7.10.04

O Povo é Sereno #165



OS BOIS PELOS NOMES

Aproveitando o barulho das luzes e porque ainda tinha uns fragmentos de tempo livre, fui uns dias de férias e também andei de comboio por sítios onde não me chegava o rumorejar da vida nacional.
Na volta fui como o resto do país colhido de súbito pelo mais ingente dos casos, o mais atrofiante - e não estou a brincar - caso de demonstração clara duma situação que nos permite aquilatar do estado cacarejante da nação: o caso da suspensão do programa televisivo do renomado Prof. Rebelo de Sousa, conhecido entre os happy few por Marcelo.
A secas, clarete, que a coisa já teve outros desenvolvimentos excitantes.
Porque o Prof. Marcelo - que é um homem, ao que me dizem, da área do Direito - é um comunicador excepcional, um estratega das palavras, o criador - ao que me revelam - de uns tais "factos políticos", figura de estilo sob a qual se acoitam divertidas e apropriadas manigâncias políticas, alçapões metafóricos onde se enfiam os nossos protagonistas republicanos e monárquicos, enfim - o jet set da circunstância lusitana. É, além disso, um homem de influência legítima, um magnífico professor de para-literatura (as suas recomendações televisivas de livros dados a lume são, de acordo com o que pesquisei, deliciosamente pessoais) e uma das figuras com que a nação pode contar na hipótese de uma catástrofe (politica). Em resumo, uma figura de recorte incontornável.
O que eu queria dizer, em jeito de conclusão ou de moral da estória, é que conforme observadores bem colocados e não sei se maliciosos referem, este homem de alta qualidade teria cedido a pressões de sectores que não gostam de ser postos em causa por gente de gabarito. Com os gemidos do povinho, que é lerdo, podem eles bem - é só virar a face para o lado e deixar passar os queixumes. Mas se aparece um da confraria a destoar o caso fia mais fino.
E eis o que me ocorre: um homem de qualidade, de alto valor moral e ético como é o dele, cala-se assim atrapalhado como um vulgar sujeitinho? Fazendo a vontade a maganões? Não seria de esperar que aguentasse a pé firme, os mandasse para os apitos e continuasse a sua obra pedagógica neste lugar tão necessitado de heróis?
E uma dúvida - quase sacrílega - me assalta e me deixa cheio de tremores: será que o distinto professor afinal não passa de um tarimbeiro mais da cena política? De um simulador, de um angariador de pachelgas que lhe engolem a lábia como caramelos?
Eu parece-me que não! Que a explicação será outra, quiçá quase metafísica e que o nosso homem, numa genial reviravolta, porá tudo em pratos limpos - derrotando os maus que lhe quiseram tapar as análises pondo-lhe um adesivo na boca e vingando-nos a todos, provando que vale a pena acreditar nas suas palavras ágeis e até então semanais.
Cá por mim, torço inteiramente por ele!


Nicolau Saião