21.3.05

Cinco dias, cinco poemas de Adrienne Rich, em tradução inédita de Margarida Vale de Gato.

Primeiro Dia.

"A Fenomenologia da Ira" é um poema de Adrienne Rich em dez partes, das quais apresentamos hoje a primeira. Durante os próximos dias apresentaremos as quatro restantes. A tradução, inédita, é de Margarida Vale de Gato, bem como a introdução e as notas.





Persistindo na Adrienne Rich, de quem admiro a coragem da poesia feminista, embora nem sempre me orgulhe de a apreciar, proponho uma tradução de um poema de 1972, incluído no livro Diving into the Wreck: Poems 1971-1972. Como pode ser interessante para alguns, e sobretudo para mim, resolvi desta feita comentar em "NOTAS" algumas das minhas dificuldades de tradução. É um exercício que não posso fazer nos livros, e pensei que talvez os leitores do Quartzo estivessem dispostos a aturá-lo, e inclusive a acrescentar de sua justiça.

A FENOMENOLOGIA DA IRA

1. A liberdade de quem é perfeitamente louca
de besuntar & brincar com a sua loucura
escrever com os dedos mergulhados nela
todo o comprimento de uma sala

que não é, claro está, a liberdade
que tens, andando pela Broadway
de parar & voltar atrás ou continuar
outros 10, 20 quarteirões

mas que se calhar parece invejável
a quem fez compromissos

enrolada na placenta do real
que seria alimento & que a estrangula.

1. The freedom of the wholly mad
to smear & play with her madness
write with her fingers dipped in it
the length of a room

which is not, of course, the freedom
you have, walking on Broadway
to stop & turn back or go on
10 blocks; 20 blocks

but feels enviable maybe
to the compromised

curled in the placenta of the real
which was to feed & which is strangling her.


NOTAS:

Título: "Anger": "zanga", substantivo de "zangado", infelizmente não serve, mas é essa a atitude da voz poética. "Raiva" parece-me demasiado próxima de "rancor", inibindo a acção. "Ferocidade" seria a minha escolha pessoal, mas provocaria uma aliteração demasiado eufónica para o tom do poema. O mesmo para "fúria" e com menor proveito. Ficou "ira", apesar de intrusivamente bíblica.
1º verso: eu gostaria de "a liberdade da louca varrida", mais próximo da sintaxe do texto de partida, mas também demasiado idiomático.
10º verso: "to the compromised": são os integrados no sistema, e aqui ainda podem ser femininos ou masculinos, mas não achei melhor.

Margarida Vale de Gato