4.4.05

Mais cinco dias, mais cinco poemas de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.

Oitavo dia.

A FENOMENOLOGIA DA IRA

8. Rafeira, a terra. Roída de vermes, a lua.
Um sombreado ténue de prata
repousa como arame farpado sobre a água
negra. Todos estes fenómenos
são temporários.

Adorava ter vivido num mundo
de mulheres e homens alegremente
conluiados com folhas verdes, caules,
construindo cidades minerais, cúpulas transparentes,
cabanas de relva entretecida
cada uma de seu padrão...
uma conspiração para coexistir
com a Nébula de Caranguejo, a explosão
do Universo, a Mente...

8. Dogeared earth. Wormeaten moon.
A pale cross-hatching of silver
lies like a wire screen on the black
water. All these phenomena
are temporary.

I would have loved to live in a world
of women and men gaily
in collusion with green leaves, stalks,
building mineral cities, transparent domes,
little huts of woven grass
each with its own pattern...
a conspiracy to coexist
with the Crab Nebula, the exploding
universe, the Mind...


NOTAS:
1º verso: as dificuldades estão à vista. "Dogeared" existe; quer dizer "gasto" ou "usado", e aplica-se geralmente aos livros, por causa das folhas dobradas nos cantos (em inglês, "dogears"), como saberá quem já consultou catálogos de alfarrabistas. Mas este verso reflecte sobretudo a tal herança imagista de Rich de que já falei; devemos visualizar a terra de orelhas murchas como cão, e a lua roída de vermes.
2º verso: "cross-hatching" é de facto uma espécie de "sombreado" de linhas cruzadas; mas, claro, o inglês aqui é outra vez mais visual.
11º e 14º versos: problemática e deliberadamente provocatória a substituição das reticências pelo "dash" nestes casos. Nós usamos pouco o travessão, e nunca assim; eles, especialmente nos E.U.A., geralmente só usam as reticências para indicar que falta texto... (confesso que se fosse em livro, se calhar teria lavado as mãos e mantido o travessão; e, evidentemente, há sempre o argumento de que se devem transmitir certas convenções da língua de partida...)
13º verso: Caranguejo é o meu signo. Maternal, matriarcal, óbvio.

Margarida Vale de Gato