O Povo é Sereno #182
BORGAS E BALDAS
Quando há poucos dias ouvi um membro de uma associação de estudantes do Ensino Superior afirmar que o insucesso escolar nesse nível de ensino se deve aos professores, reagi com um sorriso nos lábios, recordando com irónica nostalgia a letra de um "hino do estudante" que os alunos da ESE de Portalegre costumam entoar:
"Os pontos requerem estudo,/ mas tu não estás nessa onda,/ tu só queres é café, é café, é vadiagem.../ É vadiagem pela noite e muitas baldas pelo dia,/ o estudo aperta e o curso é uma utopia."
Não sei se noutras instituições do Ensino Superior os estudantes costumam cantar pérolas deste quilate. Não tenho, contudo, grandes dúvidas ao afirmar que o "espírito académico" apresentado pela letra é comum a uma grande percentagem dos alunos das nossas universidades e institutos politécnicos.
Vindos de um clima laxista que se instalou no sistema educativo português, muitos dos alunos que entram no Ensino Superior desejam apenas serem "estudantes", sem vontade alguma de estudarem, pois o estudo é sinónimo de esforço e exigência - realidades a que não querem adaptar-se, vindos de doze anos de escolaridade em que podem ter "empinado" conteúdos, mas pouco trabalharam para terem um pensamento crítico e informado sobre o mundo que os rodeia.
Chamar-me-ão pessimista - mas basta lermos com uma atenção mínima as estatísticas que por aí pululam para chegarmos a estas conclusões. Junto a esta leitura a experiência que guardo dos anos que leccionei no Ensino Superior, recheada de exemplos de alunos cujo único objectivo era a aquisição do "canudo" com o mínimo esforço e trabalho - pois à frente da aquisição de um conhecimento enraizado estava sempre uma outra meta: viver a "vida académica"... E qualquer pessoa conhecedora do significado desta expressão sabe quais são os seus sinónimos: "vadiagem pela noite e muitas baldas pelo dia", como diz a letra acima citada, quantas e quantas vezes com álcool à mistura.
Não tomo a nuvem por Juno. Sei que existem milhares de alunos das nossas universidades e institutos que se esforçam por aprender e enriquecer os seus conhecimentos. De igual modo, conheço bem algumas instituições para saber que o insucesso escolar que nelas existe não se deve apenas às baldas e às borgas dos estudantes (que existem, em grande número!), mas também à gestão clientelar que alguns departamentos fazem dos currículos dos cursos e da planificação pedagógica das disciplinas. A realidade observável sobrepõe-se, infelizmente, às minhas opiniões. Neste âmbito, nunca mais esquecerei a frase dita há alguns anos por uma amiga minha, portuguesa então a estudar na Universidade de Paris-Nanterre: "Mas esta gente anda na universidade para estudar ou para passar o tempo em bares, em discotecas, em concertos de música pimba, em desfiles e em carnavais?"
Ruy Ventura
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