27.9.04

O Povo é Sereno #159



ALGUNS MALEFÍCIOS DA AUTONOMIA

Não fiquei surpreendido quando, há poucos dias, vi de novo ser levantada a bandeira da "descentralização" da colocação de professores. Houve logo quem viesse à televisão apresentar o exemplo de uma escola que, ao abrigo de um "contrato de autonomia", pode escolher os seus próprios professores. Vários "especialistas" apresentaram-se a defender este modelo de recrutamento, porque assim, dizem, "o corpo docente é contratado em função das garantias de integração no projecto educativo da escola" e não a partir de critérios "meramente burocráticos" (referiam-se à média final do curso e ao tempo de serviço, frutos do trabalho dos professores como estudantes e como docentes). Apareceram ainda outros a defender que deveriam ser as autarquias locais a contratar os professores para as escolas dos seus concelhos, mas adiante...
Poderia já escrever aqui a frase que um dia ouvi a um velhote transmontano: "Muito bom latim canta o meu Joaquim..." Mas não. Prefiro recordar outros exemplos de autonomia na contratação do pessoal.
Começo pelas autarquias. Geralmente o recrutamento é feito com base no perfil curricular, numa prova e numa entrevista. Mas, podendo os gestores do município dar à entrevista o peso que entenderem, os resultados são conhecidos. Costumam traduzir-se na contratação dos amigos, dos filhos dos amigos ou de rapazes que trazem consigo um cartão partidário - mesmo que sejam incompetentes.
Passo agora para o Ensino Superior. Não sendo necessários critérios explícitos para explicar a contratação ou o despedimento, há sempre a possibilidade de contratar uma antiga aluna e deixar de fora um candidato "desconhecido" com provas dadas. Do mesmo modo, há sempre maneira de justificar (nem que seja com mentiras) a saída de um professor com mestrado e muitas publicações, deixando no seu lugar uma licenciada com currículo invisível.
Se não fiquei surpreendido com a ideia de colocar nas escolas ou nas autarquias a capacidade de contratarem os professores, confesso que fiquei preocupado, partindo de situações em que a "autonomia" é já uma (triste) realidade. Recordei ainda as antigas "autopropostas". Um docente enviava para uma escola o seu currículo para preenchimento de um horário disponível. Em tantos casos, não fosse ele conhecido do Conselho Directivo ou de alguém ligado à direcção, os documentos eram arquivados - pois inevitavelmente era escolhida uma pessoa "de confiança", nem que para isso fosse preciso pôr uma educadora de infância a leccionar Educação Visual ou um licenciado em Francês a dar aulas de Físico-Química...


Ruy Ventura