Virgens e cadelas
Somos meia dúzia, os proprietários de cadelas virgens, e reunimo-nos informalmente: o enfermeiro Alonso («sou tudo menos palonço», diz de si próprio), o doutor Barros, advogado, um aldrabão de todo o tamanho, o farmacêutico Gomes, corpulento, que dizem se alimenta de viagra (pudera, farmacêutico!), o Sérgio Toyota, autor do livro «Minhas Memórias Espantadas», eu e o outro Gomes, o magro. Nem todos somos reformados. Alonso tem uma vivenda com quintal, metemos lá as cadelas, a mulher é à antiga, do tipo colonial, gosta de farras e atura-nos. Todos os seis lhe agradecemos, porque assim deixamos de aturar a nós próprios em nossa casa. Da última vez o pretexto foi um vinhito do Douro. Pusemos pois as cadelas no quintal, e elas, apesar de virgens solteironas e frustradas, não se engalfinharam, algumas até dormiram. (Que a minha Dacha não tem cão porque não quer, eu bem a chego aos machos. Será lésbica?) É muito bonito este convívio, até os diabéticos lhe comem e lhe bebem, e nunca houve problemas: enfartes, altas e baixas de tensão, de açúcares, quebras de sigilo, nada. E quando morrer um de nós? Mas, agora, muita alegria, apesar da morte do Papa, e que pica nos dão aquelas histórias das nossas putas tristes! Só é pena uma coisa, regulamento oblige: ficam de fora os proprietários de cães machos e de cadelas com prole: o Vilela comunista, o Ribombas que ainda joga à bola, o Landino que andou fugido uma semana com uma cabo-verdiana que lhe fazia as limpezas em casa (ai a mulher dele!), o Mateus preto, Calado (o indiscreto), que sais-je! Eles, por sua vez, organizam-se em tertúlia com os seus cães machos e cadelas com prole, têm a sua vivenda com quintal, têm um campeonato de xadrez e lançam calúnias sobre nós. São os percalços do associativismo.
Filipe Guerra
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