28.6.05

Poesia e especulação

André Gide era sobrinho do economista marginalista Charles Gide, que o educou. Curiosamente, no seu livro "Les Nourritures terrestres" há ecos da teoria do tio.

Eis um resumo da teoria marginalista no início do livro IV:

«O erro da minha vida foi pois não continuar longamente nenhum estudo, por não ter sabido tomar a decisão de renunciar a muitos outros. A esse preço, tudo e qualquer coisa se compraria demasiado caro, e os raciocínios não poderiam levar a melhor sobre a minha aflição. Entrar numa feira de delícias, não dispondo (graças a Quem?) senão duma soma mínima.»

[...]

«Mercadorias! Provisões! Porque não vos entregais sem resistência?»

Extraordinário é como Ménalque, o «eu poético» do poeta, resolveu a certa altura o enigma:

«Durante quinze anos, entesourei como um avarento: enriqueci-me com todas as minhas forças; instruí-me; aprendi línguas esgotadas e consegui ler muitos livros...

«Aos cinquenta anos, chegada a hora, vendi tudo e, como o meu gosto seguro e o meu conhecimento de cada objecto não me tinham feito possuidor de nada cujo valor não tivesse aumentado, realizei em dois dias uma fortuna considerável... Vendi absolutamente tudo, não querendo guardar nada de pessoal nesta terra; nem a mais pequena recordação de outrora.»

Esta é de facto a forma assumida pelo capitalismo contemporâneo, a especulação, a mais evanescente forma da alienação mercantil, o objecto, fora do circuito da produção, inteiramente despojado do seu valor de uso, transmudado em simples suporte de valor de troca, para realizar a mágica operação: do dinheiro fazer mais dinheiro. Melhor: o «eu poético» de Gide utilizou o valor de uso dos objectos, as suas propriedades concretas, como simples instrumento dessa alquimia.

Livre de todas as possessões, senhor duma fortuna considerável, poderia então gozar todas as coisas, todos os prazeres, todas as sensualidades, todos os «alimentos terrestres».

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Mas isto é a teoria stalinista e salazarista do entesouramento!
Resende finalmente no seu campo utópico. Assim é que se entes(our)a.

9:21 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Inimigos? Ó amigo Resende, então não vê que a malta apenas o goza?
O nosso pratinho é virmos aqui ó blog gozar consigo.Como se dizia dantes, voce é "peludo" e a malta desmeca a gozá-lo! Até lhe temos muito carinho, você é o nosso peludo de estimação.

10:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mas dá luta, caralho!
É um "peludo" lutador.

10:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mas se nós gostamos muito de si!
Como tradutor e como lutador.
Mas um "peludo" assim, a jeito, não se podia desperdiçar.
E pode acreditar que não somos machões. Um de nós até é mulher: a sua velha conhecida Zulmira, lembra-se?
A pretinha, que tanto gostava de si como poeta...
A malta de letras cá em Coimbra adora-o!

12:25 da tarde  

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