26.10.04

Post Scriptum #396


Retrato de Karl Kraus, em 1925, por Oskar Kokoschka.

Karl Kraus
(Áustria, 1874-1936)

Uma ciência que sabe tão pouco do sexo como da arte anda a espalhar o boato de que a sexualidade do artista é "sublimada" na obra de arte. Linda vocação da arte, a de evitar a ida ao bordel! Neste caso, seria muito mais refinada a vocação do bordel de evitar a sublimação através de uma obra de arte. Como é dúbio o efeito sobre o receptor do método utilizado pelos artistas, já para abstrair da sua prolixidade, é o que prova precisamente o caso do compositor que aquela ciência se compraz em apresentar como exemplo de uma sublimação bem conseguida. Os ouvintes da sua música sentem-se de tal modo estimulados pela sexualidade que nela está sublimada que não lhes resta muitas vezes outro caminho senão aquele a que o artista se esquivou, a não ser que eles próprios sejam capazes de proceder a tempo a uma sublimação. Se o artista tivesse escolhido o caminho mais simples, os ouvintes teriam sido poupados a este efeito. Eis como sucede que, com o mau hábito dos artistas de sublimar a sexualidade, esta consiga precisamente libertar-se e um assunto que por todos os motivos deveria permanecer um assunto privado do artista degenere num escândalo público.

Karl Kraus, "O Apocalipse Estável - Aforismos", apaginastantas, 1988.
Tradução de António Sousa Ribeiro.