9.5.05

Light mais light não há



Excluindo a derrota do Benfica, os dois acontecimentos culturais marcantes do final da semana passada foram: a distribuição no metro e nos comboios suburbanos (quiçá nos mercados e hipermercados) da Amostra Gratuita do 1º capítulo do romance Pessoas como Nós - romance - à venda a 10 de Maio, de Margarida Rebelo Pinto, 24 páginas, uma boa brochura e sem dúvida um bom investimento. O romance promete muito, configura uma viragem na obra da autora, uma traquinas de lábios bem pintados na contracapa; a Amostra Gratuita contém duas ou três vezes a palavra puta no bom sentido, a narradora diz que está farta «de brincar às mães perfeitas, às mulheres de sucesso, às pessoas boazinhas e queridas [...], às bombeiras profissionais que arranjam empregos para toda a gente». Termina a brochurinha com o aforismo da semana: «Quem não quer ser puta, também não lhe veste a pele.» Recomenda-se esta Amostra Gratuita aos professores de Português do 9º e 10º anos como modelo para as redacções dos putos.
O outro evento marcante do final da semana (sábado à noite, já tardíssimo) foi, na televisão, O Eixo do Mal, mas de um mal bastante liceal, não temais. Impossível saber-se ao certo o que eles disseram porque os senhores Silva, Oliveira, Mexia, Coimbra e a senhora D. Clara não se deixavam falar uns aos outros, aquilo era um alegre atabalhoamento denotando menos a falta de respeito entre eles do que a falta de respeito pelo público (minutos preciosos de televisão deitados aos porcos). Mas fica a atitude: um grupo de díspares pessoas, da esquerda à direita, todos amigos (salvo, por vezes, um ou outro olhar e esgar rancorosos do sr. Oliveira), inteligentes até à fervura (pena a gente não chegar lá, porque, além da confusão babilónica, aquilo há ali muito segredo de bastidores), gente linda e desinquieta, há lá um que até é do Benfica mas acha que devia ser do Sporting e que como é de direita vai votar no Carmona para a Câmara mas acha que se votasse no candidato do Bloco de Esquerda é que estava com a sua gente, gente que sabe viver, vê-se, e a quem deram um programa para, com todo o direito, viver ainda melhor. Um programa, até, com a sua provocaçãozinha brejeira (oh, que fartote de riso entesoado, que falta nos fazem tão frescas iconoclasias): anunciam-se imagens da convenção do BE e toca de se mostrarem umas gajas quase nuas que nada tinham a ver com o Bloco de Esquerda (duas vezes)! Promiscuidade política assente na boa convivência de espíritos superiores? Mais do que isso: pura comunhão intelectual e de carreira. Há lá coisa mais linda e mais light do que passar cá para fora a imagem de que as pessoas inteligentes e bonitas, afinal, se podem dar todas bem!

Filipe Guerra