29.10.04

Post Scriptum #398



Georg Heym
(Alemanha, 1887-1912)

UM ESGAR

A nossa doença é a nossa máscara.
A nossa doença é tédio sem fronteiras.
A nossa doença é como um extracto de preguiça e inquietação eterna.
A nossa doença é miséria.
A nossa doença é estar agrilhoado a um lugar.
A nossa doença é nunca podermos estar sós.
A nossa doença é não termos profissão, e se tivessemos uma [seria] a de a termos.
A nossa doença é desconfiarmos de nós, dos outros, do saber, da arte.
A nossa doença é falta de seriedade, falsa serenidade, sofrimento duplo. Alguém nos disse: como o vosso riso é estranho. Se esse alguém soubesse que este riso é o reflexo do nosso inferno, o amargo contrário do: "Le sage ne rit qu'en tremblant" de Baudelaire.
A nossa doença é a desobediência a Deus que nos impusemos a nós próprios.
A nossa doença é dizer o oposto daquilo que gostaríamos de dizer. Temos de nos torturar a nós próprios, observando as expressões fisionómicas dos que nos ouvem.
A nossa doença é sermos inimigos do silêncio. (...)
A nossa doença. É provável que alguma coisa a pudesse curar: o amor. Mas tínhamos de acabar por reconhecer que nós próprios nos havíamos tornado demasiado doentes para amar. Uma coisa porém existe que é a nossa saúde. Dizer três vezes "apesar disso", cuspir três vezes nas mãos como um velho soldado, e continuar então a avançar pela nossa estrada fora, como nuvens puxadas pelo vento do ocaso, em direcção ao desconhecido.

Georg Heym, A Autópsia e outros contos, apaginastantas, 1988. Tradução de Anabela Mendes.