Cinco dias, cinco poemas de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.
Segundo Dia.
A FENOMENOLOGIA DA IRA
2. Tentando atear lenha que repousou na humidade
pelo tempo que se ergueu esta casa:
mesmo com paus secos não consigo puxar
mesmo com espinhos.
Torço o ano passado num nó de antigas manchetes
- esta rosa não florirá.
Como se sente na gaveta, horas a fio,
a rodilha a que o maquinista limpou as mãos?
Todos os dias durante a vaga de calor
tiravam a temperatura do palheiro
Aninhei-me fugitiva
na branda crepitação do feno
balbuciando: Vem.
2. Trying to light a log that's lain in the damp
as long as this house has stood:
even with dry sticks I can't get started
even with thorns.
I twist last year into a knot of old headlines
- this rose won't bloom.
How does a pile of rags the machinist wiped his hands on
feel in its cupboard, hour upon hour?
Each day during the heat-wave
they took the temperature of the haymow.
I huddled fugitive
In the warm sweet simmer of the hay
muttering: Come.
NOTAS:
1º verso: "log" por "lenha"; a minha opção é mais generalizante, mas não pareceu-me que "tronco" ou "toro" quebrava o ritmo.
3º verso: tentei manter, sem tornar demasiado óbvia, a alusão sexual implícita.
7º e 8º versos: alterei ordem devido a ritmo e extensão dos versos. Não consegui resistir à idiossincrasia de "rodilha" em vez de "monte de trapos"; gosto da palavra e acho que na nossa língua dá acesso imediato à situação feminina. No texto de partida, em vez do mais usual "hour after hour", temos "hour upon hour", que se acrescenta à ideia cumulativa de "pile of rags". Optei por "horas a fio", que joga com a usura da "rodilha" -
10º verso: "haymow" pode ser apenas "meda de feno", mas pareceu-me muito lógico.
12ª verso: optei por transformar dois adjectivos ("warm" e "sweet" em "branda") para não quebrar ritmo, e substitui aliteração em s (espécie de lume que chia) por r (estremecer da brasa amodorrada).
Margarida Vale de Gato
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