6.12.04

Post Scriptum # 427



Céline Arnauld
(França, 1893-1952)

Este poema da directora da revista "Projecteur" e mulher do poeta Paul Dermée foi extraído de "L'Aventure Dada".


OS MEUS TRÊS PECADOS DADA

Sobe, sobe a colina
oh roda esmagada roda
quebrada pupila amarga
amargo abrunho dos bosques
oh tu que sobes assobiando
e que és um cobertor velho
o hino das crianças amadas.
Os olhos dos papagaios são bolinhas enganadoras.
Vós não sois deuses, mantilhas
ou escuros guarda-chuvas, nem mecanismos de toque
de alvorada.
Vós sois o anfitrião dum Amphion sem lira
uma vela sem poesia
uma majestade sem reflexos de música
o nascimento semanal dum girassol
- o girassol da minha prece -
e os meus olhos de roda quebrada
que envio ao grande mágico Merlin.
Para me castigar irei imolar-me numa adega.

Este é o pecado do fogacho quase extinto.

Ah sorte malina!
Beber uísque numa flor-de-lis
discussão espiritual da minha traição a sós
com a sua imagem
e depois dormir, dormir até que uma esmola
dos olhos tombada deslizasse nas minhas veias
Mas o que dei ao papagaio
não, para vós não é -
Amizade não se escreve em estenografia.

E é sempre essa roda, esse suplício
quebrado que me atormenta.
Para consertá-lo tomo
Merlin como testemunha
a escada como ícone
o vidro como microscópio
o copo como microscópio
e as minhas belas pupilas
como a linguagem mais formosa.

E depois, já que tudo acabou
iremos deitar abaixo
o edifício construído
sobre uma prisão e um suplício
na adega das discussões espirituais

do seu calvário de uísque.


In "Cannibale°, nº 2.

Tradução e nota de Nicolau Saião.