Não há ovos quebrados
Ando a ler, nas horas de almoço, "Volpone", a comédia que Ben Jonson escreveu e levou à cena em 1605, na tradução de Paulo Quintela. O prólogo é uma preciosidade literária e mais uma prova de que o mundo parou há muitos séculos atrás. De facto, meu caro Rui, nada mudou.
"Que a sorte vos bafeje uma vez mais,/ E a graça dará graça à nossa peça./ Conforme ao paladar do nosso tempo,/ Vereis as rimas dentro da razão./ É isto que o Poeta aqui vos diz,/ Cujo escopo real - se vos int'ressa -/ Em todos os seus poemas sempre foi/ Unir o seu proveito ao prazer vosso;/ E não como alguns outros, que enrouquecem/ A berrar que o que ele 'screve é só o insulto,/ Julgam poder matar-lhe as peças todas/ Só com dizer que cada uma custa um ano!/ Pois, sem mentir, a que ides hoje ver/ Há dois meses ainda não era informe;/ E embora ele lhes conceda p'ra emendá-la/ Cinco vidas, em mês e meio a fez/ Co'a sua própria mão, sem ajudante/ sem noviço, sem moço, sem tutor./ Mas posso dar-vos inda como prova/ do valor desta peça: Não há ovos quebrados,/ Papas medrosas de voraz dentuça,/ Com que a turba tanto se diverte;/ Nem mete um aldrabão a recitar/ Retalhos pra chanatos ao mau 'stilo,/ Nem acção tão forçada e monstruosa/ Que faça de Bedlam uma facção;/ Nem suas graças são de mesa alheia,/ São bem suas e quadram bem à peça;/ E assim a comédia é viva e fina,/ Como exigem os críticos mais doutos;/ As leis do tempo, espaço e das pessoas/ Observa, e as mais regras necessárias./ A tinta usada, sem fel nem caparrosa,/ Um pouquinho de sal contém apenas,/ Pra vos 'sfregar a cara até que fique/ Corada de bom rir pra uma semana."
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