27.6.05

Ainda os privilégios da função pública

Um colateral meu está farto da função pública. Mas farto por dentro.

E porquê? Perguntará o leitor. Porque está farto de ouvir dichotes sobre a função pública, isto é, sobre ele próprio, lá no fundo. E diz: "Ganho X por mês. Se estivesse lá fora a vender os meus serviços ao Estado, ganharia isso num ou dois dias, que é o que cobram no mercado por certos trabalhos."

Está farto, porque chegado a uma certa idade, quase provecta, mesmo naquela borda em que dá não dá para se reformar ou pré-reformar, depende dos humores de Ferreiras Leites e equiparados, pode não pode vir-se embora.

Talvez dê o salto. Se o der, poderá gozar a chamada vida, e vender de vez em quando uns trabalhitos, e não se arreliar, acolchoado por uma magra reforma. Dadas as suas qualificações, um pouco especiais, é mais que provável que o seu serviço, não podendo contratar ninguém para o seu lugar, lhe vá encomendar os trabalhos que antes fazia (entre outras coisas), agora como privado. Toda a gente ganha, não é assim?

Quem sou eu para o criticar? Falar-lhe da nobre missão do serviço público que consiste em estar de pé a apanhar com tomates e ovos podres dos comentadores dos jornais e dos economistas de serviço? (Ou então a aproveitar-se, que é a solução aproveitada por alguns, assim assim, vários, muitos? Tipo enquanto o pau vai e vem folgam as costas?)

É o que inúmera gente nos prepara com o estúpido discurso sobre os funcionários públicos. Caros amigos, função pública quer dizer muitas coisas: engenheiros agrónomos que, para bem ou para mal, configuraram a agricultura que temos, construtores de estradas, gráficos, dinamizadores do artesanato e dos magros programas de formação profissional que ainda há (lembram-se dos escândalos que houve quando se semi-privatizou, com os fundos da CEE, a formação profissional? Pisc pisc). Funcionário público é também o professor. Funcionário público, o médico das urgências, o enfermeiro, o serralheiro que reparava os canos de abastecimento de água, o carteiro que levava à aldeia a carta, o vale do reformado.

Hoje, em nome duma modernidade retardada, vai-se vender esse património. Não obstante as experiências inglesa e francesa (Grã-Bretanha, os inúmeros acidentes nas linhas férreas, subsequentes às privatizações; França, a construção de impérios privados da água, a corrupção em grande escala, o poderio enorme desses concessionários, a água cara).

É neste contexto que não consigo perceber os discursos correntes sobre a função pública.

Ainda me recordo de um grande debate de sociedade que houve há uns tempos e consistia no seguinte: os funcionários públicos não pagavam impostos - horrível privilégio. Então, em nome da igualdade, que se fez? Ajustaram-se os salários brutos dos funcionários públicos, por forma a que os novos salários líquidos fossem equivalentes ao que antes recebiam e depois aplicou-se-lhes os competentes impostos. Ficou tudo na mesma, mas mais complicado.

Eu sei eu sei que este post não tem moral. Falta saber se a moral a tem.

3 Comments:

Blogger Luís Miguel Gomes said...

Não me venha dizer que a FP não é muito privilegiada em relação ao sector privado. Isso é rídiculo, isso é mentira. Vós sois um factor de retrocesso na nossa sociedade. Por inércia, por preguiça, laxismo e oportunismo. Entre explorados pelo capitalismo selvagem ou por por um funcionalismo tacanho, retrogrado e convencido, não sei o que escolher. Escolho desistir em acreditar na razão dos himens, muito provavelmente.

10:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Resende você foi revolucionário profissional??!!
Caralho! Mil vezes caralho!
Agora está reformado?
Boa reforma,revolucionário.

2:48 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Boa piada. A você o que o safa é que apesar de parolo com tusa também mete umas larachas. Mas não me diga que isso é metafórico! Se você pudesse isto ia tudo raso, mas revolucionário pro não acredito, ou também era guerrilheiro por correspondencia?

9:38 da tarde  

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