18.4.05

Papa Morto, Papa Posto?



Não, isso é para reis. Fechou-se o Conclave na Casa, incomunicável, para decidir. O que havia a fazer de propaganda eleitoral já foi feito nestes curtos dias. A eleição do futuro papa interessa a todos: católicos, ateus e assim-assim, porque isso influi na nossa vida, sobretudo na vida que as televisões querem moldar para nós. (Não são as televisões que o querem, são os poderes que delegam nelas.) Sobre a eleição do futuro papa, pessoalmente não acredito que os inteligentes cardeais escolham, de entre as muitas hipóteses que se aventam, duas delas, muito assustadoras: a de Ratzinger, o medievo alemão, um fanático racional e frio; e a de Policarpo, o chico-esperto português. Pessoalmente, mais uma vez, não acredito que tanto Ratzinger como Policarpo tenham grandes possibilidades de vencer. Mas nunca se sabe... Quando o cidadão pensante lê os escritores do século XIX (e alguns são tão reaccionários e retrógrados!) e sente que, ao lê-los, não recua ao passado mas como se catapulta para a frente, algo vai profundamente mal no espírito da nossa época. Regressamos às trevas? Os católicos, e os cristãos em geral, têm um grande trunfo: Jesus Cristo, homem pensado como honesto, trabalhador, desinteressado, com ideias, corajoso e até heróico. Mas parece que Jesus Cristo e o próprio Deus estão na boca dos católicos como a palavra freedom e democracy estão na boca de Bush: um mero insulto propagandístico.
Mas somos portugueses, mordamos no português Policarpo. Vejo nele algum santanismo de carácter e de conversa, muito populismo. Também Santana Lopes, antes de cair em desgraça, tinham assim uns tiques de bon vivant. Não é que Policarpo não seja simpático, que até é. Não é que não seja humano, que até é: fuma, só lhe falta a mulher (ou as mulheres) ao lado. Humano, igual aos homens, como deviam ser todos os clérigos: assim pensarão os religiosos mais modernos. Até pode ter alguma santidade: a santidade está onde menos se espera. Não é que não dê para o cargo: a Igreja, hoje em dia, não se pode dar ao luxo de ter quadros geniais. Não é que não seja «bom político», ao nível de um Santana Lopes (de novo). Mas eu, que tenho de gramar um papa nas televisões, por mais que fuja, sentir-me-ia derrotado, amargamente derrotado, se o Policarpo fosse para chefe do Vaticano, e isto à vista da porca, porca campanha eleitoral nas televisões a que ele se dedicou nos últimos dias. Dois exemplos, um de «abertura» de espírito: acha ele que a monstruosa máquina de propaganda e lavagem cerebral que envolveu a morte de Woytila é natural, mesmo divina, e que, a haver problema nisso, tal problema é apenas de quem não aceita semelhante manipulação e a critica (o argumento indigente do chico-esperto); outro exemplo, inqualificável: como Woityla era popular, toca de se identificar com ele (com falsa modéstia) e de o propor para santo! Meu Deus, tanta areia para os olhos! Será que eles acreditam mesmo em Deus, ou se servem d'Ele? Do papa morto servem-se, isso de certeza!

Filipe Guerra