Há um poeta
Há um poeta a que poucos ligam. Chama-se Armando da Silva Carvalho. Como considero uma injustiça, aqui fica, em singela homenagem, um poema dele, tirado da recolha "Sol a Sol".
DE MANHÃ
O tamanho dum velho
Começa de manhã pelos seus sapatos.
A curva do cansaço procura
Os atacadores.
E não é ele o noivo.
A madrugada empurra.
A manhã desvia-se. Os animais da casa
Não vão obedecer-lhe.
Medem-se as intimidades
Palmo a palmo.
As paredes têm eco. Há sabedoria a mais
Nas prateleiras.
No duche disfarçado
Morre o fogo.
Os olhos da faiança estão a calcular.
Quem vive na insónia avalia
Os séculos.
Ouve o ressonar de César.
E sente sobre o peito
Os cascos dos cavalos de Napoleão.
Podia, se quisesse, tem altura que baste,
Não recear as coisas
Mas amá-las
E sobretudo obedecer à lei de ser coisa
- irmão das coisas do mundo.
Ao velho a miséria da filosofia
Não o vai deixar mais pobre
Nem mais pequeno.
Tudo é como era ontem.
O mundo não se mede aos homens.
[Nota: referências a O'Neill no quarto e quinto versos e a K. Marx na última estrofe. Pelo menos. MR]
1 Comments:
Eu também. Há muitos anos que ando a dizer que ele é um grande poeta (ainda não era seu amigo quando o comecei a escrever). Sobre «Sol a Sol» tb escrevi, mas o nº 68 da LER só sai em Setembro pf. Já agora, obrigado pela referência aos «Quinhentos».
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