Para o Filipe Guerra
Sobre os Tchetchenos, um poema que publiquei em 1998 e escrevi alguns anos antes, não sei quando:
POEMA PARA UM TCHETCHENO
"Não odeio os meus inimigos, mas tem de ser."
Era professor de História e um dia, passeando pelo meio
. dos tanques russos, e os russos não brincam,
Viu uma metralhadora desempregada. Pegou lhe às escondidas.
Esvaziou se lhe o coração. Em casa tinha alguns livros por ler
Sobre a construção de Bizâncio, um guia da Internet,
Um computador roubado em Hamburgo, RFA, e comprado na
. candonga à mafia local,
Estava a escrever um livro, e tinha pouco tempo e mesmo assim
. deu-o à chamada pátria.
"plo buraco na parede do disparo do canhão do tanque russo
entrou te o míssil o medo
e com ele a pátria em casa
tapaste mal o buraco
com um jornal irrisório
irrisório contra o frio
com irrisórias notícias
cartaz de um mundo já morto
. e ela nunca mais saiu de lá de lá de dentro do fundo
. da casa
. e de ti.
Robespierre o puro o puro o casto o perfeito
a partir dos inimigos
foi fabricando inimigos
que depois tev' que abater
e acabou por ir pousar o pescoço no paridor de
. órfãos donde a cabeça lhe rolou para o chão
a História é assim salta nos ao caminho e não convém
estar em sítios que não convém quando ela passa.
porém ela
. não avisa quando vem."
Então isto que a gente faz tanto faz?
Então esta cara mais ou menos imprestável que todos
. mais ou menos temos,
Não nos ilumina o caminho no espelho de noite,
. quando falta a luz
Por causa da porcaria duns tanques russos?
Podemos continuar a não odiar os nossos inimigos?
Podemos cuspir o sujo e abrir um espaço limpo no coração?
Há, por outro lado, ódios bons, de coração
. quente e cabeça fria?
Podemos varrer os mortos para debaixo do tapete, antes
. de chegar a inspecção?
Eis muitas perguntas e que vamos nós responder lhes?
7 Comments:
Caros Manuel Resende, Filipe Guerra, Nicolau Saião?
Isto vai por partes e sem historieta, prometo. Fiquei com as minhas dúvidas se o Nicolau Saião usou Joan Benàssar para defender uma mundividência cosmopolita, assim na terra como no céu - se apenas convocou um tal séquito de grandes fazedores de história para despejo de educados impropérios à insolência, perante o que me inclino, - ou se pretendeu importunar tão ilustres mortos para desfiar uma tese de história universal.
Se de repreensão à insolência se tratou, eis-me pendendo o alto do juízo à massa-de-armas, sempre trás um odor a Sherwood Forest ou Barnsdale. Sempre terá mais vontade, também, o Coração de Leão. Façamos fé que disso se tratou. Mereço-o.
Agradeço ao Filipe Guerra o gozo com que entreteve os meus porquinhos.
Ao Manuel Resende digo com ele.
Os pequenos bichos ajudam a pensar o inquietante, o difícil de pensar. Que os nossos mortos doam de ambos os lados. Que o mundo está repleto de filhos. - Encaminhamos estes tipos, apresentamo-los à civilização e não é que chegam às universidades e, é, viram-se a nós, os gajos? odeiam-nos. - Isto já aconteceu antes. Entretanto, global world. Não, não são só os pobres, esses carregam-se uns aos outros, enquanto um Spartacus não surge. São os que com as armas que lhes confiamos ganharam a possibilidade de se sublevar os que perpetram o escândalo. O pode ser aqui. O posso ficar sem alguém muito próximo, que nos atemoriza. O ataque foi a ?nós? (os ocidentais, os bons, etc.). Este é o falar da violência, o que ele na realidade diz é: ?ameaçaram-nos, sim, quando vi aqueles tipos, podia ser eu, nós... não estou para essa insegurança, sim, e qualquer acrescento exponencial de vítimas é irrelevante, sim, o que ?nós? queremos é que um tal acto não volte a pôr-nos em causa, nunca mais... é que eu tenho filhos.? Porque nos odeiam tanto? Porque querem que os odiemos é um caco de vidro, mais lobos a encher-lhes as legiões. Não, não se trata de loas ao terrorismo. Trata-se de lembrar que o mundo nunca coincidiu com o que é justo moralmente, tem algo de ilegítimo, de chocante. É chocante que os inocentes de determinados países sempre nos pareçam menos inocentes que os de outros que tiveram palpites sobre aqueles, e que a sua contabilidade seja mais suportável. Lembrar que condenar é sempre o gesto do réptil, o infinitamente repetido olho por olho, e que é porque é difícil pensar o inquietante que ele deve ser pensado. O perigo é grande apenas porque pensar é perigoso. Se pudesse poetar, como o Manuel Resende pode, poderia sussurrar ou gritar um poema. Um poema que me desse um estalo. Como este me deu. Para mim, a pergunta escreve-se assim: prefiro eu estar do lado do ?Ocidente? ou da urgência de certos valores? Manter-se ?ocidental? é mais importante do que ser justo? Até que ponto aguenta um homem antes de ser lobo?
Ao Manuel Resende digo com ele, ainda.
PARA UM TCHETCHENO, Manuel.
Carlos Marinho
Manuel, obrigado. Devo dizer que, durante toda a minha já longa vida, ninguém me tinha dedicado antes um poema. Por isso, dada a solenidade do momento, não vou falar de imediato de tchetchenos nem de terroristas.
Vinha dizer ao Manel que o poema o conhecia do livro que ele me deu, mas é sempre um gosto ler de novo. Vale sempre a pena ler um bom poema.
E, vindo, vi o comentário do Carlos Marinho (ontem, quando o li, pensei que o CM fôsse o meu companheiro de lutas e poesias e pinturações Carlos Martins, afinal era carlos mas marinho).
Não, o Bennàssar está ali porque há uns tempos estive com uns pintores argentinos e, na sequência, veio à baila o nome do nosso homem e eu guardei, duma exposição dele posta na net uma obra sua, aquela.
Escrevi o texto no Norte, enquanto lá estive dias atrás nos 3 anos do Jóni. Ele exprime de forma irónica, como se nota, que precisamente as coisas não andam bem - a meu ver - tanto na terra como no céu e o pão nosso de cada dia nos dão hoje, no milieu dos letrados, misturado com muitas coisas que são muito pouco apetitosas.
E como cá temos brandos costumes, só aquela gente é que pode -também, já morreram, não são passíveis de ir para a enxovia - cascar-lhes a preceito sem fingimentos.
É mais ou menos isto.
Ah, lembrei-me agora: no quadro do Benàssar dá-me a impressão de que é um desvalido a limpar retretes, ou um penico, ou assim...
Ou seja, conjugou-se na minha cabeça o um com o outro, capici?
No fundo - é uma repreensão à brutalidade, bem vistas as coisas, que o meio intelectual luso é, com a sua soma de hipócritas, de medíocres armados em arco, de "originais" a fazerem coisas que já foram feitas cem vezes e melhor (e ocultam, fingem que não há, os malandrins) o que faz do milieu um jogo absurdo e cínico.
O ter sido publicado agora foi apenas uma coincidência, só não saíu há vários dias porque eu lá estava sem net e, ainda por cima, não sei pôr bonecos, tenho que chatear o Rui para ele pôr e só saio ilustrado por sua prestação.
Para o Filipe: nunca ninguém lhe tinha dedicado um poema? Com essa fico azabumbado! Talvez um pouco triste.
...desculpe mas não posso acreditar! Nem duma moça inteligente e determinada celebrando as suas maneiras insinuantes e viris? (Ou até menos descriptáveis, na sê se mintendi... - Eheh vai à alentejana vernácula...).
Bom, não divaguemos...
É que anda por aí tanta gente chilra que nem um espirro merece - e recebem dedicatórias sumptuosas, os/as maganos/as! E o Filipe Guerra nada?
Como dizia o Cesariny "mas o que é que se passa aqui?", fosga-se acrescento eu.
É verdade, Nicolau, nada, nadinha, nem desses da escola. «Para um tchtcheno» merece análise, não só leitura. É bom (eis a minha análise). Penitencio-me também por só conhecer a poesia do Resende há pouco tempo. Aquela prosa destravada atinge os píncaros da boa poesia. É um poeta forte, identifica-se logo, é diferente dessa xaropada que anda por aí, e é uma poesia cheia de pessoas dentro.
E então aqueles sonetos dele mas com um tom inteiramente contemporâneo? Aquele dos dentes ou do amigo morto? (Mas não digo mais, senão ele pode pensar, indócil como é, que o estou a tentar aplacar por termos andado à bulha...à cartapôncia eheh).
Não prometo, porque a inspiração, o talento, já agora digamos mesmo o génio, só me atacam de vez em quando, mas se tivermos paciência às tantas vai sair poema tendo como tema essa de nunca ter tido um poema dedicado...
Grrrrr!
Só não percebo, manel, por que puseste outra vez os pontos finais no lugar errado.
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