13.1.05

O Povo é Sereno # 199



OBRIGADO, DANIEL

Nunca, como hoje, se sofreu tanto para se ser neste país um professor exigente e consciencioso. A História da Educação em Portugal sempre foi feita de sobressaltos, de avanços e de recuos, de momentos de euforia e de desencanto, de manipulações subreptícias e de instrumentalizações descaradas - mas nunca, como hoje, o professor se viu no papel de bode expiatório dos males da Educação.
Numa sociedade ingénua que, a partir de 1974, não achou melhor maneira de reagir ao autoritarismo do que instituir um sistema educativo que consagra direitos sem obrigar ao respeito pelos deveres mais elementares, os professores têm sido vítimas de um país que os deseja sobre-humanos, que tudo lhes exige dando muito pouco em troca. Deixam de ensinar para serem burocratas, são estóicos perante as agressões (psicológicas, mas também físicas) de um número crescente de pais e de alunos, abdicam dos seus princípios para "concordarem" com um sistema educativo que não promove valores como o da exigência, engolem sapos perante um regime de avaliação que promove a preguiça e a estupidez, esquecem o que aprenderam para descerem até mínimos inaceitáveis o nível de exigência na aquisição dos conhecimentos, substituem o Estado como assistentes sociais quando têm nas suas turmas crianças pobres ou no limiar da pobreza, são psicólogos quando as escolas não os têm ao seu serviço, assumem o papel de pais e de mães quando estes "abandonam" os seus filhos na Escola, demitindo-se do seu papel de educadores... E, como se isto não bastasse, os professores deste país têm ainda que ser surdos quando escutam os palpites de "especialistas" míopes ou interesseiros, quando ouvem - da boca de gente que não conhece a realidade de uma escola básica ou secundária - que "trabalham pouco", que "gozam muitas férias", que "ganham bem e saem cedo" (gente essa que esquece o facto de os docentes serem os pacientes mais assíduos de psicólogos e de psiquiatras).
Por tudo quanto escrevo, fiquei comovido quando li a crónica de Daniel Sampaio, dada à estampa no dia 8 de Janeiro na revista "Xis". Nada do que afirmou era para mim novidade. Mas vê-lo escrito como o escreveu confortou-me - na medida em que abriu uma centelha de esperança para todas as pessoas de bem que tiveram oportunidade de ler o artigo. O reconhecimento público do desrespeito de que têm sido alvo os professores e um Ensino rigoroso nos últimos decénios é meio caminho para a construção de um sistema educativo em que o trabalho dos bons docentes seja reconhecido, em que os profissionais menos competentes sejam incentivados a melhorar a sua prática, em que se promova um verdadeiro sucesso educativo (e não um insucesso camuflado) baseado numa relação sã entre docentes, alunos, pais e comunidade envolvente.
Daniel Sampaio propõe: "neste novo ano, (...) pensemos o que poderemos fazer pelos professores, em vez de estarmos sempre a exigir o que eles devem fazer pelos nossos filhos".
Por estas e por todas as palavras do seu artigo, respondo - comovido - de forma simples, mas sentida: - Obrigado, Daniel!

(Ruy Ventura)