2.6.05

Leitores tortos

"Foi há uns dois anos. Em Curitiba. Eu havia terminado uma conferência sobre arte e pós-modernidade e saí com várias pessoas para comer e beber algo. Acabamos pousando num local que acho tinha o nome de Bar do Batata. E conversa vai e copo vem, fico sabendo que existe naquela cidade uma insólita entidade chamada Sociedade dos Leitores Tortos. (...)
E o Tortomor, que se chama Cláudio, ia me contando como funcionava esse tipo de sociedade (quase) secreta. Começaram quase por acaso e de maneira bem modesta. Reuniram-se, alguns amigos, para comentar os livros que estavam lendo. (...) E a coisa foi engrenando. Começaram a aparecer pessoas interessadas em ver e participar do grupo. De repente, eram já dezenas de leitores tortos encontrando-se regularmente para trocar idéias e emoções em torno dos livros lidos.
Perguntei ao Tortomor que tipo de gente estava se aglutinando ali. Para minha surpresa não eram escritores, e sim engenheiros, advogados, administradores, psicólogos, etc. Isto provocou em mim maior curiosidade. Pensei: eis um modelo de atividade de leitura que pode ser repetido em qualquer comunidade. Não precisa de patrocinador, não carece de ser aprovado pela Lei Rouanet. Basta querer, basta gostar e basta ter alguém com certa liderança que as coisas começam a acontecer. E eles estão lá, na deles. Simplesmente curtindo o que lêem. Ou seja, juntaram as duas pontas do fenômeno leitura: o pessoal e subjetivo com o social e comunicativo. Não falam de redistribuição de riquezas? Está aí a redistribuição de leituras. O imaginário compartilhado."

Excerto da crónica semanal de Affonso Romano de Sant'anna, no Prosa & Verso.