10.11.04

Post Scriptum #404

(...) O Homem simples e comum, se não se integrar na compra e venda geral e uníssona, mesmo que lhe cresçam quatro asas de anjo, aqui nem sequer será um cagalhão seco no fundo do mar. Dito isto, a escrita não é criação, alegria, jogo, positividade, estética, beleza, jactância, poesia, mas apenas uma abjecta vingança, um deitar de contas provocado, em palavras mais educadas, uma autodefesa (karaté, sambo), um pedido de satisfações ou, dito com menos educação, o acto de devolver, vomitar, aquilo de que te encheram. É pouco, é suficiente? Pois por fim, mesmo no que diz respeito às coisas da escrita, aqui ainda permanece em acção outro facto: a morte do outro lado da porta, essa rameira desavergonhada que dá a sua fruta a qualquer um sem distinção. E talvez, ao fazê-lo, nem sequer dê ao Homem uma palavrinha.

Ivan Kadlecík, "Rapsódias e Miniaturas", Cavalo de Ferro/ G.R., 2004.
Tradução de Lumir Nahodil.