São João III
FOGUEIRAS DE SÃO JOÃO
O nosso destino, chumbo fundido, não pode mudar,
Não pode vir a ser nada.
Verteram o chumbo na água por sob as estrelas
e que se acendam as fogueiras.
Deixa-te estar nua diante do espelho, à meia-noite - e hás-de ver
Ver o ser humano a passar no fundo do espelho
O ser humano dentro do destino que governa o teu corpo
Dentro da solidão e do silêncio do ser humano
Da solidão e do silêncio
E que se acendam as fogueiras.
Esse instante em que terminou um dia e não começou o outro,
Esse instante em que se deteve o teu corpo
E que a partir de agora e no princípio governou o teu corpo
Terás de o encontrar,
Terás de o exigir para que o encontre pelo menos
Alguém que há-de vir quando tiveres morrido.
São os jovens que acendem as fogueiras e gritam
Diante do fogo da noite quente.
(Talvez nunca existisse fogo que não o acendesse algum jovem, ó Eróstrato!)
E lançam sal nas chamas para que crepitem
(De que estranho modo nos fitam subitamente as casas e os fornos dos homens, quando as acaricia certo reflexo).
Mas tu que conheceste a alegria das pedras sobre a rocha batida pelo mar,
Na noite em que a serenidade desceu
Ouviste ao longe a humana voz da solidão e do silêncio
Dentro do teu corpo
Nessa noite de São João,
Quando se apagaram todas as fogueiras
E estudaste a cinza sob as estrelas.
Giórgos Seféris
(Tradução M. Resende)
Nota: Na Grécia, no São João, deitava-se (não sei se o costume se mantém) chumbo derretido numa bilha de água e adivinhava-se o futuro pelas formas que o chumbo fazia ao solidificar.
9 Comments:
Gostei muito. Mesmo muito.
Também eu.
Por engano mandei este comentário que aqui vai para o post S. João na televisão (nada a ver com isto, claro).
Creio que o chumbo é um sucedâneo moderno da cera, usada desde tempos imemoriais na Rússia para ler o futuro (creio que só as mulheres podem fazê-lo). Mandelstam, no poema «Tristia», começa assim a estrofe final:
Que seja assim: um transparente, leve perfil
jazendo prato sem mácula de barro,
como a pele distendida de um esquilo,
e a rapariga olha a cera, busto reclinado.
Agora esqueci-me d assinar: F. Guerra
Agora, poças no tei que o 2º verso é: Jazendo NO prato.
que coisa linda.
parece uma celebração dos espaços de transição.
Este poema fez-me lembrar as celebrações do São João, hoje desaparecidas, mas que ainda tive o privilégio de contemplar.
A fogueira de rosmaninho...
O mastro revestido de heras e ramos de castanheiro, com uma boneca de palha e trapos no cimo - queimada na noite de S. Pedro...
Os arcos no princípio e no fim das ruas...
O convívio e a malta a saltar a fogueira...
As cantigas junto ao fogo e na "alvorada", que atravessava as ruas da aldeia...
A rivalidade entre as "fogueiras"...
As sortes de adivinhação...
As fontes enfeitadas com "altemira", "malvariscos" e "trevo"...
A capela com perpétuas, cravos de outras flores...
Tudo isto já desapareceu... Por quê? Não sei.
Ruy ventura, a que região do país se refere? No Norte, o S. Pedro tinha como elemento principal a água (cascatas, etc.), e o S. João o fogo (fogueiras, etc.).
Refiro-me ao Alto-Alentejo, concelho de Portalegre.
Aqui a festa principal é o São João. O Santo António era a festa dos pastores, em que os miúdos pediam leite pelos "montes". O São Pedro era só um prolongamento do São João.
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