18.3.05

É preciso falar também no Báltico.


Petras Kalpokas, Pavasario pradzia, 1907.

Chegou a Primavera. Quando assim é, dá-me para escrever à toa, peço desculpa, dão-me as saudades do viajante, ânsias do que não tenho; e decido: vou-me embora, e percorro os mapas da memória. As amigas da minha filha, com namorados e amigos, zarparam para a Finlândia, e eu sei que lá a Primavera é mais forte do que aqui e cai como um machado em brasa no gelo. Voo sobre as fronteiras: Estónia, Letónia, Lituânia, as três irmãs bálticas. Não chega, a minha primavera dura o tempo de um sonho. Percorro então os sítios russos e bálticos e as notícias são más: incremento do neonazismo na Estónia e na Letónia, grandes manifestações fascistas com apoio tácito das autoridades (saem ao encontro dos marchistas jovens contra-manifestantes vestidos de prisioneiros dos campos de concentração nazis e quem é que as autoridades prendem? Quem havia de ser?). Repressão, fome e frio, ainda não chegou ali a Primavera. Na Lituânia, nada disto, sempre foi uma irmã diferente, até na língua (temos cinco dedos na mão...); ora à esquerda, ora à direita, os lituanos sempre fizeram uma oposição coerente, nacional (e não nacionalista) à injustiça (mesmo os comunistas no tempo dos seus tutores soviéticos). Por que é que nem na Primavera se fala do Báltico? Também, se se falasse, já sei, era para dizer: «vai lá, vai, achas que era melhor no tempo dos soviéticos?», e assim se justificaria a repressão, a fome e o frio de hoje.

Filipe Guerra