29.10.04

O Povo é Sereno #178



O TU COM O VOSSEMECÊ OU A LÓGICA PODE SER UMA BATATA

Ontem, ao entrar no meu período filosófico quotidiano (ou seja, antes do bagaço e após a sobremesa do jantar) pensei com os meus botões que isto do "caso Marcelo" já cheiraria mal não fora a quantidade de revelações paradoxais que nos oferece a cada momento. Não fora o rol avantajado de lições que a cada passo nos dá para nosso proveito e exemplo.
Eis a última: Portugal, pelos vistos, é o único país do mundo em que dois opositores podem estar a dizer a verdade... embora tenham ambos versões diferentes do e sobre o mesmo assunto.
O insigne comentador (que tem um estilo de duque florentino) garante - e quem somos nós para duvidar? - que o seu amigo durante uma reunião o pressionou a moderar a verrina maquiavélica contra os rapazes do dr. Lopes - o nosso Santana - enquanto governantes desta nação multirracial, por sugestão pressionante dos gurus hardboiled da equipa que está no poleiro. O não menos insigne presidente director-geral da empresa que sustenta a TVI (que tem um ar de príncipe ou pelo menos de conde veneziano), por seu turno refere sóbria e solenemente - e quem somos nós para lhe infirmar a deixa? - que só falaram em coisas de estratégia empresarial, de assuntos de gestão de capitais e quejandas amenidades.
Em qualquer país um deles mentiria e outro falaria verdade. Mas isso era noutro país, olarilolé. Cá, tenho para mim que ambos falam verdade. E isto, para já, porque me recuso a acreditar que um destes senhores, verdadeiros exemplos para os mais novos - um na área da diversão televisiva domingueira, outro na dos negócios multicontinentais - esteja a mentir rascamente, sordidamente, como se fosse um baixo canalha desses que se arrastam pelos lameiros de Lisboa ou pelas alfurjas do Porto. Que esteja, para empregar o léxico do Raymond Chandler, "a mentir como um cão".
Depois, porque seria muito doloroso ter de se inferir a hipótese de que gente de qualidade, por mesquinhos interesses (políticos, empresariais?) estaria a desbobinar toda esta bambochata que vai arrastando na sua órbitra altas autoridades, areópagos nacionais, pais da pátria...
Tal coisa, tal suspeita, faria palpitar o nosso coração e o nosso bestunto: e se afinal esta gente de mérito e estatuto não passasse de (mas cala-te boca!).
Por isso, para tranquilizar o meu alanceado órgão tradicionalmente reservado às emoções, é que eu digo que a explicação é esta, tem de ser esta: ambos estão a falar verdade.
Como? Não sei. Mas tenho esta fézada, baseada no facto de que este é um país diferente.
E, francamente, é assim tão difícil de admitir que a lógica pode ser um tubérculo lusitano?


Nicolau Saião