Post Scriptum # 421
Primeiro poema de Antonio Colinas (Espanha, 1946) neste blogue, numa tradução inédita de Ruy Ventura.
NO CAMINHO SEM CAMINHO
(Yuste)
Ser como esse cedro cheio de pássaros:
perdurar e cantar.
Não parece sequer mudar
com o incenso que os monges queimam,
com a água esverdeada do tanque,
com todo este esplendor de que recebe
a sua formosa plenitude.
Nunca partirei daqui, mesmo que parta.
Serei sempre laranjeira, hera, rola,
carvalho, ou borboleta, ou pedra eterna,
ainda que, na aparência, nosso corpo
siga por esse caminho sem regresso,
siga por esse caminho sem caminho.
Ainda que parta, ainda que não regresse,
e sinta tão devagar a asfixia dos anos
fui e serei esse cedro que oscila
na borda do tanque,
e que de noite acaricia as estrelas.
Aqui, nesta ladeira, com neve ou sem neve,
está quanto penso alcançar um dia,
por mais que o tempo hoje passe
como o regato que longe murmura:
desgastando rochas, arranhando silvas,
abismado em fontes.
Nunca partirei daqui, mesmo que parta.
Serei sempre rumor, voo de pássaro
do bosque ao jardim,
da sombra até à luz.
Quero ser algo mais do que o fruto vermelho
que brilha e que amadura, e se corrompe
anunciando o verão nas cerejeiras.
Sei que jamais partirei deste jardim.
E que, mesmo partindo,
algo hei-de levar deste paraíso
para outro lado.
Para onde?
Não sei.
O júbilo que hoje sinto é tão grande
que já não creio nem sequer na morte.
Essa morte que um dia fugiu deste lugar
(acaso para o jardim dos jardins),
quando abriram o chumbo e a madeira do sarcófago,
quando arrancaram o cadáver
da tumba do Imperador.
In Tiempo y Abismo.
Tradução inédita de Ruy Ventura.
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