Será que nunca mais se acaba com isto?
Há muito que anunciaram a morte do comunismo. Intelectual, comunicador, fazedor de opinião que se prezem passaram a poder ser de toda a esquerda menos da comunista. O comunismo não só foi anunciado como morto mas também com uma memória passada de moda; foram desaparecendo paulatinamente dos espíritos mais inteligentes os conceitos de «povo», «classes», «luta», e quem nisto não alinhasse era tolo: o comunismo, finalmente, morrera. Agora morreram Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal; pois bem, e o que tinham preparado para a ocasião os espíritos mais inteligentes? Tinham preparado muita abertura, muita compreensão, muito humanismo, e também muito paternalismo superior, como só é possível ter por homens mortos representantes de uma coisa morta, recambiados para história morta. Era como se a árvore vermelha tivesse sido derrubada e desarreigada e agora apodrecessem de vez os seus últimos frutos. Na tarde quente fui ao enterro de Cunhal e vi tanto povo junto como já não via há décadas. O povo, pelos vistos, não morrera com o comunismo e estava ali com um espírito de pesar mas, ainda mais, de luta. A tarde ensombreceu, era como se enterrassem o sol. Aquilo era tão forte que, afinal, pensando bem e sentindo bem, o comunismo não morreu, há outras árvores vermelhas por esses pomares adentro. À noite vi nas televisões os espíritos mais inteligentes falando de Cunhal. As palavras moles que diziam não eram novas, mas a expressão sim, como se soubessem do enterro e concluíssem que, afinal, os mortos não morreram. Como se vissem um morto: uma expressão de espanto, perplexa, aturdida, embora inteligente como sempre.
Filipe Guerra
4 Comments:
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O que mais me irrita sempre que se fala em Cunhal e no PC em geral são aquelas frases feitas acerca do divórcio entre o comunismo e a "realidade actual": "Cunhal não percebeu...", "Cunhal nunca entendeu...", "a história não deu razão a Cunhal...", "O PC não soube adaptar-se...", etc., etc.
Também me irrita bastante todos aqueles que remetem Cunhal para o "lado errado da História" (o lado dos derrotados) e emitem esse juízo do ponto de vista altaneiro de "sociais-democratas" europeus...quando a social-democracia europeia será mais do que provavelmente o senhor que se segue no "caixote de lixo da história".
e até alguma linguagem marxista não escapa, quando, p. ex.(já ouvi), dizem que estão ultrapassados conceitos como «exploradores» e «explorados». (já sei que me vão falar em classe média. nã, nã, eles são uma realidade!) aliás, aquilo que aprendi da filosofia de O Capital é bem actual.
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