas
para assoprar-se nos pulmões do poder
o pó fino e mortal, moído por
aqueles que aprenderam muito

e são meticulosos por ti.

Tradução de Jorge de Sena.

O Povo é Sereno # 117



PERGUNTEM À ALICE

"Alice - A questão está em saber o que é que queremos que as palavras signifiquem!
Humpty Dumpty - A questão está em saber quem é que manda"
in "Alice no outro lado do espelho"

Esta Alice também era fresca! Num país um pouco menos democrático que o nosso concerteza andaria vigiada ou, pelo menos, com rédea bastante curta.
Porque a sabia toda... Talvez por causa daquela brincadeira de comer um pedacinho de cogumelo e ficar grande, comer outro pedacinho e ficar pequena, tinha a experiência do alfa e do ómega e não lhe faziam o ninho atrás da orelha. Sabia o que queria e para onde ia, como o excelente botas de Santa Comba.
Aqui há dias, mediante a bela invenção que é a Net, um correspondente que decerto apanhou o meu e-mail numa coluna que mantenho num jornal teve o gosto de me escrever - e usa um nome bem sugestivo.
A seu ver, nos meus escritos pelos diversos lugares onde estaciono literariamente eu empregaria muito calão (?) e também parece que utilizo uma sistemática irrisão contra os que foram eleitos pela vontade do povo, como refere com verdade. E, finalmente, que eu não seria um cronista a valer porque falo a brincar (sic) de coisas muito sérias, percebendo-se porém ? e vou citá-lo, demonstrando que não é totalmente atoleimado - "a sua vontade de deitar abaixo as instituições democráticas". (Democráticas, para este grave cidadão, deve querer significar o regime barrosista ou portasista).
Talvez seja verdade mas quanto ao calão só acentuo que eu sou um menino de coro ao pé do Perez-Reverte (o das crónicas "Carta de Corso" do "El Semanal") e, no que respeita ao estrangeiro, podia citar-lhe um ror de cronistas que me deixam a grande distância... vernácula.
No que ao resto diz parte, apenas recordo que nos tempos de Baudelaire (um conhecido bêbado e boémio) quem os correspondentes consideravam gente séria eram pessoas como o Bouguereau e o Cabanel, que hoje jazem serenamente nas caves do Louvre. Por último, relembro-lhe que é constitucional a intenção e a vontade de "deitar abaixo" os governos, porque em democracia não existem actos literários subversivos.
Charles: anda daí tomar um absinto!


Nicolau Saião

21.6.04

Post Scriptum # 271



INSÓLITO MAS VERDADEIRO

Naquele sótão, verdadeira caixa de Pandora, encontram-se as coisas mais díspares. Desde cartas de alguns dos melhores autores quando ainda não eram famosos - e muito vos faria rir a leitura de algumas delas - até alguns trajos a carácter (uma sotaina de prior, um vestido de prima-dona, a túnica de um militar pré-republica...) há lá quase de tudo em matéria de jornais e livralhada. Há dias, numa feliz incursão, topei com um periódico lisboeta já extinto e li notícias certificadas pela excelência do seu autor, Prof. Virgolino Lumbrales, que seria uma espécie de Charles Fort do insólito luso. Um pequeno mas selecto extracto:


"O chefe da Polícia de Vilar de Filhozes, Amadeu Paciência, é um ciclope. Nascido com dois olhos, como é costume suceder, estes foram a pouco e pouco aproximando-se e acabaram por se deter a meio da testa, tinha ele 27 anos e era ainda simples agente. Ponderado o assunto que lhe fora apresentado através de comunicação de um superior, o sr. ministro do sector entendeu razoavelmente que nada obstava a que o agente Paciência continuasse na corporação e seguisse cumprindo exemplarmente o seu dever como até ali. Colocado posteriormente na brigada de homicídios, onde o seu aspecto pouco usual conseguiu um record de confissões espontâneas, subiu velozmente na hierarquia estando agora a lutar para que a sua característica visual seja considerada doença adquirida em serviço."

"O bispo italiano Romualdo Vitacelli foi anão até aos 19 anos. Um médico florentino de gabarito deu como explicação mais provável a hipótese do prelado ter antepassados pigmeus. Sua mãe, senhora muito piedosa, todas as manhãs orava trinta terços a S. Petronilho. Como consequência, talvez, Romualdo começou a desenvolver-se atingindo a breve trecho um metro e oitenta e sete. Daí em diante deu-se outro facto surpreendente: o cocoruto do adolescente ultrapassou a superfície da cabeleira, ficando com uma coroa perfeita no alto da cabeça. Tal caso inusitado foi considerado um evidente estigma miraculoso."



Pesquisa e recolha de Nicolau Saião.

Post it # 163

E a festa continua. O Tempo Dual também faz um ano. Muitos parabéns.

O Silêncio É de Ouro #97



Editado pela Blue Note, em 1965, "Maiden Voyage" foi gravado com o quinteto de Miles Davis, e prova o virtuosismo de Herbie Hancock na composição. Quase todos os temas do disco passaram a integrar o cancioneiro do jazz, de "Little One" a "The Eye Of the Hurricane", passando obviamente por "Dolphin Dance", um dos temas de culto dos pianistas de jazz. Recorrendo às palavras do compositor e multi-instrumentista brasileiro Ed Motta, este é o álbum que "influenciou todo o pessoal de soul-jazz". De audição obrigatória.

Raul Silva

Post it # 162

Alexander Boyka, recordista mundial do lançamento da frase, morreu ontem, no Hospital Central de Sofia, cerca das 19h30. As causas da sua morte ainda não foram totalmente esclarecidas, aguardando-se o resultado da autópsia que estava marcada para esta manhã. De acordo com o jornal local Dnevnik, o famoso lançador de frases búlgaro, um dos mais importantes da história da modalidade, terá deixado cair uma frase no pé direito durante um treino, tendo causado um processo fulminante e irreversível de gangrena. Os médicos ainda terão tentado amputar vários membros para controlar o avanço da gangrena, mas sem sucesso. Alguns comentadores afirmam que se poderá tratar de um estranho caso de suicídio, uma vez que a frase que vitimou Boyka estava carregada de segundas leituras e inúmeras sugestões, insinuações e mesmo acusações nas entrelinhas, apresentando por isso um peso anormalmente superior ao que é permitido pelas regras da modalidade.

Post Scriptum # 270



Manuel Hermínio Monteiro
(Portugal, 1953-2001)

Este poema de Manuel Hermínio Monteiro foi enviado a Nicolau Saião pouco tempo antes da sua publicação. E foi por este dado a lume, em Fevereiro de 81, na página literária do semanário alentejano "A Rabeca", que orientava.


ANTÓNIO MARIA LISBOA

Senhora mãe é uma escadaria de costas para o poente
as mãos no peito, "as mamas na varanda".
No passe-vite, nos brinquedos do menino
na fome do menino
Senhora mãe vai esmigalhando deus e o diabo
pela tarde fora
pelo silêncio adentro.

Um pardal poisa em frente ao sol do poema
vem do Norte
vem de trás do tempo
na Senhora mãe o pardal goteja
a loucura inominada
do nome das casas
um pardal de erva submete a primavera
em Novembro, Senhora mãe,
um pardal sem choro semeia o vendaval
parte vidros
sorri atrás da porta
chupa-te os dedos Senhora mãe
aniquila no teu vestido vermelho
o teu palácio apocalíptico
o teu silêncio de mina
as serpentinas de arame
nos teus olhos de escadaria
batendo maternalmente no poema
que um poema
é maior que um filho penteado.


Este post é o resultado de uma acção que junta o Quartzo, Feldspato & Mica e Eduardo Prado Coelho numa homenagem despretensiosa ao ex-editor da Assírio & Alvim. A acção, previamente combinada entre este blogue e o conhecido ensaísta, e que contou com a inestimável colaboração de Nicolau Saião, consiste na edição deste poema pouco conhecido de Manuel Hermínio Monteiro, acompanhado de uma crónica no Mil Folhas desta semana.
Obrigado, Eduardo, por teres aceite o nosso convite.

Umbigo # 41



À VOLTA DO MEU OUTRO NOME

Quando o Rui Amaral me convidou para colaborar com o «Quartzo, Feldspato e Mica», vim espreitar a página e achei logo piada ao nome.
Além da imediata associação ao granítico Porto e do paralelo quantitativo entre os elementos que compõem a rocha e o «núcleo duro» deste blog, esta denominação exprime um paradoxo. Por um lado, vem afirmar a materialidade em oposição ao âmbito virtual da net; por outro, adivinha-se uma consciência do lugar de pertença, que se tem vindo a perder, como se esbatem as fronteiras dos particularismos, como se vão perdendo todas as referências e valores.
Neste sentido, adivinhamos neste nome, em que o fundo é torgiano e a forma Gedeão, a força bruta/ genuína e pré-histórica dum calhau, ainda que disfarçada sob a bizarria dessas palavras.
Mas se o granito pode definir um espaço, quando cinzelado e disposto numa certa ordem em parede, muro ou muralha, não impede que esse espaço tenha portas, janelas ou ameias: é o granito fluído. É este que eu prefiro, é o granito das trocas, num mundo de intransigências, detonadoras de guerras( e não justifiquemos nenhuma!).
Chamo-me André Martins e oxalá que a minha colaboração seja «especial» e dentro do espírito daquelas palavras. Até já.


André Sousa Martins

18.6.04

Cimbalino Curto #95

Para quem gosta do Porto, a referência, surgida ontem no Abrupto, ao fadista tripeiro Neca Rafael é absolutamente impagável. Segundo parece, Neca Rafael era uma espécie de versão portuense do Alfredo Marceneiro, e frequentador habitual das famosas noites longas do Café Luso. O seu fado mais popular, de acordo com Pacheco Pereira, era "Já estás c'os copos", e a letra é realmente do outro mundo. Para conferir aqui.

Adenda:
Entretanto, e através de um depoimento publicado no Museu da Pessoa, descobri que Neca Rafael vivia em Lavadores, Vila Nova de Gaia.

Señor Tallon #62

Falando-se da História, alguém pegou num punhado de terra e disse: "Eis tudo o que sabemos da História Universal. Mas isto sabemo-lo, vemo-lo; pegamos-lhe; agarramo-lo bem nas mãos."
Que veneração nestas palavras!


Francis Ponge.

Vai no Batalha # 21



Sim, somos uns desleixados. Só ao fim de dois dias é que publicamos algo sobre a gloriosa prestação portuguesa no Campeonato Europeu de Futebol. Um atraso altamente condenável do ponto de vista patriótico. Mea culpa, mea culpa. Mesmo assim, arriscamos uma breve referência sobre o assunto, em forma de homenagem. Até porque depois do jogo de quarta-feira, dissiparam-se todas as dúvidas em relação às excelentes marcas que a selecção de todos nós está a deixar pelos relvados deste Europeu. Esta é, pois, a nossa forma de homenagear esse irrepreensível grupo de patriotas cujo contributo para elevar a nossa auto-estima está a revelar-se inestimável. São estes os nomes que estão a conduzir o nome de Portugal mais longe:

Ricardo Luziaves Pereira
Fernando Hyundai Couto
Nuno Periscope Maniche
Tiago Sumol Mendes
Rui Pepsi Costa
Cristiano Espírito-Santo Ronaldo
Luís Galp Figo
Anderson de Sousa City Desk Deco
Simão Sacoor Sabrosa
Nuno McDonald's Gomes
Pedro Terra Nostra Pauleta

Luís BPN Scolari (Mister)

Viva Sagres! Viva Portugal!

Umbigo # 40



SANTA SIMPLICIDADE

Sou pessoa de hábitos simples, práticos e vulgares. Dantes, nos tempos do pântano, em que o país esteve quase a perder a sua independência (de espírito) e se atravessou uma violenta crise (de reumatismo), contentava-me em ir a uns humildes restaurantes e a comer uma pescadita frita com salada e aos supermercados onde nunca me senti a ofender o progressismo e as Musas ou apenas a qualidade da vulgar inteligência.
Mas sou de facto pessoa de hábitos simples. Afável, quotidiano e, acima de tudo, ornamentado com uma simpática modéstia, até creio convencional e burguêsmente que o uso do cartão é importante, coisa que defendo ante os mais sofisticados. Permite-nos uma facilidade de movimentos que dantes não havia. Permite-nos comprar coisas que muitos não compram. Permite-nos chegar ao fim do mês sempre com algum dinheiro na carteira. Vejam lá se o cartão não é importante!
Multibanco? Mas qual Multibanco? Não estou a perceber bem?
Eu estou a referir-me é ao cartão de membro do Partido!


Nicolau Saião

17.6.04

Pausa para a Publicidade



Excepcional. A mais recente campanha de imprensa do jornal l'Humanité, desenvolvida pela agência Leg, de Paris. Além deste, há ainda mais três anúncios. Este, este e este.

Post Scriptum # 268



Mário Henrique Leiria
(Portugal, 1923-1980)

ORIGEM DOS SONHOS ESQUECIDOS

Entre a bicicleta e a laranja
vai a distância de uma camisa branca

Entre o pássaro e a bandeira
vai a distância dum relógio solar

Entre a janela e o canto do lobo
vai a distância dum lago desesperado

Entre mim e a bola de bilhar
vai a distância dum sexo fulgurante

Qualquer pedaço de floresta ou tempestade
pode ser a distância
entre os teus braços fechados em si mesmos
e a noite encontrada para além do grito das panteras

Qualquer grito de pantera
pode ser a distância
entre os teus passos
e o caminho em que eles se desfazem lentamente

Qualquer caminho
pode ser a distância
entre tu e eu

Qualquer distância
entre ti e eu
é a única e magnífica existência
do nosso amor que se devora sorrindo.

(1949)


Publicado, inédito, por Mário Cesariny na revista "MELE - International Poetry Letter", revista de Honolulu dirigida por Stefan Baciu cujo número de Março de 81 foi integralmente dedicado aos poetas surrealistas portugueses.

Nicolau Saião

O Povo é Sereno #115

O Ministério da Educação confirma: a expressão "responsabilidade política" não existe na língua portuguesa.

16.6.04

Post it # 160

E ainda a propósito do centenário do Bloomsday, o excelente Arts & Letters Daily seleccionou um conjunto de ligações que funcionam como uma espécie de pequena biblioteca joyceana. A não perder.

Post it # 159



O Francisco faz hoje um ano. Muitos parabéns.

O Povo é Sereno #114



AH! QUE BELEZA!

Por influência do Morot, que achava o meu trabalho pouco fino, mudei de emprego. Sou, agora, bookmaker. Para quem não saiba, angariador de apostas. Trabalho com gente um pouco dura e que de vez em quando é alvo de coscuvilhices por parte dos chuis. Não importa - é trabalho gratificante, dá gosto, sentimo-nos realizados, conhecemos gentes diversas, da política às artes (teatro, falsificação de quadros, futebol...) e as senhoras olham-nos com um relanceio romântico. Sente-se que estou a realizar-me? Pois é isso mesmo, perceberam-me na perfeição.
E tenho muita saída, como costuma dizer-se. Talvez porque me especializei numa modalidade de apostas que está a fazer furor entre a gente de qualidade: a de acertar em qual o próximo político a ir preso por malfeitorias diversas ou, em ramo subsidiário, qual o político que terá parente a contas com a lei (o caso de primos abonados na Suíça já não é facturável).
Poderão dizer-me: é fácil fazeres carreira, o país e os tratantes da coisa pública (a res publica, não sei se me entendem) facilitam-te a bela vida. E é verdade, mas queriam que deitasse a sorte às urtigas?
Vai uma apostinha?


Nicolau Saião

Post Scriptum # 267

Grande efeméride do dia.



Para assinalar os cem anos do Bloomsday, o Quartzo, Feldspato & Mica tem o orgulho de publicar uma carta quase inédita de James Joyce. Trata-se de uma breve missiva que nos foi gentilmente cedida por Clara Obligado e Angel Zapata, na qual o autor de "Ulisses" felicita Nora pelas suas peculiares qualidades pessoais. Caras leitoras e caros leitores: James Joyce na primeira pessoa e quase em exclusivo, aqui no Granito.

8 de Dezembro de 1909
44 Fontenoy Street, Dublin

Minha doce, pequena, lasciva Nora, fiz o que me disseste e bati duas punhetas enquanto lia a tua carta. Sinto-me entusiasmado por saber que gostas que te fodam pelo cu. Agora, inesperadamente, posso mencionar aquela noite em que te fodi tantas vezes por trás. Nunca passei contigo um serão de foda com mais merda, querida. O meu caralho esteve enterrado em ti durante horas, entrando e saindo pela parte inferior do teu cu levantado. Sentia uns grossos e suados presuntos debaixo das minhas bolas e via a tua cara ruborizada e os teus olhos febris. A cada estocada minha, a tua língua febril brotava ardente por entre os teus lábios e, se a estocada era mais enérgica que de costume, soltavam-se por detrás peidos fortes e imundos. Tinhas o cu peidão naquela noite, querida, e fui arrancando-os, gordos eles, impetuosos, rápidos, miúdos, alegres petardos, e muitos peidos pequenos e desobedientes que acabam num prolongado balbuciar do teu buraquinho. É maravilhoso foder uma fêmea que se peida e se a cada investida lhe arrancas um peido. Julgo que reconheceria os peidos de Nora em qualquer parte. Ruído juvenil, não como essas bufas húmidas que, suponho, darão as gordas casadas. Repentino, seco e hediondo, como o que uma rapariga descarada daria à noite para se divertir no dormitório de um internato. (...)
Dizes que mo chuparás quando regressares, e que queres que te coma a cona, malandrinha depravada. Espero que me surpreendas numa altura em que adormecer vestido, te aproximes com fogo de puta nos teus olhos sonhadores, desabotoes a minha braguilha botão a botão, exponhas com amabilidade o vigoroso pássaro do teu amante, o introduzas na boca húmida e o chupes até ficar grosso e teso teso e se venha na tua boca. Também eu te surpreenderei adormecida, levantar-te-ei a saia, abrir-te-ei os calções ardentes, deitar-me-ei ao teu lado e começarei a lamber sem pressas a tua pentelheira. Estremecerás inquieta quando lamber os lábios da cona do meu amor. Gemerás, resmungarás, suspirarás e peidar-te-ás de prazer nos teus sonhos (...)
Boa noite, Nora, pequena peidorra, malandrinha, desvairada. Há uma palavra adorável, querida, que sublinhaste para que pudesse bater uma punheta mais à vontade. Escreve-me mais coisas desse estilo e também a ti, com doçura, com merda, com mais merda.

James Joyce

Post Scriptum # 266



Pequena efeméride do dia.

Hoje, há não sei quantos anos, o Sr. Paul Vian, pai de Boris Vian, Bison Ravi, Hugo Hachebuisson, Vernon Sullivan e talvez mais dois ou três rapazes, passa por um revês calamitoso nos seus negócios na Cochinchina. Na sequência desse desastre Paul Vian vê-se obrigado a alugar o seu palacete de Ville d'Avray e a morar na casa do porteiro. E o inquilino que arranja não é "um qualquer": é o Sr. Menuhim, pai do futuro grande violinista Yehudi Menuhim, nessa altura a brincar em relvados e apenas um menino gordo.

15.6.04

Post Scriptum # 264



No meio do calor que nos tolhe os movimentos e das arrelias da avaliação final numa escola que gosta de nivelar por baixo, ler a tradução de Manuel Resende do magnífico livro de Odysséas Elytis, "Louvada Seja" ("Áxion Estí"), na Assírio & Alvim, é um refrigério para a alma. Algumas partes tocam-me particularmente:

"'A paz requer força que a suporte', disse / e rodando sobre si mesmo com as mãos abertas semeou / verbasco açafrão campainhas / toda a espécie de estrelas da terra // puncionadas numa das folhas para marcar a sua origem / a excelência e a força" (pp. 14/15)

"(...) agora que conheces a leitura / hás-de aprender muitas coisas / se assimilares o insignificante" (p. 17)

Ou o poema da página 41. Entre muitos outros...


Ruy Ventura

Post Scriptum # 263



POEMAS DE ÍNDIOS NORTE-AMERICANOS (2ª Parte)

Somos as estrelas, entoando
Um canto com a nossa luz.
Somos os pássaros de fogo
Voando pelos espaços.
O nosso brilho é uma voz
Que traça o caminho aos espíritos
Para que eles possam passar.
Entre nós três caçadores
Procuram caçar um urso.
Nunca houve tempo algum
Em que eles o não caçassem.
Do alto olhamos os montes
E é esta a canção das estrelas.

(Algonquins)


No tempo da morte
Quando eu vi que a morte me procurava
Fiquei espantado. Tudo se destroçava.
A minha casa
Tristemente tive de a deixar. Olhei para longe
Enviei o meu espírito para norte
Para sul, leste e oeste, tentando escapar à morte.
Mas nenhum lugar encontrei
Já não havia caminho de fuga.

(Luiseño)


Tradução inédita de Nicolau Saião a partir de poemas arrolados por David Hurst Thomas e Richard White, e incluídos em "The Native Americans".

Post it # 158

O Mistério da Saúde adverte: a abstenção prejudica gravemente a saúde e a dos que o rodeiam. Mais: a abstenção mata.

O Povo É Sereno #112

OS PRAZERES DA DEMOCRACIA

São, por exemplo, podermos andar na rua de popó sem que o polícia arbitrariamente nos venha incomodar ou enxovalhar. Para isso terá de ter autorização do comandante, que por sua vez a haverá de obter do senhor ministro do ramo.
Outra das benesses da democracia é, também por exemplo, uma pessoa escrever coisas num órgão de informação a desancar o governo sem que seja de imediato presa, limitando-se o mesmo organismo oficial, talvez, a colocar-lhe o telefone sob escuta ou eventualmente a discriminá-lo no emprego.
Outro dos inefáveis prazeres da democracia é uma pessoa pagar - e pagar muito, muitíssimo - para os cofres do Estado, mas saber que isso vai ter aplicações positivas: melhorar a qualidade de vida (de gestores), cifrar as justas benesses que os governantes auferem, transformar a nação num progressivo e agradável jardim (não estou a aludir ao sr. Dr. Alberto João).
Por agora ficamos por aqui. E, se não houver azar, por ali. Ou até mesmo por acolá.


Nicolau Saião

Post it # 157

Um Sítio do Arco-do-Carvalhão. Este blogue é mesmo a não perder. O do Bar A Barraca.

O astro húngaro austro-húngaro regressa a Lisboa, depois de um dia em Buda e uma noite em Peste. Changuito vem ao nosso bar para dar a conhecer o seu mais recente trabalho: "Irmã Lúcia, Eusébio, Rosa Lobato Faria e Richard Clayderman, os Pilares da Minha Formação", um ensaio prático sobre Poesia Miraculosa e Futebol Musical. Uma noite em que, não querendo prometer nada, é possível o aparecimento de um Ovni, um apontamento épico de Vasco Gato, uma chuva dourada e um momento dançante a cargo de Ramalho Eanes. Palavra Passe: "Se isto é poesia, eu sou barbeiro e de Sevilha..."

[Via Epicentro]

14.6.04

Post Scriptum # 261



"Antologia pornográfica" reúne os mais clandestinos, escabrosos e proibidos poemas escritos na língua portuguesa, do século XVII ao século XXI. Dos célebres aos inencontráveis, dos esquecidos aos até agora inéditos. Neste livro encontram-se as obras-primas da poesia pornográfica - não erótica, mas explicitamente pornográfica - do nosso idioma.

Acaba de sair... Mas apenas no Brasil. São 173 poemas, colhidos por Alexei Bueno entre autores portugueses e brasileiros, de Gregório de Mattos (1636-1695) a Glauco Mattoso, poeta brasileiro contemporâneo. Para conferir e encomendar aqui.

O Silêncio É de Ouro #92



Durante a década de 60 surgiu pelo menos um disco que pode ser considerado realmente revolucionário: "Free Fall", do clarinetista Jimmy Giuffre. Acompanhado por Paul Bley, no piano, e Steve Swallow, no baixo, Giuffre abriu, com este disco, novas perspectivas para o jazz, importando para o seu campo as descobertas e ensinamentos de vários compositores clássicos contemporâneos como Milhaud, Stravinsky ou Messiaen. Na época, esta experiência foi muito mal recebida e o trio dissolveu-se pouco depois da saída do disco. E hoje? Seremos capazes de o receber e compreender melhor?

Raul Silva

O Povo É Sereno #111

Já sairam as novas listas de graduação do concurso de professores.
Depois da porcaria anterior, a opinião dos docentes é esta: a trampa não é tanta, mas o mau-cheiro é o mesmo.


Ruy Ventura

Post Scriptum # 260



POEMAS DE ÍNDIOS NORTE-AMERICANOS (1ª PARTE)

Todo o sudoeste é uma casa
Feita de penumbra. Foi feita de pólen
E de chuva. A terra é antiga e durará
Para sempre. Há muitas cores nas colinas
E na pradaria e uma vegetação sombria
Cobre a montanha ao longe. A terra é fértil e forte
E a beleza enche tudo à nossa volta.

(Pueblos)


Saiu a lua, branca como a folha do machado
E o meu machado é uma lua pequena
O sangue do alce brotará sob a lua
Unirá a lua grande e a lua pequena
E o fogo da vida será como um sol
No coração dos caçadores.

Machado, agradeço-te o fogo da vida
Alce, agradeço-te o fogo da lua
Da grande e da pequena lua
Vê que vais viver para sempre no nosso coração
E serás o sol e as pequenas luas
Grandes como o fogo que circula
No interior da floresta.

(Ojibway/Chipewa)

Tradução inédita de Nicolau Saião a partir de poemas arrolados por David Hurst Thomas e Richard White, e incluídos em "The native Americans".

Bom dia.
São 9h00 no Continente e Madeira, 8h00 nos Açores, 3h00 em Nova Iorque, 5h00 no Rio de Janeiro e 11h00 em Moscovo.
Está a ler o Quartzo, Feldspato & Mica.
A gerência agradece a preferência.

Post Scriptum # 259

Wu Ki
(China, Séc. XVII)

O cavalo sedento bebe de qualquer água,
o pássaro faminto come de qualquer grão.
Ao homem novo e forte que a miséria acossa,
que outra cousa lhe resta senão tornar-se bandido?

Tradução de Pedro da Silveira.

13.6.04

Mensagem (patriótica) da Gerência

Na sequência da derrota da selecção de futebol, a gerência do Quartzo, Feldspato & Mica vem por este meio solidarizar-se com o "grupo de trabalho" e apelar a todos os patriotas para que mantenham a calma. Ainda não é o fim. É apenas o seu princípio. De resto, o grande líder patriótico Scolari já fez a necessária comunicação ao país e assegurou que o "grupo de trabalho continua unido". E, como sabemos, esse é o melhor sinal de que a vitória é possível, porque só a união faz a forca.
Caros leitores, neste momento tão difícil para a nossa querida pátria vale a pena evocar Churchill, esse grande estadista das frases célebres, e lembrar a sua mais importante divisa: "a esperança é a última a nascer."

11.6.04

Umbigo # 39



Notícias do bloqueio.

Finalmente, recebemos notícias do nosso Manuel Resende (sim, já se passaram três meses). E estamos em condições de assegurar que, apesar do seu exílio entre os campos, o Manel encontra-se bem de saúde e recomenda-se. A notícia chega-nos através do nosso Nicolau Saião. Segundo parece, os dois estiveram em amena cavaqueira, à volta de uma agradável, e presumo que perfumada, "sopita de espinafres". Conclusão: estes homens são uns traidores! A nós, aqui no Porto, só nos resta ficar a ver os jipes passar... a caminho do Alentejo.
Eis o relato detalhado dos acontecimentos:


A VISITA DO "FILHO PRÓDIGO"

Neste caso, o nosso Manuel Resende!
Pelas 5 da tarde de transanteontem o telelé tocou e era o Manel que me anunciava de rompante que ia partir de Santarém para me tributar uma visitinha. Daí a hora e picos já cá o tinha, que o Manel usa um bólide todo o terreno que se desenrasca muito bem.
Vocês 'tão a ver a cena: ajudados pelo Elytis e mais trinta da confraria, nós a darmos valentemente à taramela: os surrealistas gregos, os imagistas ingleses, os modernos europeus, a espagíria e o fantástico, a agricultura índia a que ele agora se dedica. Ao aprochegar-se a hora do jantar eu assustei o Manel. Revelei-lhe a verdade: que aquilo de nos meus textinhos falar muito de acepipes e derivados é tão-só para criar nos leitores um ambiente de esfuziante boa disposição que os compense da triste vida que levam. É só encenação literária. Mas num exagero de crueldade acrescentei que cá em casa somos todos vegetarianos e ele que desculpasse mas ia comer uns iogurtes naturais acompanhados de alface, uma torta de cereja e uma sopita leve de espinafres. Durante 8 segundos desenhou-se no rosto do nosso perito em lirismo grego um ricto de terror - porque ele até detesta iogurte. Temi que me fosse desmaiar nos braços.
Felizmente o cheirinho que já vinha dos lados da cozinha fê-lo perceber tudo, tanto mais que nessa altura desmanchei-me. Com enlevo, soube então que ia degustar uma alhada de cação em estilo alentejano, além de umas coisinhas extremenhas. Preciso de pôr mais na carta?
O Manel está bem e recomenda-se. Roídinho de saudades do "Quartzo", mas agora ele é uma espécie de sioux sem cocar de penas. Sem Net, quero eu dizer. A tratar dos vegetais e envinagrado com uns coelhos que lhe raparam a produção recente.
E lá pelo fim da tarde do dia seguinte o Manel teve de partir. Mas com a consciência do dever cumprido. Quero eu dizer, já levava o grau de alentejano honorário.
Para sucintamente terminar: na altura apropriada engorlipámos uma taça de branco gelado à saúde de todos vós!


Nicolau Saião

Señor Tallon #60



Na Escócia, um em cada três jovens raramente lê por prazer e um em cada cinco considera os livros uma perda de tempo. Dados de um estudo recente cuja leitura provoca uma incrível sensação de déjà vu. Lili Caneças já comentou: "Eles até podem não gostar de ler, mas sabem vestir bem."
Para conferir aqui.

Post it # 156

Cartoon despropositadamente correcto do dia.



[Via Metrografismos]

Post it # 157



François Truffaut once argued that it's impossible to make an antiwar movie, because war invariably looks exciting onscreen. Would that the same could be said of all subjects. For example, movies can make sex itself look like the least erotic act imaginable.

Um guia dos momentos menos eróticos do cinema recente. Aqui.

Post it # 155



Uma sugestão para começar bem o dia. Com um pontapé na cara.

Post Scriptum # 258

Os grandes poetas são raros como os grandes amantes. Não bastam as veleidades, as fúrias e os sonhos; é preciso melhor: ter colhões. Aquilo a que se chama também o olhar olímpico.

(Cesare Pavese, "O Ofício de Viver", 17.11.1937).


[excerto sugerido por Ruy Ventura]

10.6.04



PORTUGAL

Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Alexandre O'Neill, Feira cabisbaixa, 1979.

9.6.04

Post it # 154

Frutos silvestres.
Um blogue que reflecte sobre o problema dos frigoríficos que vivem nas florestas só pode ser louco. Ainda bem.

Post Scriptum # 257



Arany János
(Hungria, 1817-1882)

CIVILIZAÇÃO

Nas guerras, antigamente,
não seguiam um princípio:
o mais forte ao mais fraco
roubava o que podia.

Agora, não é assim.
Mundo regem conferências.
Se mais forte faz sujeira,
reúnem-se - dão anuência.

Tradução de Ernesto Rodrigues.

Enlaces relacionados com o poema "Civilização": aqui e aqui.

Umbigo # 38



"I have a dream"...

Há anos, p'raí uns dois, que este sonho me andava a atormentar a alma. Tudo começou, sei lá, talvez numa conversa com o Albino, o meu amigo Albino Redondo, poeta alentejano, arronchense retinto e gastrónomo aplicadíssimo, ao fim duma tarde em que tratámos por tu um gaspacho acompanhado de salpicão de Arronches, tirante o tinto e as azeitonas de Santa Eulália.
Depois, busquei passar a ideia ao Ruy Ventura, que alinhou de imediato mas me preveniu de que, para além de andar entretido com outros mesteres, talvez já houvesse gente dos arredores da capital a pensar no mesmo, porque ali abundam os potenciais interessados. A certa altura, tão obcecado andava que até falava no projecto com conhecidos eventuais que nalgum café entabulavam conversa comigo. A coisa estava a tornar-se numa luta total!. Eu acreditava que era imprescindível alguém fazer alguma coisa. Porque só de palavras já nós andamos todos fartos. E se há associações de defesa do maneta e do surdo (politicamente incorrecto assim o digo), que não têm tanto peso e preponderância no corpo da Nação... Esta classe é uma classe abrangente. Em todo o lado estão - e viçosos. São o que se costuma chamar uma força viva.
Assim, coroando os meus esforços, consegui os apoios decisivos no mundo do futebol. Depois, na classe jurídica, também os que lá havia se começaram a aprochegar. Estou agora a bater o campo da política, do comércio, da indústria, do "import-export"... Tudo contactos sólidos, sem ser só conversa fiada.
E faço-o sem segundas intenções! Não me proponho ocupar qualquer cargo na nascente associação até porque creio - e modestamente o digo - que me faltam qualificações para tal. Basta-me a alegria de ter conseguido levar a bom porto os meus esforços.
Se tudo correr bem, no fim do mês a ANAPROCA, Associação Nacional para a Protecção de Canalhas será uma realidade!


Nicolau Saião