23.5.05

Vender como queijo a arte de dois senhores poetas



No Inferno, Ésquilo e Eurípedes disputam entre si o estatuto de maior poeta trágico. Dioniso, deus do teatro e de outras coisas decentes e indecentes, que descera ao Inferno justamente porque sentia saudades de Ésquilo e Eurípedes, é considerado o juiz competente para arbitrar o debate entre os dois. O caso é resolvido com uma prosaica pesagem dos versos dos contendores. É um dos momentos mais divertidos da comédia "As Rãs", de Aristófanes.

DIONISO: Vinde cá então, porque eu preciso de fazer o seguinte, vender como queijo a arte de dois senhores poetas. (Trazem uma grande balança. Ésquilo e Eurípedes colocam-se de cada lado dela.) Ora vá, colocai-vos perto dos pratos.
ÉSQUILO E EURÍPEDES: Pronto.
DIONISO: E segurando-os, recite cada um de vós uma frase e não largue, antes que eu diga: "cucú".
ÉSQUILO E EURÍPEDES: Seguramo-los.
DIONISO: Recitai agora o verso para a balança.
EURÍPEDES: "Oxalá a nau Argo não tivesse voado..."
ÉSQUILO: "Oh rio Spérquio e pastos de bois!"
DIONISO: Cucú!
ÉSQUILO E EURÍPEDES: Lá vai.
DIONISO (Apontando o prato de Ésquilo): E desce muito mais abaixo o verso deste último.
EURÍPEDES: E qual é, por ventura, a causa?
DIONISO: Porquê? Ele colocou lá um rio e, à maneira dos negociantes de lã, ensopou o verso, como se se tratasse de lã, ao passo que tu colocaste um verso alado.
EURÍPEDES: Mas que ele diga um outro contra o meu!
DIONISO (A Eurípedes.): Recita!
EURÍPEDES: "Não há outro templo da Persuasão senão a Palavra."
ÉSQUILO: "Dos deuses, só a Morte não ama as ofertas."
DIONISO: Largai.
ÉSQUILO E EURÍPEDES: Está largado.
DIONISO (Apontando Ésquilo.): É o deste último, de novo, que desce. Ele colocou lá a Morte, o mais pesado dos males.
EURÍPEDES: E eu a Persuasão, num verso excelente.
DIONISO: Mas a Persuasão é coisa leve e não faz sentido. Ora procura de novo um outro, dos de grande peso, que fará descer o prato em teu favor, um verso poderoso e grande.
EURÍPEDES: Mas onde é que eu tenho um desses? Onde?
DIONISO: Di-lo-ei: "Lançou Aquiles aos dados duas vezes um e quatro." Recitai, porque esta é a vossa última prova.
EURÍPEDES: "E tomou na dextra um pau carregado de ferro."
ÉSQUILO: "Carro sobre carro e morto sobre morto."
DIONISO: Levou-te de novo ainda desta vez.
EURÍPEDES: De que maneira?
DIONISO: Colocou lá dois carros e dois mortos que nem uma centena de Egípcios seria capaz de levantar.
ÉSQUILO: E que ele não venha mais discutir comigo verso por verso, mas que venham sentar-se na balança, ele, os filhos, a mulher, Cefisofonte, e traga os seus livros. E eu direi dois versos meus apenas.
DIONISO: São meus amigos e não vou julgá-los. Na verdade, não me tornarei odioso a nenhum deles, porque a um considero-o competente e o outro me dá prazer.

Tradução de Américo da Costa Ramalho.