30.9.03

Correio #2

A gerência recebeu uma mensagem do nosso leitor Ricardo Bruno, com pedido de divulgação. A mensagem é esta:

Saiu no passado Sábado, na revista Única, do Expresso, um artigo de Luísa Schmidt a alertar para a degradação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Em resumo, o texto fala de certas áreas que se pretendem desanexar da reserva natural (para promoção, construção imobiliária e turismo), da inexistência de políticas destinadas às populações residentes em zonas protegidas e da incúria do Estado. Por tudo isto corre na Net uma petição ao ministro do Ambiente, recordando-lhe os direitos dos cidadãos nesta matéria. A petição encontra-se nesta morada:

http://www.petitiononline.com/sudoeste

Seria bom que em vez de chorar sobre o leite derramado (tal como aconteceu na vaga de incêndios), a sociedade civil agisse a tempo e horas e fizesse valer a sua posição. Não queremos outro Algarve. Queremos?

Cimbalino Curto #8

No Capítulo X da "Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto" (1788), da autoria de Agostinho Rebelo da Costa, podem ler-se vários apontamentos de grande interesse sobre as mulheres ilustres do Porto. Entre as histórias mais relevantes, encontra-se a de Madre Maria Vitória, religiosa no Convento de Santa Clara, que nasceu em 1601 e morreu ao cabo de 136 anos, em 1737. De acordo com Rebelo da Costa, o caso era tanto mais admirável quanto "nunca se lhe fez o cabelo branco, nem perdeu o juízo, nem se lhe diminuíram as forças, nem lhe caíram os dentes". E, segundo o mesmo autor, estes episódios eram relativamente comuns nesta cidade. A explicação era simples: de todas as cidades do Reino, o Porto era aquela que possuía o clima mais "benigno e saudável".

Post Scriptum #16

Em dia de chuva, um poema vindo do deserto.


quando regresso a casa, cada tarde,
a minha tristeza sai da alcova dela,
com a sua capa,
e começa a seguir-me:
se caminho, caminha,
se me sento, senta-se,
se choro, chora com o meu pranto
até à meia-noite em que nos cansamos.
então, vejo que a minha tristeza
entra na cozinha,
abre a porta da geleira
tira um pedaço escuro de carne
e prepara-me o jantar.

Este poema foi escrito pelo palestiniano Yusuf Al-Saigh (n. 1929) e traduzido por Adalberto Alves (A Phala, nº 56)

29.9.03

Señor Tallon #6


Segundo se diz, o vermelho foi a primeira cor a que o homem deu um nome. O vermelho é a cor do sangue e do fogo e, por isso, está associada a sensações fortes como o amor ou a febre. Na cultura cristã, é uma das cinco cores litúrgicas usadas nos paramentos da Igreja. Simboliza a caridade, o sacrifício, sendo empregue nas festas do Espírito Santo e dos Santos Mártires. Mas o vermelho é também a cor dos sinais de proibição. Nos semáforos, indica paragem obrigatória. Um código válido em quase todos os países do mundo. Na China dos anos 50, porém, simbolizava o contrário: o vermelho mandava avançar e o verde mandava parar.

Post Scriptum #15

Um dos livros de poemas mais importantes da literatura italiana do século XX é "Trabalhar Cansa", de Cesare Pavese (1908-1950). E o título é justamente considerado por muitos o mais belo do escritor.
Há, porém, um pormenor relacionado com a sua origem que, apesar de decisivo para a compreensão do livro, continua a ser ignorado pela maioria dos seus leitores. Na madrugada do dia em que foi impresso, o tipógrafo, que já não ia a casa há três dias, mudou o título escolhido por Pavese, "Morrer Cansa" (Morire Stanca), por "Trabalhar Cansa" (Lavorare Stanca). O escritor, a recuperar de uma terrível gripe, só notou o erro depois da totalidade da edição estar impressa e já se encontrar à venda em algumas livrarias.
Tudo isto se passou em Fevereiro de 1936.

A Gerência Agradece #1

Agradecimentos à Janela Indiscreta , ao Blog de Esquerda , à Amostra de Arquitectura , ao Nortadas , ao Estudos sobre a Guerra Civil Espanhola e ao Manuel Jorge Marmelo pelas simpáticas referências feitas a este blog.

28.9.03

Post Scriptum #14

William Empson nunca reconheceu a importância da sua obra e opunha-se à sua chefia “político-sacerdotal”. Louis Mac Neice, Stephen Spender e Cecil Day Lewis admiravam-no com todas as suas forças. Chamava-se Wystan Hugh Auden. Dividiu opiniões, influenciou muitos, escandalizou outros. Morreu na pequena aldeia de Kischtetten, perto de Viena, a 28 de Setembro 1973, completam-se hoje exactamente 30 anos. Foi um dos mais extraordinários e influentes escritores de poemas do século XX.

Nasceu em 21 de Fevereiro de 1907, em York, na Inglaterra. Publicou o seu primeiro livro “Poems” em 1930, na editora Faber & Faber, por indicação de T. S. Eliot. Esteve em Espanha, em 1937, ao lado dos republicanos, e em 1938 estabelece-se nos Estados Unidos, tendo posteriormente obtido a cidadania americana. Nos Estados Unidos publicou nove livros de poemas, entre 1940 e 1974. Perto do fim declarou que regressava à Europa, “para não morrer solitário num apartamento, como sucede aos velhos norte-americanos”.
O poema de Auden que escolhemos é uma homenagem sua a outro grande poeta: Rimbaud.

RIMBAUD

As noites, as pontes de comboio, a má estrela,
Os seus temíveis companheiros não as conheciam;
Mas nessa criança a mentira do retórico
Queimava como uma fornalha: o frio fizera um poeta.

As bebidas que o seu amigo tíbio e lírico
Lhe comprava, perturbavam-lhe os cinco sentidos,
Terminando com todo o nonsense corriqueiro;
Até se alhear dos pecados e da lira.

Os versos eram uma doença específica do ouvido:
A integridade era de menos: parecia
O inferno da infância: devia tentar de novo.

Agora, galopando pela África, ele sonhava
Um novo eu, um filho, um engenheiro,
Cuja verdade mentirosos aceitassem.


A tradução é de José Alberto Oliveira e encontra-se no livro "O Massacre dos Inocentes", editado pela Assírio & Alvim, em 1994.

27.9.03

Post Scriptum #13

Há no mundo os que estão a mais, de fora,
Que não cabem nas molduras.
(Não constam das vossas listas, lixeira
É o seu nome de – casa.)

Os esvaziados, acotovelados,
Sempre mudos – o estrume,
Presilha – das vossas abas de seda,
Os que a lama despreza!

Os ilusórios, invisíveis (sinal:
Gafaria, lazareto!)
Se há no mundo Jobes que podiam
Ter inveja de Job,

Nós, poetas, rimados com párias,
Saindo das margens,
Lutamos contra as deusas pelo deus
E contra os deuses pela virgem!

Marina Tsvetáeva escreveu este poema no dia 22 de Abril de 1923.
A tradução é de Nina Guerra e Filipe Guerra, e encontra-se no livro “Depois da Rússia, 1922-1925”, editado pela Relógio D’Água, em 2001.

Señor Tallon #3

Para que serve o Expresso?
Para ler as crónicas de Luís Fernando Veríssimo.

Cimbalino Curto #7

“FOSTE UM BOM ROBOT HOJE?”
Só isto. Pintado a preto sobre um imenso muro, no Campo Alegre, junto à Faculdade de Letras. Sem qualquer prtensão de ordem gráfica. De todos os grafitis do Porto, este é o que mais gosto.

Post Scriptum #12

Um dia em que acompanhava a mãe à Igreja, tinha seis ou sete anos, Joel-Peter Witkin testemunhou um aparatoso acidente de aviação que envolveu vários automóveis. Do interior de um deles voou então uma cabeça decepada que desatou a correr aos saltos pela rua fora. Segundo Witkin, este terrível acontecimento inspirou toda a sua obra.
Ora, de uma forma muito parecida termina o terceiro capítulo do grande romance de Bulgakov.
“Rolando pelo declive, foi saltitanto pelo empedrado da Bronnaia.
Era a cabeça cortada de Berlioz.”
Este livro inspirou a minha vida.

25.9.03

Post Scriptum #11

As roldanas dos velhos estendais são os únicos pássaros na noite do Porto.

Notícias da Província #3

Tudo o que precisa de saber sobre a actualidade local está aqui .

Post Scriptum #10

Heinrich von Kleist morreu há quase 200 anos. Entretanto, criou um blog. Um dos melhores.

Post Scriptum #9

DO SONHO

O dia acordou.
Levantou-se na ponta dos pés
e viu o mundo
ainda deitado com os sonhos
e encantações da noite.

Subiu aos montes,
deslizou pelas colinas
e escorreu para a cidade
apressado.

Apagou os candeeiros das ruas
esganou
sombras escondidas nos pátios e nas esquinas,
e depois de repartir pelos humanos
angústias e problemas
encarregou-os de o levar até ao fim.

Depois deu pela minha ausência
(estava ainda no meio do sonho
a negociar uma felicidade),
abriu a minha janela fechada
e com todo o seu peso caiu sobre mim
interrompendo as negociações.


Poema de Kiki Dimoulá (n. 1931), traduzido do grego por Manuel Resende (Inimigo Rumor, nº 14).

24.9.03

Cimbalino Curto #6

Uma hipotética relíquia do sangue de S. Pantaleão, padroeiro do Porto, guardada em Ravello, cidade do Sul de Itália, sofre o fenómeno da liquefacção. Isto é, o sangue seco do mártir retorna, durante pequenos períodos de tempo, ao estado líquido.

Cimbalino Curto #5

S. Pantaleão terá morrido em 27 de Julho de 304. Foi médico, mártir e autor de inúmeros milagres. Era natural de Nicomédia, na Bitínia. Converteu-se ao Cristianismo por influência de um sacerdote de nome Hermolau. Os seus prodígios alcançaram tão grande fama que a sua presença tornou-se demasiado incómoda, sobretudo para os médicos locais. Foi acusado de ser cristão e preso durante o governo do imperador romano Diocleciano. Na prisão sofreu toda a espécie de torturas tendo sido, por fim, decapitado.

De acordo com a tradição, nos fins de 1453 chegou ao Porto um navio vindo do Mediterrâneo Oriental com um grupo de arménios fugidos à invasão muçulmana de Constantinopla. No interior do navio vinham também os restos mortais do santo, salvos da fúria devastadora dos hereges pelos ditos arménios, que os depositaram então na Igreja de S. Pedro de Miragaia. Por essa razão, e segundo consta, foi-lhes permitido instalarem-se numa rua situada junto daquela igreja, ainda hoje significativamente chamada Rua da Arménia.

Ainda segundo a tradição, foi graças aos poderes miraculosos destas relíquias que a cidade sobreviveu a um terrível surto de peste ocorrido nos últimos dias desse ano de 1453. S. Pantaleão passou, depois disso, a ser padroeiro do Porto. E assim se manteve até hoje.

Vem esta história a propósito da pequena mas belíssima exposição que o Museu Nacional Soares dos Reis dedica actualmente a S. Pantaleão. "Esta é a Cabeça de S. Pantaleão" surge a pretexto do recente restauro que a instituição efectuou ao relicário onde se encontra o legado do santo. O relicário, em forma de cabeça, data de 1509 e é uma peça de joalharia de uma beleza extraordinária. Do seu interior foram retirados alguns papéis pouco valiosos, um pequeno pedaço de tecido do século XIII e cinco ou seis ossinhos que poderão ter pertencido ao corpo de S. Pantaleão.
A exposição estará patente até 2004. Aos domingos de manhã a entrada é gratuita.

Post Scriptum #7

O que há de comum entre "A Fome" de Knut Hamsun e "Crime e Castigo" de Fiódor Dostoiévski?
Agradecemos contribuições através de quartzo@sapo.pt.

Post Scriptum #6

QUE COMOVENTE, UM MAU POETA

Que comovente, um mau poeta. Não falam dele
há muitos anos; depois, lentamente, esquecem-no.
Inspirado e branco, agora cambaleia, vacilam
os botões no sobretudo roto e assobia poemas inéditos
ao vento de Inverno.
Que orgulho e força. No seu rosto,
ódio e inveja semelham, de longe, algo como
tristeza etérea. A seu lado, os famosos,
que incensaram artigos pagos e celebram
plateias selvagens, mercadores, ou aventureiros.
Na calva, na fronte altiva de apóstolo, pôs-lhe a vida
coroa de lágrimas, divinizando
sonhos da mocidade, em que prefere acreditar.
Até a má alimentação e magreza que dá
a tísica é uma questão de estilo. Como nos seus livros.
Crítica, literatura - em vão falais.
Ele é o idealismo. Ele é o poeta verdadeiro.

Este poema foi escrito pelo húngaro Kosztolányi Dezso (1885-1936), em 1924.

(Tradução de Ernesto Rodrigues, Antologia da Poesia Húngara, Editora Âncora, 2002)

Post Scriptum #5

Nos princípios do século XX, Velimir Khliébnikov (1885-1922) imaginou um ambicioso plano para resolver o problema da alimentação à escala planetária. O projecto consistia em ferver os lagos cheios de peixes e algas, e transportar depois essa belíssima sopa, congelada, para todos os lugares da terra onde ela fosse precisa. Apesar das suas inegáveis virtudes, a ideia de Khliébnikov, como tantos dos seus poemas, acabou por cair no mais completo esquecimento.

23.9.03

Cimbalino Curto #4

Em breve, segundo parece, a Rotunda da Boavista (o topónimo oficial é Praça de Mouzinho de Albuquerque) conhecerá um novo arranjo urbanístico, desta feita pela mão de Siza Vieira. Ao longo do último século foram várias as transformações ocorridas neste local. Uma das mais interessantes deu-se nos finais da Segunda Guerra. Nessa altura, e em resultado da política de aproveitamento de todos os espaços aráveis para a agricultura, preconizada pelo Estado Novo, o jardim da Rotunda esteve semeado com milho e batata.

Post Scriptum #4

À excepção do poema incluído na "Rosa do Mundo", não se conhecem outras traduções de textos do chileno Enrique Lihn em português. Lihn viveu entre 1929 e 1988, e é um dos maiores escritores da América Latina. Esta é uma tentativa muito imperfeita de tradução do poema "Retrato", escrito em 1952.


RETRATO

Poeta dos pés à cabeça,
homem de poucas unhas, convulsivo,
neurótico,
órfão de águias, pai do seu próprio
crescimento,
obscuro, manchado por um anjo morto,
dono do seu desterrado domínio,
flagelo de si mesmo,
viúvo de todas as criaturas,
muitas vezes com cabeça de gigante,
com a alma acanhada outras vezes,
visível desaparecendo,
furioso na sua alegria, alegre na sua tristeza,
aborto do seu orgasmo imensamente casto,
cão de jardineiro,
trabalhador a prazo, profeta de pequena duração,
sobrinho louco, ovelha negra,
convidado especial, suspeito,
saudável às dez da manhã,
morto por uma enxaqueca sem trelho nem trambelho,
distinto bailarino do passo lento,
amante das flores, assassino de pássaros,
abstracto por instinto,
concreto se oculto debaixo de um cântaro,
secreto tornado à força transparente,
obscuro de desígnios convergentes.


(a tradução infelizmente é minha)

Post Scriptum #3

O que se sabe de Emil Szitta? Quase nada. Apenas que influenciou decisivamente o grande poeta e pintor húngaro Kassák Lajos, e que esteve igualmente por trás da vocação literária de Blaise Cendrars.
Agradeço outras informações através de quartzo@sapo.pt.

22.9.03

Cimbalino Curto #2

Parece que houve um tempo em que as pessoas que frequentavam a praia do Ourigo, ao entardecer, aplaudiam espontaneamente o pôr-do-sol. Affonso Romano de Sant'anna diz que isto ainda ocorre, no Rio de Janeiro.

Cimbalino Curto #1

O Porto é uma pequena cidade do Norte de Portugal onde existem três clubes de futebol, um dos quais moribundo.

Post Scriptum #2

Vicente Huidobro não é um dos meus autores de cabeceira. Mas este poema sim.

ARTE POÉTICA

Que o verso seja como chave
que abra mil portas.
Uma folha cai, algo passa voando;
quanto os olhos fitam criado seja,
e a alma do ouvinte fique palpitando.

Inventa novos mundos, cuida da palavra;
o adjectivo quando não dá vida, mata.

Estamos no céu dos nervos.
O músculo pende,
Como recordação, nos museus;
mas nem por isso temos menos força:
o vigor verdadeiro
reside na cabeça.

Porque cantais a rosa, poetas?
fazei-a florir no poema.

Só para nós
vivem sob o sol as coisas todas.

O poeta é um pequeno Deus.

Vicente Huidobro
(Tradução de Jorge de Sena, em Poesia do Século XX, 3ª Ed., Asa, Porto, 2003.)


Vicente Huidobro nasceu em 1893, em Santigo, no Chile, e morreu em Cartagena, em 1948. É um dos principais poetas chilenos do século XX.

Declaração muito pessoal de princípios

Um dia, gostava que o nosso blog fosse tão bom como este.

Post Scriptum #1

Setembro é o menos monótono dos meses.
Nasceu o primeiro blog feito de quartzo, feldspato e mica.