25.10.04

O Povo é Sereno #176



A VERGONHA DE UMA MILITANTE

Há alturas na vida em que gostaríamos de não ter razão - dias em que desejaríamos não confirmar as nossas intuições.
Infelizmente, vivo hoje um desses momentos. Não deixava de guardar o secreto desejo de poder escrever um texto em que confessaria ter exagerado quando escrevi que Jorge Sampaio, ao colocar nas mãos de Santana e dos seus rapazes o governo de Portugal, lançava os alicerces de uma prática política que reuniria, numa amarga salada, o pior das acções do dirigente do "Forza Itália" com o mais sinistro da prática do chefe do PSD-Madeira.
Desgraçadamente, os acontecimentos a que recentemente todos assistimos tornam impossível a concretização de tal desejo. Já conhecia (inclusive na pele, em Portalegre) exemplos de censura encapotada, de pressão sobre a comunicação social e/ou de instrumentalização da mesma para fins espúrios. Mas ouvirmos o que todos ouvimos dizer a esse porta-voz de Pedro Santana Lopes - lançou uma inquietação profunda no quotidiano de qualquer português esclarecido cujas aspirações estejam pouco para além da satisfação das necessidades primárias. Inquietação tanto maior quanto nos vamos apercebendo da preparação de um ataque feroz contra a imprensa regional independente, visando colocá-la nas mãos de grupos económicos manipuláveis. Só o senhor Presidente da República parece continuar a achar que tudo isto não é um ataque ao "regular funcionamento das instituições democráticas"...
Por tudo isto e por muito mais me impressionou uma crónica publicada num jornal de Mangualde, "O Zurara", assinada por Maria Liseta Neto, militante do PSD desde 1974. Tanto quanto sei não deseja ser nem presidente da República nem líder do partido fundado por Francisco Sá-Carneiro. É apenas uma mulher com uma visão lúcida, nua e crua, uma cidadã que sente na pele a vergonha de ser militante de um partido que foi tomado de assalto por um conjunto de "incendiários" (a expressão é de Villaverde Cabral), que vê um dos pilares da nossa democracia ser agente da sua perigosa erosão. Quem tiver olhos, que veja; quem tiver ouvidos, que ouça... Aqui ficam alguns extractos:
"[...] este PSD que teme a liberdade de expressão, que ousa tentar coagir aqueles que a exercem num estado de direito e democrático, este PSD não é o PPD que também eu ajudei a criar e há trinta anos defendo como militante de base [...] / Nele não me revejo. / Nem me revejo em ministros que publicamente assumem os seus 'estados de alma', apelando à mais ínvia das censuras [...]. / [...] / E quantos militantes como eu, por esse país fora sentirão a mesma vergonha e o mesmo constrangimento? / [...] / Hoje calaram Marcelo Rebelo de Sousa. / Quem vai ser calado amanhã? / Quando se cria um precedente desta natureza, quando aceitamos em silêncio estes exercícios inquisitoriais, todos nós perdemos um pouco das nossas vidas, dos nossos valores, da nossa Liberdade."

Ruy Ventura