Ilha dos Amores #88
UMA CERTA TRISTEZA
E pronto, "c'est fini la comédie". Que para ela foi sempre um pouco de drama por detrás do tal um certo sorriso com que arrasou editores, leitores e, finalmente, a crítica do seu país, dos outros países.
Até na nossa nação, esse lugar-comum cuja beleza não está em causa, lhe tiraram o chapéu, rendidos ao seu charme de francesinha taful literariamente falando. Fez os meus catorze/quinze/dezasseis com o seu "Bonjour tristesse" (vai em franciú porque dito em português perderia, creio, o seu perfume muito próprio de título marcante que nos traz logo à memória uma época), com o seu "Aimez-vous Brahms?", depois com o "Dans un mois dans un an" que a malta que estacionava no Café Alentejano, no Facha, no Central, desbastava de juntura com coisas do Camus, do Faulkner, do Vailland - essas instituições.
Trouxe à literatura uma frescura terra-a-terra, uma desenvoltura que contrastava gostosamente com as aparelhagens mais pesadas e exigentes dum Sartre, dum Lacan, dum Deleuze...
Os seus relatos eram os dos amores e desamores duma garota que já pensava na velhice com um realismo desencantado que de facto embaraçava os optimistas que tinham a certeza de que a ventania que vinha de Leste iria transformar em amanhãs que cantavam o ulular que se sentira chegar dos gulags estalinistas e derivados.
Em Portugal e p'lo mundo fora os aparatchikis de serviço bem tentaram estraçalhá-la: apenas conseguiram aumentar-lhe as vendas e o perfil de favorecida pelos deuses. Depois - mais adestrados nas lides estratégicas de transformar o preto em branco e o branco em preto e aconselhados pelos mentores do notável Marchais (que a sabia toda) - deixaram-na em paz, tanto mais que granjeara a amizade e o apreço de um Picasso, de uma Beauvoir, de um Preminger...
Aqui há anos, em pleno Paris - o Paris que ela tão bem descrevera, a cidade das e dos desiludidos que jornadeavam até Saint-Tropez em busca do amor, dum solzinho de glória ou apenas de outros ares de aventura - topei-lhe a figura de relance na Rua do Rivoli mesmo em frente da torre Saint-Jacques de Nicolas Flamel. E soube por um poeta surrealista daquelas bandas que essa menina-prodígio dos meus tempos de leitor adolescente tinha então problemas de dependência de narcóticos e outras dores interiores.
Deixem-me cá: fiquei de facto emocionado ao saber ontem que batera a bota. Como se, assim o digo, me tivesse tocado na alma um reflexo dos tempos em que eu lia com uma emoção nova os livros dessa mocinha um bocado mais velha - essa ágil e saborosa e agora desaparecida Françoise Sagan.
Nota: Este texto é dedicado à T.
Nicolau Saião
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