8.11.04

Post Scriptum #401



Ivan Kadlecík
(Eslováquia, n. 1938)

(...) Assim sendo, o que nos resta? Nem mesmo o cepticismo nos ficou, embora dele façamos alarde. Como não acreditamos na possibilidade da verdade, nem acreditamos na necessidade da dúvida. Não temos em quantidade suficiente o cepticismo do descrente São Tomé, o qual precisou de tocar a realidade com o dedo: os nossos toques são mediados. Percepcionamos através das luvas de poliéster que são as convenções, as frases feitas, os clichés do pensamento, através dos resquícios esfarelados de pensamentos alheios. A verdade depois é aquilo que é anunciado e que recebemos pronto a usar neste ou naquele embrulho que na maior parte dos casos está pintado com as cores garridas da publicidade a fim de bem se vender. E assim transformamos em mercadoria mesmo a própria realidade, mesmo a acção, mesmo o acontecimento e o acto. De que outro modo podemos explicar a nós próprios um fenómeno em que o saudoso Sören Kierkegaard reparou já há bastante tempo, nomeadamente que em todo o lado no mundo, onde alguma necessidade esperava o seu acto e a sua acção, a primeira coisa que as pessoas fazem é estabelecerem uma comissão, associação, algum comité ou colégio e similares, até mesmo naqueles casos em que nada nem ninguém o exige, e, antes de mais, dotarem a mesma ou o mesmo do que mais importa: uma designação, um nome. É com este que em seguida acenamos, e a este acenar e a esta azáfama é que chamamos de actividade. (...)

"Rapsódias e Miniaturas", ed. Cavalo de Ferro/ Grande Reportagem, 2004. Tradução de Lumir Nahodil.