Mais cinco dias, mais cinco poemas de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.
Sexto dia.
Esta é a continuação de "A Fenomenologia da Ira", poema de Adrienne Rich em dez partes, das quais apresentamos hoje a sexta. A tradução, inédita, é de Margarida Vale de Gato, bem como as notas.
A FENOMENOLOGIA DA IRA
6. Fantasias de homicídio: não basta:
assassinar é cercear a dor
mas o assassino continua a ferir
Não basta. Quando sonho encontrar
quem combato, este é o meu sonho:
branco acetileno
ondas do meu corpo
que sem esforço liberto
perfeitamente treinadas
sobre quem na verdade combato
esquartejando-lhe o corpo até ao fio
da existência
queimando a sua mentira
deixando-o num novo
mundo; um homem
mudado
6. Fantasies of murder: not enough:
to kill is to cut off from pain
but the killer goes on hurting
Not enough. When I dream of meeting
the enemy, this is my dream:
white acetylene
ripples from my body
effortlessly released
perfectly trained
on the true enemy
raking his body down to the thread
of existence
burning away his lie
leaving him in a new
world; a changed
man
NOTAS
5º verso: "quem combato" por "the enemy" (e também no 10ª verso "quem na verdade combato" por "the true enemy"): ver comentários ao 3º verso da secção 5.
7º verso: "ripples" é mais físico/visual que "ondas"; mas esta é uma boa instância em que qualquer tentativa de particularizar ("pregas" ou "estrias") limitaria a interpretação.
8º verso: mudei a sintaxe para evitar rimas coxas em "ada" ("libertadas" / "treinadas" / "verdade")
9º verso: "raking" é revolver com um ancinho; talvez o mais próximo fosse "esgadanhar", que o Dic. Houaiss indica "parece[r] derivar de gadanha" (gadanha é um género de foice, e também substantivo para o lavrar da terra), embora como significado só nos dê "arranhar com as unhas"; de qualquer forma, e embora eu goste, o verbo é de gosto duvidoso, chamaria demasiado a atenção sobre si próprio.
Margarida Vale de Gato
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