Cimbalino Curto #141
Há alguns anos, num trabalho de pesquisa sobre costumes e tradições que fiz no vale de Campanhã, falei com várias pessoas que me disseram que, ainda há pouco mais de meio século, uma das actividades mais apreciadas pelos habitantes da zona oriental da cidade era, ao domingo, a pesca da truta nos rios Tinto e Torto. Estes dois ribeiros têm origem nos concelhos a oriente do Porto, atravessam o vale de Campanhã e desaguam no Douro, num local chamado Esteiro, na zona do Freixo, onde em tempos também existiu uma das principais praias fluviais da cidade. Tinto e Torto são responsáveis - ou, melhor dizendo, foram - pela espantosa fertilidade dos solos do vale de Campanhã, outrora uma espécie de grande centro de produção de géneros agrícolas, fundamental para o abastecimento das populações que viviam nas zonas mais centrais da cidade.
Entretanto, e em resultado de vários factores, com destaque para o rápido e desordenado crescimento industrial de Campanhã, os rios Tinto e Torto transformaram-se em dois grandes esgotos, com o habitual rol de consequências para o ambiente e saúde pública que já todos conhecemos. Para além de esporádicas denúncias dos grupos ambientalistas, não me recordo de nenhuma iniciativa consequente deste e dos anteriores executivos no sentido de despoluir e requalificar estes ribeiros.
Ora, este fim-de-semana, Rui Rio e o seu staff, acompanhados pelo Secretário de Estado dos Assuntos do Mar, inauguraram, "com pompa e circunstância", como dizem os jornais, o "Pólo Fluvial do Freixo", que inclui uma marina, restaurante, esplanada e oficina, localizados justamente a poucos passos da foz dos rios Tinto e Torto. Até aqui tudo bem. Só podemos aplaudir uma obra que permitirá valorizar uma zona esquecida durante décadas. A verdade, porém, é mais malcheirosa. O complexo foi inaugurado sem um estudo formal de impacto ambiental e, pasme-se, sem a necessária despoluição dos rios Tinto e Torto. Ou seja, temos agora um belíssimo pólo fluvial, no Esteiro, construído sobre um imenso esgoto de águas escuras e terrivelmente malcheirosas. Não sou especialista em matérias ambientais e não sei quanto tempo pode demorar a despoluição de dois ribeiros como os que estão em causa, mas creio que, durante os próximos meses, tomar uma bebida na esplanada da marina será uma experiência verdadeiramente inesquecível.
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