16.3.05

Post Scriptum

Aqui há uns tempos, a Margarida Vale de Gato enviou-me esta tradução de Haroldo de Campos de um poema de Mallarmé. Afazeres vários e a natural distracção do personagem (eu) deixaram-no esquecido algures nos mails. Aqui vai com um grande obrigado a MVG. A nota é dela.

O Sineiro

Embora o sino acorde uma voz que ressoa
Clara no ar puro e limpo e fundo da manhã
E desperte(*), infantil, uma outra voz que entoa
Um angelus por entre a alfazema e a hortelã,

O sineiro evocado à clave da ave, irmão
Sinistro cavalgando, a gemer sua loa,
A pedra que distende a corda em sua mão,
Só ouve retinir um vago som que ecoa.

Esse homem sou eu. Dentro da noite louca
Agrada-me puxar a corda do Ideal,
De pecados se alegra a plumagem leal

E a minha voz me vem aos pedaços e oca!
Mas um dia, cansado deste afã obscuro,
Ó Satã, eu roubo esta pedra e me penduro.

(*) O meu texto diz "desperta", mas não acorda com o texto de partida

ERRATA: Onde se lê "Haroldo de Campos", leia-se: "Augusto de Campos"