23.3.05

Cinco dias, cinco poemas de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.

Terceiro Dia.

A FENOMENOLOGIA DA IRA

3. Plano coração da terra do Inverno.
Os homens lunares voltaram da lua
os homens contra o fogo saíram das chamas.
Tempo sem paladar: tempo sem decisões.

Ódio de si, monocórdio da mente.
A vacuidade de uma vida vivida em exílio
Mesmo nos países quentes.
Cleaver, fixando uma janela cheia de facas.


3. Flat heartland of winter.
The moonmen come back from the moon
the firemen come out of the fire.
time without a taste: time without decisions

Self-hatred, a monotone in the mind.
The shallowness of a life lived in exile
even in the hot countries.
Cleaver, staring into a window full of knives.


NOTAS:
toda a tradução está quinada por aquilo a que João Luís Barreto Guimarães chamaria uma perniciosa tentação didáctica: o poema traduzido explica mais. "Heartland", no cenário bélico que se começará a desenhar na estrofe seguinte, pode ser apenas uma zona estratégica; cedi à tentação de poetizar, mas porque o poema mo permitia e porque penso estar de acordo com uma clara herança imagista na poesia de Rich. Também esta herança pode escudar a opção por "homens da lua" e "homens contra o fogo" para os adjectivos que referencialmente seriam apenas "astronautas" e "bombeiros"; mas neste poema é importante eles serem "homens". "Paladar" em vez de "gosto" também é, concedo, um pouco pedagógico, e "monocórdio" é sem dúvida mais explicativo do que "monotone", mas acontece que em inglês este substantivo tem como primeiro sentido um único tom musical (por oposição a "polyphony"). Pareceu-me que em "monotonia" talvez nem todos lessem esse sentido, embora não goste muito da rima interna criada entre ódio e monocórdio.
"Cleaver", no último verso, alude a Eldridge Cleaver (1935-1998), líder dos Panteras Negras, a que pertenceu Rich. À data deste poema, Cleaver provocara uma dissenção no seio do partido ao continuar a advogar o combate pela violência.

Margarida Vale de Gato