19.12.03

Post Scriptum #102

Poe, de novo.

Margarida Vale de Gato anda às voltas com o Poe. A ideia é limpar-lhe o pó e dar-lhe um ar novo, com uma nova tradução da sua obra poética para português. O livro está em preparação e deverá sair em breve através da editora Errata. Já aqui tínhamos publicado, em primeiríssima mão, a sua excelente versão de "O Corvo". Hoje, e em jeito de prenda antecipada de Natal, a Margarida oferece-nos o poema "O Lago-Para…". Pela minha parte, agradeço a prenda e retribuo como posso, com um belíssima imagem do Mestre, tirada poucos dias antes do fim.



Retrato de Edgar Allan Poe.
Daguerréotipo de William Pratt,
Setembro de 1849.



O LAGO-PARA...
Edgar Allan Poe (1809-1849)

Tive eu na mocidade ocasião
De achar do mundo vasto um lugar
O qual eu não podia mais amar...
Porquanto me encantou a solidão
De um agreste lago por penedos
Circundado, e por altos arvoredos.

Mas quando a noite o seu sudário
Deitava em tal lugar, e em tudo à volta,
E o vento misterioso andava à solta...
E o vento um canto murmurava...
Ah... era então que eu despertava
Para o terror do lago solitário.

Contudo tal terror não me assustava,
Mas com tremores me deleitava...
Um sentimento tal cujo mistério
Excede mil jazigos de minério...
E mesmo o teu Amor... que eu cobiçava.

No veneno da onda havia dolo,
E em seu vórtice um esquife apropriado
A quem aí buscava o consolo
De um espírito inventivo desterrado,
Erguendo, em seu delírio transviado,
Um Éden no sombrio e torvo lago.


Tradução ainda inédita de Margarida Vale de Gato.
(The Raven and Other Poems, 1845).