28.4.05

Amor que tudo move

Baudelaire dedicou dezasseis anos da sua vida a traduzir Edgar Allan Poe. Saíram cinco volumes. Os documentos que atestam ter o francês intuído no filão fantástico de Poe um trampolim para a sua própria projecção de autor satânico jamais podem desdourar (como diria o Manuel) este caso de amor. Não conheço exemplo mais veemente na história literária de um génio obrando, constante e paciente, para a glória de outro. Não conheço milagre semelhante em tradução: cento e cinquenta anos depois, as versões de Baudelaire são ainda as que os franceses de hoje lêem. Cento e cinquenta anos depois continuam a editar-se e reeditar-se em Portugal (é o caso dos mais recentes livros no mercado, da Guimarães) traduções de Poe feitas a partir desse francês tão novo e enérgico, e servil ao seu farol, de Baudelaire.

Margarida Vale de Gato