Mais cinco dias, mais cinco poemas de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.
Sétimo dia.
A FENOMENOLOGIA DA IRA
7. De repente vejo o mundo
como já não viável:
estás lá fora a queimar as colheitas
com um sublimado novo
Esta manhã deixaste a cama
que ainda partilhamos
e saíste a propagar a impotência
sobre o mundo.
Odeio-te.
Odeio a máscara que pões, os teus olhos
presumindo um fundo
que não possuem, atraindo-me
para a gruta do teu crânio
a paisagem de osso
Odeio as tuas palavras
que me fazem pensar em falsos
decretos revolucionários
a imitação friável de um pergaminho
que vendem nos campos de batalha.
A noite passada, neste quarto, chorando
perguntei-te: o que estás a sentir?
tu sentes alguma coisa?
Agora na torção do teu corpo
enquanto desfolhas os campos de que vivemos
tenho a tua resposta.
7. I suddenly see the world
as no longer viable:
you are out there burning the crops
with some new sublimate
This morning you left the bed
we still share
and went out to spread impotence
upon the world
I hate you.
I hate the mask you wear, your eyes
assuming a depth
they do not possess, drawing me
into the grotto of your skull
the landscape of bone
I hate your words
they make me think of fake
revolutionary bills
crisp imitation parchment
they sell at battlefields.
Last night, in this room, weeping
I asked you: what are you feeling?
do you feel anything?
Now in the torsion of your body
as you defoliate the fields we lived from
I have your answer.
NOTAS:
18º verso: "crisp", como todos sabemos das pizzas e dos cereais, é "estaladiço" ou (argh!) "crocante". Em relação ao pergaminho será qualquer coisa entre o "quebradiço" e o "teso". O Dic. de Sinónimos deu-me "friável", significando algo que tende a fragmentar-se, se esboroa facilmente, e, claro, é aplicado sobretudo a rochas. Será abusivo?
24º verso: em "the fields we lived from" o verbo está no passado; em português, tendemos a lê-lo no presente, até porque os amantes ainda partilham a cama. Mas para manter a nuance do tempo teria de fazer uma perífrase que, quanto a mim, arruinava o ritmo, tipo, "os campos de que antes vivemos". Optei, portanto.
Margarida Vale de Gato
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