Romana Petri deu lição sobre o Bem e o Mal
O livro de contos "Os pais dos outros", de Romana Petri, foi o pretexto para inaugurar de modo formal os encontros com escritores na recém-aberta Livraria Italiana, paredes meias com o Instituto Italiano, na Rua do Salitre, em Lisboa.
Romana de nome e de nascimento, a escritora, elegante de corpo e de espírito, falou perto de 45 minutos, provando uma vez mais o seu grande poder de comunicação, tal como já tinha acontecido no encontro de Outubro do Instituto Italiano.
Romana Petri, tradutora e crítica literária, escreve para o "Unita" e "Il messagero di Roma". É uma mulher preocupada com o que se passa à sua volta e este livro de contos demonstra-o, já que se baseia em casos reais. Muitos dos contos foram escritos a partir de um conhecimento pessoal das situações descritas, embora com um tratamento literário.
O final de tarde na Livraria Italiana foi difícil e cativante. Porque nunca é fácil falar da dor e das dificuldades comunicacionais entre pais e filhos, com todos os traumas que podem transformar a vida num Inferno.
"Já me têm chamado moralista e obcecada com o Bem e o Mal, mas não me importo. Porque o Bem e o Mal existem. Há pessoas com predisposição para o Mal. E que o podem fazer de forma cobarde. Há crianças que se divertem a torturar animais, mas não o fazem com um mastim napolitano."
Eu estava em pé na sala, mas era como se estivesse deitado num divã, tal a intensidade da aproximação ao Real, de modo freudiano, que Romana imprimiu a um monólogo tocante:
"A infelicidade e a tristeza são contagiantes. Se uma criança vive com pais infelizes, isso vai marcá-la. Não é obrigatório que duas pessoas prossigam um casamento infeliz. Podem ser felizes separadas. Pensa-se que as crianças recuperam mais rapidamente que os adultos, mas isso é ilusório. Temos a convicção pouco inteligente de que os miúdos recuperam primeiro. Mas o preço a pagar é elevado ao longo da vida. Hoje em dia, em Itália, há mães que têm filhos aos 35 ou 40 anos e entram em depressão. Ora, a maternidade devia ser o contrário. Eu fiquei eufórica. O problema é que a Itália actual está muito fútil e materialista. As mães deixam de poder sair com os amigos, perdem as noites com as crianças, já não podem ir aos cocktails e entram em depressão."
O livro de Romana trata de violência. Uma violência sofrida pelas crianças, mas em apenas um caso trata de abuso sexual. Mesmo aí, não exercida por um pai. Romana não discrimina sexos de abusadores e abusados. Mas aponta o dedo ao silêncio criminoso, o que acontece em muitos casos com mães cujos filhos são vítimas dos pais.
"O silêncio é um grande cúmplice do Mal."
Romana Petri é uma amiga de Portugal e apaixonada pelos Açores. Uma das pontes de aproximação ao nosso país foi a amizade construída com Tabuchi a partir dos anos 90. E a "pancada" pelos Açores bateu-lhe de tal forma que deu origem a três livros.
É já uma autora emblemática da editora Cavalo de Ferro, tendo publicado "Case Venie - Uma guerra na Umbria", e "A senhora dos Açores", para além deste livro de contos.
A sua habituação a Portugal cumpriu-se na tarde da ida à Livraria Italiana: através de uma multa de trânsito, quando peregrinava as ruas lisboetas, ao lado do editor Diogo Madredeus.
Quanto à Livaria Italiana, é um pequeno espaço simpático e acolhedor. A que nem sequer falta uma edição italiana do último livro de Milo Manara, em colaboração com Jodorowsky ("Il Borgia", por acaso com uma capa bem diferente da edição francesa da Albin Michel). Ou fotografias de filmes, com Sofia Loren em pleno destaque.
Luís Graça
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