6.6.05

Poesia e Mundo

Muitos protestos tem havido nas caixas dos comentários, por faltar poesia neste blogue.

Certo. Mas, pelo que me parece, falta poesia em geral. O caso do Tratado Constitucional, que tenho abordado como um maníaco, é, permitam-me que lhes diga, apenas um caso.

Sucede que sinto a catástrofe (desculpem o palavrão) a cercar-nos. O chamado "aquecimento global", que é tudo menos um fenómeno linear, antes se pode caracterizar como caótico (inundações e secas, sucessão de frio e quente, fogos florestais e geadas negras em Março), reflecte-se diariamente na minha ridícula e pequena horta.

Eu, que sou essencialmente ignorante em matéria de agricultura, esperava ir aprendendo paulatinamente uma outra maneira de a encarar. Baseava-se essa maneira na lição das florestas: não precisam de adubos para crescerem luxuriantemente, só que as plantas que lá crescem não são comestíveis na sua grande maioria.

A solução seria uma floresta comestível: sem tractores, sem adubos químicos (dependentes portanto dos fósseis de plantas, género petróleo, pois a chamada química orgânica não tem sido mais do que a química do petróleo, dos depósitos fósseis das plantas), que reduziria o efeito de estufa, a dependência do petróleo, etc., etc.

A agro-floresta, além disso, permitiria uma nova ocupação do espaço florestal. E já estava a pensar que os problemas são soluções: a massa verde que há que "limpar" das florestas, em vez de ser uma "despesa", seria uma fonte de riqueza: as folhas, adubo orgânico, a matéria lenhosa, combustível para produção de electricidade ou de gás.

Era todo um sistema: hortas populares com uma rede de troca de sementes, economia cooperativa e solidária, pequenas centrais energéticas, desenvolvimento da química das reacções em estado sólido, desenvolvimento da microbiologia dos solos, muito com que nos entretermos e produzirmos sem deteriorar o património, antes o enriquecendo. Sonhar é fácil, quando conseguimos dormir.

Verifico,porém, agora que a minha horta sem adubos começa a configurar-se como viável, agora que eliminei (sem os matar) os coelhos, apesar de as pequenas árvores (porque o Outrono, não é erro, foi seca e Março foi o que foi) apresentarem estranhas reacções,que as plantas estão stressadas. Uma planta perfeitamente apresentável num dia, aparece no dia seguinte cabisbaixa, porque a temperatura subiu de 18 graus para 35 sem dizer água vai. A rega (ainda me é possível, à minha ridícula escala microscópica) que valia antes já não vale. A terra está tão intrinsecamente seca que qualquer golpe de calor (ainda por cima tão súbito como tem sido) destrói toda a lógica.

Quero eu dizer, a terra é uma ponte entre o mundo mineral e a vida, as plantas, uma ponte entre a terra e nós, animais, e nós, uma ponte entre tudo isso e o céu (um um, presunção). A poesia que eu queria, um improvável equilíbrio entre o mundo lá fora e nós (os vários eus) cá dentro, o acaso objectivo, o ponto sublime em que por maravilha, por instantes, as contradições se resolvem, corre o risco de soçobrar por falta do seu substracto: nós, as plantas, a terra.

Mas estou eu com estas elocubrações meio metafísicas, e logo me dizem aqui ao lado,com certa razão, que o comando da televisão não aparece. Um momento...

Regresso, meia hora depois. O comando da televisão estava na casa de banho. Onde é que eu ia? Já me perdi.