17.5.05

Uma história verídica contada pelo salmista da igreja de ***

"Fomá Grigórievitch tinha uma estranha particularidade: detestava contar duas vezes a mesma história. Às vezes, quando o convenciam a recontar algum conto, acrescentava sempre alguma coisa nova ou, então, alterava tudo de tal forma que a história ficava irreconhecível. Uma vez, um desses senhores - que nós, gente simples, nem sabemos como chamar: escritores, ou antes, a mesma coisa que os açambarcadores das nossas feiras... que apanham, abicham, arranjam, roubam isto e aquilo e, depois, editam todos os meses ou todas as semanas uns livrinhos que não são mais grossos do que uma cartilha -, portanto, um desses senhores arrancou esta história que aqui vai a Fomá Grigórievitch, que logo se esqueceu disso por completo. Só que, um belo dia, chega de Poltava com o seu cafetã cor de ervilha o tal senhorzeco, de quem já vos falei e de quem, acho eu, já lestes um conto. Traz consigo um livrinho, abre-o ao meio e mostra-no-lo. Já Fomá Grigórievitch queria armar o nariz com os óculos mas lembrou-se de que se esquecera de atar a armação com linha e de a colar com cera, pelo que me passou o livro para as mãos. Então, como sou mais ou menos alfabetizado e não uso óculos, pus-me a ler. Nem tive tempo de virar duas páginas e já Fomá Grigórievitch me pegava na mão e me fazia parar.
- Espere! Diga-me, antes de mais nada: o que está a ler?
Francamente, fiquei um pouco atrapalhado com a pergunta.
- Mas o quê, mas como é que é, Fomá Grigórievitch? É a sua própria história, as suas próprias palavras.
- Quem lhe disse que são as minhas palavras?
- Mas é claro, que está aqui preto no branco: história contada pelo salmista tal.
- Pois então cuspa na cabeça de quem tal escreveu! Mente, este cachorro de russo. Alguma vez eu falei assim? Tão certo como faltar o parafuso na cabeça de alguém. Ouvi todos, vou contá-la agora como deve ser.
Sentámo-nos mais perto da mesa e ele começou."

Segue-se a história contada por Fomá Grigórievitch, que se estende entre as páginas 60 e 78.

Tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra.