16.9.04

O Povo é Sereno #157



SUSPIROS DE ESPANHA

As reavaliações! Gosto muito delas. Vai um crítico de cinema, um bom crítico de cinema - e em Portugal são todos bons, talvez com excepção de um - e quatro ou cinco anos depois de ter arrasado uma película, mais ou menos formosa, diz como que assim: "Passado xis tempo, já é mais claro o enquadramento da fita ypsilone. Ora, procedendo a uma reavaliação..." e por ali fora, com o doce descaramento dos habitantes intelectuais deste país de fadas.
Disse fadas? Bom, está bem - mas queria dizer fados. Um lapso freudiano? Talvez... Mas o fulcro, o cerne, o miolinho da coisa é isto: um camelóide, um banana (e não se ponham com xius, deixem-me desabafar que bem mereço, caneco), um pelo menos míope zelota das películas, com uma latosa que roça a obscenidade mental vem anos depois (de raciocínio lento?) dizer precisamente o contrário do que dissera antes, do alto da sua suficiência ratona.
O que chamar a isto? Não lhe vou chamar nada, que gastei os epítetos todos ali em cima.
Mas nas letras também se dá...
Durante anos andaram certas boas-almas da espécie, discípulos mentais de outras araras, a fazer a folha ao Stefan Zweig - o nosso querido Stefan Zweig: que era o preferido das costureirinhas (benditas costureirinhas, que ademais de serdes giras sois espertas!), que estava bom para o lado do popularucho, que comia muita couve com feijão, que usava meias brancas tal como eu uso... Enfim, a panóplia clássica dos enfatuados.
Agora que o homem já leva uns anitos de morto com todos os matadouros, andam a reavaliá-lo... Um genial apepinador de conceitos muito respeitado nas arenas das letras dá mesmo a entender que ele é um mestre. "Escrita de mestre" diz o fulano em causa, depois de ter dado através do tempo loas e broas a estruturalistas de combinação à mostra e outras monstruosidades.
Ai meus manos, que belo cacete na lombeira...


Nicolau Saião