28.6.05

Há um poeta

Há um poeta a que poucos ligam. Chama-se Armando da Silva Carvalho. Como considero uma injustiça, aqui fica, em singela homenagem, um poema dele, tirado da recolha "Sol a Sol".

DE MANHÃ

O tamanho dum velho
Começa de manhã pelos seus sapatos.
A curva do cansaço procura
Os atacadores.
E não é ele o noivo.

A madrugada empurra.
A manhã desvia-se. Os animais da casa
Não vão obedecer-lhe.
Medem-se as intimidades
Palmo a palmo.

As paredes têm eco. Há sabedoria a mais
Nas prateleiras.
No duche disfarçado
Morre o fogo.
Os olhos da faiança estão a calcular.

Quem vive na insónia avalia
Os séculos.
Ouve o ressonar de César.
E sente sobre o peito
Os cascos dos cavalos de Napoleão.

Podia, se quisesse, tem altura que baste,
Não recear as coisas
Mas amá-las
E sobretudo obedecer à lei de ser coisa
- irmão das coisas do mundo.

Ao velho a miséria da filosofia
Não o vai deixar mais pobre
Nem mais pequeno.
Tudo é como era ontem.
O mundo não se mede aos homens.

[Nota: referências a O'Neill no quarto e quinto versos e a K. Marx na última estrofe. Pelo menos. MR]

1 Comments:

Blogger Eduardo Pitta said...

Eu também. Há muitos anos que ando a dizer que ele é um grande poeta (ainda não era seu amigo quando o comecei a escrever). Sobre «Sol a Sol» tb escrevi, mas o nº 68 da LER só sai em Setembro pf. Já agora, obrigado pela referência aos «Quinhentos».

7:55 da tarde  

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